O Ministério da Educação Nacional revelou que a taxa de escolarização na Guiné-Bissau subiu de 77% em 2000 para 123% em 2013, mas receia que o sistema educativo não esteja a conseguir transmitir aos alunos as competências necessárias. Aliás, esta é uma entre outras questões que têm preocupado os atores ligados ao sector do ensino público no país. O relatório sobre o sistema do ensino nacional realizado entre Março de 2014 a fevereiro de 2015 aponta que o sistema conheceu um forte aumento da taxa de escolarização nos últimos anos.
Na primária fase, por exemplo, os estudos revelam que a taxa bruta de escolarização passou de 77% no ano 2000 para 123% em 2013. Mas, a ausência de avaliação padronizada não permitiu dar conta daquilo que os alunos aprendem, porque não existe um exame nacional no sistema educativo guineense. Fato que se presume estar na origem de cada professor assumir a avaliação dos seus alunos.
Com base em diversas teses apresentadas, estas avaliações não permitem dar conta do nível de aprendizagem dos alunos devido à ausência de uma avaliação frequente e regular a nível nacional adicionada à capacidade do professor de transmitir as suas competências.
CONTEXTO DA EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO GUINEENSE
De acordo com fontes do Ministério da Educação Nacional, a evolução do sistema do ensino guineense resultou do compromisso que a Guiné-Bissau, a semelhança dos outros países em desenvolvimento, assumiu em dar a todas as crianças uma educação de qualidade. No caso da Guiné-Bissau, esse compromisso foi retomado na lei de base do sistema educativo e que fez da educação um direito.
Por isso, espera-se que esse setor social seja, futuramente, como uma área catalisadora para a emergência do país e assegure a igualdade de acesso e sucesso para todos, que contribua para o desenvolvimento de cada cidadão e apoie os esforços em matéria de democracia e de progresso social.
“Infelizmente, o sistema educativo da Guiné-Bissau evolui num contexto muito difícil e problemático, o que limita enormemente o seu desenvolvimento. Com efeito, o país foi frequentemente confrontado com uma situação de instabilidade política. Desde a independência, obtida em 1974, que a duração média do exercício de poder é de 2 anos e meio, e alguns períodos foram particularmente curtos, muitas vezes com mudanças na liderança das equipas com os ministérios a cargo, nomeadamente o da Educação Nacional”, sublinha a nossa fonte, indicando que persistência de indicadores sociais desfavoráveis, nomeadamente, uma esperança de vida muito baixa (50,1 anos / RGPH 2009), explica por que razão o relatório sobre o desenvolvimento humano de 2012 coloca a Guiné-Bissau na 17ª posição entre cento e oitenta e sete (187) países, justamente, porque esse contexto da pobreza generalizada tem particular incidência no sistema educativo, tanto na procura como na oferta educativas. Além disso, diversos riscos fragilizam o sistema tornando-o cada vez mais vulnerável.
A nossa reportagem apurou de uma fonte ligada ao sistema educativo do país que todos esses constrangimentos têm como consequência um desempenho do sistema educativo abaixo das expetativas.
A fonte sublinha, contudo, que os progressos registados ao longo da década precedente permitiram melhorar a cobertura dos diferentes ciclos do ensino básico (TBS de 143% para o 1º ciclo, 76% para o 2º ciclo e 61% para o 3º ciclo), porém a conclusão dos dois primeiros ciclos de ensino básico degradou-se, passando de 64% em 2010 para 59% em 2013.
O exame da trajetória escolar de uma geração mostra que 23% das crianças nunca entrou na escola e que 18% dos que entram, abandonam antes do 6º ano. Em consequência, o país está longe de atingir o objetivo de escolarização primária universal.
Uma análise efetuada fornece dados que poderão explicar os resultados. Trata-se, em primeiro lugar, da organização das escolas. A maioria não tem todas as classes. E depois de terminar o ensino básico de 1º ciclo, as hipóteses de prosseguir os estudos são muito reduzidas. Apenas 25% das escolas oferece essa oportunidade, o que significa que os 75% restantes não conseguem admitir, ou seja, fornecer o 6º nível de escolaridade. Essa impossibilidade de prosseguir um ensino básico completo na mesma escola abrange apenas cerca de metade dos alunos, ou seja, (47%). O segundo fator explicativo é o nível elevado de reprovações.
Com efeito, os estudos demonstraram uma correlação positiva forte entre a reprovação e o abandono.
Ora, em 2013, havia 21% de reprovações no ensino básico de 1º ciclo, 18% no ensino básico de 2º ciclo e 17% no 3º. Todos esses números são nitidamente superiores ao valor de 10% sugerido pelo quadro indicativo da iniciativa Fast-Track que, entre o ano 2000 e 2010, serviu de referência às políticas educativas, e são igualmente superiores a 12% que é a média na África subsariana.
Essas tendências revelam claramente que na prática, a reprovação está muito enraizada no sistema educativo da Guiné-Bissau, porque estes números elevados permanecem praticamente sem alterações desde há 15 anos. E presume-se que mais de 96% das crianças a frequentar o 2º ano tenha idade superior à idade exigida (7 anos de idade).
Segundo os dados do Ministério da Educação Nacional, a idade média das crianças deste nível é de 11 anos.
“Com a entrada tardia e o elevado número de reprovações constata-se que no 5º ano, praticamente a totalidade dos alunos (98%) tem idade superior à exigida (10 anos). A idade média deste nível é de 15 anos. Assim, nas classes do segundo ciclo do ensino básico, coloca-se um duplo problema: por um lado, alunos com idade avançada ao lado de alunos ainda muito jovens, situação que pode ser difícil de gerir para os professores. Por outro lado, os alunos com maior idade atingem uma idade onde há uma forte tentação para exercer outras atividades ao invés de prosseguir os estudos, nomeadamente entre as raparigas”, indica o estudo.
Em consequência disso, abandonam a escola sem ter tido tempo suficiente de adquirir os conhecimentos básicos necessários ao longo da vida. Uma das características demonstradas pelo Relatório Sobre Sistema do Ensino Nacional (RESEN) é a fraca equidade do sistema educativo da Guiné-Bissau. Isto é, constatado tanto no acesso à escola como na conclusão dos ciclos de ensino e em várias dimensões: género, meio de residência, nível de riqueza e regiões.
No que diz respeito aos professores, o sistema atual não os tem em número suficiente. No ensino básico, por exemplo, 1º e 2º ciclo, se todos os professores pagos pelo Estado fossem os únicos a exercer a profissão e, além disso, colocados de maneira equilibrada, um professor teria no mínimo, numa sala, 48 alunos. Mas, este número é superior ao objetivo visado pelo ministério, que deseja atingir um rácio alunos-professor de 40. O mesmo se passa no ensino básico de 3º ciclo e no secundário onde, para garantir que todos os grupos pedagógicos recebam o número de horas devidas, um professor deve dar em média 26 horas por semana em vez das 22 horas exigidas pela legislação em vigor.
FORMAÇÃO ACADÉMICA E PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
Para ser professor ou ter estatuto do professorado era necessário ter acabado os estudos do 9º ano e realizar uma formação numa escola normal de formação de professores. Infelizmente, diversos fatores levam a que nem todos os professores tenham este perfil de formação. Do ponto de vista da formação académica, constata-se que há professores que não concluíram os seus estudos primários (nenhum nível), alguns por diversas razões interromperam os estudos após o primário e, enfim, há ainda aqueles que puderam realizar estudos secundários ou mais. Mas quando se estabelece comparações, as pontuações médias dos alunos, de acordo com o nível académico dos seus professores, regista-se uma ausência de conexão entre o resultado dos alunos e o nível académico dos seus professores. Claramente, a pontuação dos alunos entregues aos professores que possuem um nível académico elevado não é superior à pontuação dos outros alunos.
Essas observações sobre a formação académica e profissional dos professores levantam, na realidade, o problema do desempenho do sistema educativo da Guiné-Bissau. Por isso, muitos defendem que é urgente rever a política de formação dos professores, mas, sobretudo, o próprio sistema educativo. Porque se os candidatos selecionados para o ensino atingiram o 9º ano com lacunas, como parece ser o caso, é bem provável que uma escola de formação, sozinha, não esteja à altura de colmatar todas as carências acumuladas ao longo dos anos.
PERCENTAGEM DOS ALUNOS DE 2º EM INSUCESSO ESCOLAR É DE 19% A PORTUGUES E 20% A MATEMÁTICA
O estudo revela que a percentagem da situação dos alunos do 2º ciclo em insucesso escolar é de 19% a português e de 20% a matemática. Estes números refletem, sobretudo, a situação das escolas públicas, pois nas escolas privadas, apenas 3% dos alunos tem uma pontuação em matemática ou português inferior a 25/100. Ao nível nacional, perto de 10% dos alunos está em situação de insucesso escolar nas duas disciplinas.
A Confederação Nacional das Associações Estudantis da Guiné-Bissau (CONAEGUIB) diz que a aprendizagem escolar é um dos principais problemas do sistema educativo do país. Neste particular, aponta, como primeiro fator, a degradação acentuada do nível de ensino dos estudantes devido a constantes paralisações que o setor conheceu desde a abertura política ao sistema multipartidário em 1991. Outro fator, na observação da CONAEGUIB, está relacionado com a falta de motivação por causa de salário miserável que os professores usufruem, aliada à falta de uma política de reciclagem e a ausência de infraestruturas escolares para acompanhar o ritmo do crescimento populacional.
Por isso defende que seja atualizado o curriculum escolar em vigor desde 1992, para estar compatível à atual conjuntura e a dinâmica do mundo, permitindo acabar com as constantes convulsões políticas com reflexos diretos no sistema do ensino devido às mudanças dos titulares da área da Educação.
E como solução para banir o leque de situações que contribuem para a degradação do sistema de ensino do país, a CONAEGUIB lança o seguinte desafio ao governo: organizar um Fórum nacional da Educação para discutir profundamente a problemática do setor do ensino, promover reformas ao nível do pessoal de Recursos humanos, isto é, colocar quadros competentes no lugar certo e conceber um plano estratégico a curto, médio e longo prazo com vista a estabilizar o setor.
Outra aposta da organização estudantil guineense passa pela criação de infraestruturas condignas e melhorar significativamente as que já existem, bem como criar escolas de formação técnico-profissionais com a finalidade de incutir nos estudantes o espírito do empreendedorismo.
Finalmente, promover a formação e reciclagem permanente dos professores de todos os níveis de ensino.
Por sua vez, a Associação Nacional dos Pais e Encarregados da Educação (ANPEE) acredita que, para colmatar o baixo nível do ensino na Guiné-Bissau, as entidades responsáveis terão que começar a trabalhar em alargar os dias letivos de segunda-feira aos sábados, fato que, no seu entendimento, poderá permitir obter quatro de dias letivos em cada mês, reduzir as férias do Natal e Páscoa, convocar uma Conferência Nacional sobre a Educação com a participação de todos os intervenientes no processo cujas conclusões, aprovadas pela ANP, servirão como bússola orientadora para qualquer Governo.
A preocupação dos pais e encarregados da educação vai também no sentido de as autoridades nacionais encetarem negociações credíveis com o Banco Mundial e outros doadores na qualidade de potenciais financiadoras afim de se alinharem aos objetivos delineados pelo Ministério da Educação.
Criar uma comissão de avaliação e seguimento do Pacto de estabilidade assinado entre o governo e os Sindicatos de Professores com vista a aproximar as partes para uma solução estável e duradoira no setor de ensino. E sugere como alternativa as outras sugestões levantadas (redução de férias do Natal e a Páscoa), que o intervalo docente seja fixado na época de campanha de comercialização de caju.
Por: António Braima Cissé
Foto: Marcelo Na Ritche