Com certeza, é uma questão que no fundo requer muita reflexão ou muitas respostas, dependendo das circunstâncias e da forma como a questão é encarada no seio dos que a dramatizam ou protagonizam a “nova classe de cidadãos” que se criou tanto nos bastidores quanto na sociedade guineense, bem como nas organizações políticas, até mesmo nas famílias que aparentemente se mostram serem lúcidas. Mas que fenómeno?!
Quando digo “nova classe de cidadãos” com certo pendor de realce, é porque esta questão foi e está a ser dramatizada como se, sem a luta armada, o país nunca teria chegado a sua independência por via pacífica. Quando se desencadeou o processo de luta de libertação nacional até ao primeiro tiro em 1963, em Tite, sul da Guiné-Bissau, muitos países africanos (Etiópia, Argélia, Togo, Gana, Senegal…) estavam já nas vésperas das suas independências. É claro que as circunstâncias eram bem diferentes. Na Guiné-Bissau chegamos ao ponto a que chegamos talvez por culpa de ninguém ou por negligência de alguém. Mas não é a hora de nos crucificarmos ou sermos bombeiros que agem com medidas ou, até ostensivamente, ateiam as casas dos vizinhos às escondidas e a seguir aparecem a oferecer os seus serviços para apagar o incêndio. Ou seja, não é altura de imputar responsabilidades a alguém. Saibamos esquecer os erros, desenhar novos horizontes e produzir ideias novas e pensamentos positivos…
Contudo, levantei este “debate” justamente para procurar conhecer diferentes manifestações ou sentimentos ou até mesmo respostas que possam dissipar dúvidas ou acabar com os sentimentos que movem certas pessoas ao ponto de se negarem, ignorantemente, encarando cegamente o estatuto do combatente com se sê-lo é hereditário. Não. E nunca será assim, quer gostem quer não! Ser antigo combatente na Guiné-Bissau é um orgulho, pelos feitos que nos foram transmitidos dos nossos gloriosos homens que deram a sua juventude pela causa nacional. Mas é um feito próprio dos combatentes e é intransmissível, por mais que alguém queira orgulhar-se dele! Por isso, fazer parte dessas figuras heroicas é um orgulho nacional inquebrantável. O estatuto de antigo combatente é inegável a quem deve tê-lo, mas deve ser entendido e interpretado plenamente e nos moldes próprios, nunca fora do contexto ou do “protagonismo voluntário”, para que o cidadão comum possa compreender melhor o conceito de antigo combatente.
Muitos guineenses que se vangloriam de filhos de antigos combatentes, não podiam ter outro estatuto? Não podiam ter outras conquistas que não sejam as de vestir o “capote” de filhos de antigos combatentes? São apenas perguntas retóricas que faço. Porquê e para quê tanta insistência?
Tudo isso não seria criar uma cultura de amontondadi ou clube de mandriões? Ou abdicar-se de conquistas próprias e viver à sombra, sangue e suor desses valentes homens de forma parasital? Porque gozar do privilégio de filho de antigo combatente é mesma coisa que ser filho de um camponês, professor, enfermeiro, eletricista… Mas nunca se deve confundir as duas coisas. Ou seja, gozar é uma coisa, mas encarná-lo é outra bem diferente. Às vezes dou-vos razão, porque essa confusão só pode caber numa sociedade como a nossa, mas em sociedades onde o debate nacional sobre diferentes assuntos é recorrente, esta questão teria sido discutida abertamente e dissipadas as dúvidas.
Fazer parte de qualquer classe social é um orgulho para quem a pertence e desde que saiba encará-la como tal, mas não aqueles que, a todo custo, querem mesmo a mil qulómetros ou milhas, que sejam vistos ou identificados como filhos de antigos combatentes, como cidadãos da primeira categoria ou de outro planeta, não como cidadãos nacionais que, do nosso ponto de vista, podem fazer parte de outras classes sociais, ter outros estatutos e outras conquistas diferentes que os pais.
Não podemos ter uma sociedade homogênea (onde nada se diverge), única e dependente. Sociedades desta natureza desaparecem quando essa classe (monopólio ou privilegiada) se torna impotente e improdutiva. Temos que aceitar ser diferentes uns dos outros, sentirmo-nos capazes de sermos sós e realizar conquistas para o bem comum. Na diversidade construímos maravilhas. Não podemos ser todos filhos de antigos combatentes e ao mesmo tempo ficarmos cegamente à sombra deste argumento pobre e a ver o país estagnar. Sim, o país precisava porque o contexto era outro. Mas agora a tendência é produzir homens em diferentes setores para cumprir o “ programa maior ” – Amílcar Lopes Cabral.
Caros leitores de o O Democrata! Não quero, com esta minha visão crítica, dizer que os filhos de antigos combatentes não devem e nem podem exigir que o Estado crie condições aos combatentes, não. Não, longe disso. Aliás, é um imperativo que o Estado não devia deixar de lado, porque é sua missão. Queremos que essa missão fique sob responsabilidade do Estado e nós avancemos para o desafio maior – o desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Quem seriam, se não fossem filhos de antigos combatentes? Bom, é uma questão retórica que também lanço para análise de todos.
Se ser combatente fosse um crime tipificado no Código de Processo Penal guineense (CPP), alguém estaria em condições de encarnar o estatuto de antigo combatente como se fosse dele ou feito conquistado? É mais uma questão retórica. Porquê e para quê tudo isto?
A luta de libertação nacional, que culminou com a independência unilateral do país em 1973 e um ano mais tarde (1974) reconhecida por Portugal, foi uma conquista comum e indelével. E cada cidadão na altura assumiria qualquer coisa, sem olhar para os riscos. Porque? – Porque estava em causa a soberania nacional. E outro motivo seria, porque o povo estava sob jugo colonial infernal dos colonizadores (portugueses).
Este país, que nos orgulha a todos, não pode avançar se continuarmos a sentir que não podemos “andar com os nossos próprios pés e guiados pela nossa cabeça” – Amílcar Lopes Cabral.
O que quer dizer que temos que começar a sentirmo-nos homens realizáveis na ausência de tudo e todos. Ou seja, si nha pape ou nha mame ka sta, ami i omi, ami n pudi fasi pa nha kabesa. Um homem com esta determinação dificilmente perde “batalhas” no seu quotidiano.
A sociedade moderna com pensamento moderno, não se constrói de dia para a noite. É preciso tempo, mas é este tempo que não temos. Apesar de tudo, é bom ainda acreditar que mais tempo ou menos tempo vamos progressivamente abandonar certos comportamentos individualistas e conhecer mudanças de vária ordem, sobretudo a de mentalidade de Kumpu Tera para o bem-estar de todos.
Por que encarar filho de antigo combatente, “uma brilhante identidade”, como se de cartão de serviço ou bilhete de identidade de alguém se tratasse?
Os média têm um papel fundamental neste “debate”, através de acesso à informação. Porque mesmo nas sociedades modernas e democraticamente reconhecidas, o acesso à informação é pedra basilar, por, pelo menos, duas razões:
Em primeiro lugar, garante que os cidadãos façam escolhas responsáveis e informadas, em vez de agirem na ignorância ou mal informados.
Em segundo, servem uma “função de verificação”, garantindo que os representantes eleitos mantenham as suas promessas e cumpram os desejos daqueles que os elegem.
Em algumas sociedades, uma relação antagónica entre os meios de comunicação e o governo representa um elemento vital e saudável das democracias em pleno funcionamento.
Em sociedades em situações de pós-conflito ou etnicamente homogéneas, as relações tensas podem não ser apropriadas, mas o papel da imprensa ou dos médias em disseminar informação como forma de mediação entre o Estado e as facetas da sociedade civil continua a ser crítico!. É urgente agirmos!
Por: Filomeno Sambú, Jornalista