As repetidas declarações infelizes do Primeiro-ministro, Aristides Gomes, qualificando de selvagens as greves dos sindicatos de professores, constituem um autêntico desnorte da parte de quem que se reclama do estatuto do intelectual. O fracasso do sistema educativo guineense é a marca indelével da incapacidade e inércia dos sucessivos dirigentes da Guiné-Bissau que nunca elegeram a educação como prioridade. É aí que reside o fundo da questão. Um país sem prioridades, sem foco na educação, não é surpreendente que dirigentes políticos, de forma populista, inundem o espaço público com diagnósticos vazios e avaliações levianas, a semelhança das recentes tentativas do atual chefe do governo em querer imputar a responsabilidade do falhanço no setor do ensino às greves de professores.
Ao invés de humildemente promover um diálogo sério sobre a possibilidade de se encontrar uma solução mínima e parcial ao crónico quadro educativo, tendo em conta a conjuntura, o chefe do executivo preferiu a lógica de extremismo e diabolização para com a classe professoral. Aliás, já havia qualificado de selvagens as reivindicações da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG) antes de compreender que tinha colocado o pé na lama e começar um diálogo sério.
Infelizmente, continua a repetir os erros de palmatória a semelhança do anterior ministro do Comércio, Victor Mandinga, que num ato de demagogia e propaganda política, quis carregar o pesado fardo de anarquia do sistema educativo aos professores, ao ponto de os chamar de incompetentes, advogando a sua substituição por estrangeiros. Caricato, senão uma aberração sintomática!
Quem define a visão e a política para o setor educativo, se é que existe realmente! São os professores responsáveis pela planificação e coordenação no sistema do ensino guineense? Qual é a causa da acumulação de dívidas para com os docentes na Guiné-Bissau? Porque os professores são descontados no final de cada greve e os deputados “imunes” depois de três anos sem trabalhar? São mais guineenses que os professores?
Quem é responsável pela existência de professores “fantasmas”? O senhor Primeiro-ministro acredita que as greves são as causas do descalabro do ensino guineense ou são antes de tudo, uma consequência da falência da falhada elite dirigente nacional? O Primeiro-ministro podia explicar a razão pela qual os seus filhos sempre estudaram no estrangeiro, em França, no Senegal e nos Estados Unidos? A procura da qualidade que estaria na base dessa escolha, porque no país de Cabral só reina a banalidade? Qual é a razão de a remuneração do professor e médico guineenses ser uma das piores do mundo enquanto os políticos deste país compram viaturas de 30, 40 e 50 milhões de francos CFA, a custa do erário público?
Sem excluir totalmente a responsabilidade dos professores no presente quadro sombrio do ensino nacional que, em diferentes ocasiões, são penetrados e influenciados pelas agendas politiqueiras visando interesses obscuros. Este é um fato. Mas também indissociável está a infeliz estratégia mais profunda do político guineense em manter o professor na dependência e através disso vedar os cidadãos de terem acesso aos conhecimentos e serem donos do seu destino. É o que justifica igualmente a permanência do fenómeno de “bolsas” para estrangeiro ao invés de um investimento robusto sério localmente através de construção de infraestruturas modernas (universidade pública de raiz, escolas politécnicas e academias de excelência).
Neste desgraçado sistema, só teria acesso ao ensino de qualidade os filhos dos que roubam ao Estado. A igualdade de oportunidades não passa de um simples slogan eleitoralista visando a enganar aos menos atentos e aos adormecidos da miséria imposta.
A crónica situação atual da educação, resultado de desgoverno em detrimento do amadorismo, precisa de um remédio que necessariamente passará pela ruptura com o atual paradigma de indiferença, ausência de visão e de prioridades. Essa mudança de direção só será possível quando a liderança política for encarnada por pessoas que atribuem à educação o seu justo valor, de instrumento transformador da sociedade.
Por: Redação