Crônica: EU, A LITERATURA E A CIÊNCIA

É na infância, ainda que possa parecer discutível, ou até mesmo mereça algum debate científico, que nós nos definimos; e definimos também àquilo que poderá vir a ser o nosso futuro. Muitos descobrem-se no desporto outros no mundo das artes e da cultura, outros ainda, no mundo da ciência e das engenharias. E não nas engenharias de nossas vidas neste solo pátrio.

Eu, por exemplo, gostava mais de números do que das letras. Porém, sem que o saiba explicar, embora também o saiba, acabei-me no regaço das letras. Foi assim que me fui moldando como homem das Ciências da Linguagem, e ao mesmo tempo, da Ciência pura. Enfim, um académico, dentre tantas outras facetas de que disponho.

Desde criança desenvolvi a paixão pelos livros, e fazia deles meu travesseiro. Gostava de abraçar o mundo, beijá-lo, percorrendo as páginas dos livros em busca do conhecimento científico. Fi-lo por prazer e continuo a fazê-lo também pela imperiosa necessidade de conhecer-me, a fundo.

Assim, a Literatura é, para mim, a arena de relações humanas onde pactos, alianças e estratégias discursivas que concorrem para a formulação do modus essendi e faciendi do ser humano dão-nos não apenas a dimensão do humano/profano mas também o divino transcendental.

A literatura é, por assim dizer, esta arena viva em que nossos embates quotidianos, em que medimos forças uns com/contra os outros, acabamos por vencer; atingindo, assim, o máximo da fruição intelectual.

O texto literário que é fruto de um escritor é também a paixão que move o seu existir, o seu ser. Pois, ao escrever, o escritor cria almas, tornando, sem que dê conta e/ou consciência disso, num inventor de vivências, num construtor de mundos possíveis e imagináveis. E até mesmo inimagináveis.

É isso que faço quando escrevo: reinvento-me a mim e às coisas que estão ao meu redor.

  1. As fontes do meu fazer-literário?

As fontes onde apanho a água que bebo são os grandes clássicos da literatura universal, mas de um modo especial cito alguns: Ítalo Calvino, Umberto Eco, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, T. S. Elliot, José Saramago, Machado de Assis, Milan Kundera, Baudelaire, Dostoievski, James Joyce, Ernesto de Mello e Castro, Faulkner e Flaubert.

Não leio apenas estes, mas são meus mestres preferidos. Diria que leio de tudo um pouco, até a literatura de pastiche para desestressar-me quando não estou de namoro literário com alguns dos meus escritores preferidos.

E assim sendo, nos países nossos de língua portuguesa, leio Luandino Vieira, Pepetela, Ruy Duarte de Carvalho – meu ensaísta e poeta preferido -, Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa, Vasco Cabral, Félix Sigá, Manuel da Costa, Edison Ferreira, Maurício Mané, Gabriel Ié, Seco Silá, Tony Costa, etc.

  1. Considerações sobre a literatura da Guiné-Bissau

Dizem alguns historiadores que temos uma literatura colonial na Guiné-Bissau. Discordo. Talvez pudéssemos resgatar o cónego Marcelino Marques de Barros como sendo o único escritor, além de pesquisador genuinamente guineense. Pois os demais são todos ou descendentes de portugueses, ou descendentes de cabo-verdianos que trabalhavam na administração colonial na então Província da Guiné Portuguesa. 

Para dizer, outrossim, que a literatura guineense nasceu – tal como o país – sob o signo do fogo. Ou seja, sob o napalm. Trata-se, sem dúvida, de uma literatura militante, engajada, comprometida com a causa da libertação nacional, com o desejo de liberdade. Isto é de o país libertar-se do jugo colonial, constituindo-se em novas identidades plurais.

É esta literatura que começa na primeira metade do século 20, ganha força na segunda metade do século com António Baticã, Vasco Cabral – o maior escritor desse período.

Segue-se-lhe os anos de 1970 até os anos de 1990 com outros nomes sonantes tais como Conduto de Pina, Domingas Samy, Tony Tcheka, Félix Sigá, Agnelo Regalla, etc.

De lá para cá tivemos boa safra de escritores, a saber Manuel da Costa, Saliatu da Costa, Rui Jorge Semedo, Edison Ferreira, Maurício Mané, Gabriel Ié, Seco Silá, Tony Costa, para citar apenas estes.

Contudo, falta-nos ainda fôlego o suficiente para o afirmar, mas tem nomes de grande aceitação internacional, e de grande performance, em termos de produção literária, receptividade crítica e até com uma fortuna crítica muito boa. São eles, Vasco Cabral, Félix Sigá, Hélder Proença, Tony Tcheka, conduto de Pina, etc.

Para irmos ao cânone, até porque já estamos quase lá, muitos fatores de criatividade e inventividade literárias entrarão em jogo. Espero poder, entretanto, ser um dos nomes de referência do cânone nacional. Estou a trabalhar sério nisso, reinventando-me humana e escrituralmente.

Falta-nos ainda muito caminho por fazer, muita leitura de clássicos da literatura universal, e muita formação humanística solidamente consistente, além de uma boa dose de criatividade, de engenharia literária.

Estou em crer que na nossa literatura há raras manifestações de intertextualidade – o que empobrece o(a) escritor(a) guineense -, porque não consegue ir para além do seu umbigo. Não lê, canibalisticamente, o que é produzido noutras partes de África e do mundo. Ou seja, para que um escritor evolua, precisa voar para outras mundividências para que, enfim, possa abstrair outras vivências experienciais que possam enriquecê-lo.

Em suma, a temática do período da pós-independência que deveria estabelecer àquilo que seriam as relações de poder, a questão da diversidade cultural, a globalização, a diáspora guineense, entre outros, está longe de descortinar-se como uma das grandes válvulas de escape.

Entretanto, é na poesia que busco material lítero-artístico para escrever meus romances, meus contos, minhas crónicas e memórias.

  1. O campo da arte, estética literária e ciência 

Não há estética sem ética. Tal fato é tão notório quanto o de não haver pensamento sem sentimento. Nem tão pouco razão sem emoção.

Eu sou mais eu, a partir do momento em que crio. Pois faço a obra existir, ela que estava dentro de mim a dormitar, e a pedir-me incessantemente para sair, para que eu a dê vida. E vida em abundância. Pois, é das metáforas e das alegorias que se tecem textos literários, que se costuram histórias que alimentam nossa imaginação tanto real quanto ficcional.

Nossas vidas são permanentemente fruto da narrativa histórica de que é feita a nossa humana ambição. 

Para dizer, enfim, no Universo todo, todas as cores do arco-íris entram em sintonia quando escrevemos. E a literatura nacional não escapa a esta regra. Só seremos mais guineenses na medida em que formos capazes de traduzir nossas angústias e neuroses, nossas alegrias e tristezas em objectos de arte.

Ora, uma publicação científica, como o podemos supor, pressupõe uma engenharia de construção em que um pequeno tijolo é depositado no imenso edifício da Ciência. Cada um de nós é chamado a dar a sua pequena contribuição ao conhecimento da humanidade, evoluindo racional, eficaz e eficientemente, para o progresso científico da mesma (humanidade).

Entretanto, como é do conhecimento de todos, há uma plena aceitação entre dos intelectuais, em especial, os pesquisadores que não se pode postular o conhecimento científico como sendo um produto pronto e acabado, mas sim um produto que continuamente vai sendo aperfeiçoado  fazendo refutações e aceitações. Assim, as alterações feitas tanto no domínio da teoria e quanto no da área de métodos e técnicas é que permitem uma investigação digna de nome de científico, porque contém a cientificidade necessária para o avanço da humanidade.

E tudo fica uma magnífica sinfonia. E passamos a viver num processo de continuum celebração da vida celular. Espero que mais nomes – que sejam exímios escritores -, surjam no cenário literário nacional colorindo-o com as cores do arco-íris.

Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.

 

 

Por: Jorge Otinta, poeta e crítico literário guineense

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *