Este artigo visa problematizar a questão migratória, focando essencialmente na migração em massa dos africanos em direção à Europa na contemporaneidade. Este fenômeno nos remete necessariamente aos efeitos nefastos do colonialismo e aos seus desdobramentos no contexto pós-colonial. Pois, quando se noticia a migração africana para a Europa, nas diferentes mídias mundiais, este fenômeno é tratado de maneira espetacular, apontando para os seus efeitos nefastos. Carregado sobretudo, de narrativas discursivas de que, estes serão um problema para os países de destino, logo, precisam ser barrados, com a justificativa assente na questão da segurança nacional. Entretanto, a migração interna, não é tratada com a mesma espetacularização e repulsa.
O trato destinado à migração africana aponta para uma discriminação, ou daqueles que são indesejados, com a expectativa duvidosa sobre suas condições sanitárias, seu poder destrutivo e desagregadora da sociedade. O que remete em alguma medida, ao pensamento evolucionista do século XIX (Hegel), no qual os africanos eram percebidos como: sem cultura, sem alma e sem religião, numa perspectiva desumanizadora para justificar o próprio processo de escravidão.
No entanto, não podemos cair numa amnesia coletiva e do pensamento único, de compreender o processo migratório como sendo uma característica essencialmente dos africanos. Aliás, o deslocar de um lugar para outro, a procura de melhores condições de vida, é constitutivo do ser humano, desde os primórdios, aliás, é a própria condição da sobrevivência humana e dos animais, que fazem esse movimento pelas mesmas condições, guardada as devidas singularidades.
Nesse caso particular, os imigrantes africanos, em destino à Europa, querem tão somente a segurança e o trabalho para sustentarem suas famílias; ao contrário do que aconteceu a partir do séc. XVI, com a chegada dos Europeus e a dominação dos povos africanos, submetendo-os a uma lógica escravocrata, conhecida como comércio triangular. Este fenômeno, sem sombra de dúvida, constitui o maior crime de história da humanidade, no qual, milhões de africanos foram arrancados dos seus territórios, para as Américas fundamentalmente, a fim de exercer o trabalho mais indigno que um ser humano pode ser submetido, (escravo e a condição escrava), tanto na África, assim como na sua diáspora.
Com efeito, as apropriações das riquezas advindas desse processo, tanto na África quanto na sua diáspora, contribuiu significativamente para o acúmulo da riqueza na Europa e a sua consequente modernização.
Nessa perspectiva, não se pode esquecer, que a Europa já teve a sua “onda migratória”, sobretudo, no século XIX e XX, tendo como países do destino: o Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Palestina etc. Aliás, isso lembra um pouco a narrativa sobre o império romano, pois, quando os romanos estavam conquistando os outros povos, chamou-se esse momento de expansão do império, e quando esses povos começaram a rever o que eram deles por direito, foi denominado de invasões bárbaras.
Portanto, a onda migratória dos africanos para a Europa não pode ser percebida fora desse todo: histórico, econômico, geopolítico e sociológico. As assimetrias provocadas nesse complexo processo de arranjos e desarranjos levam, sobretudo, a esse nível patológico. Nesse caso, chamo de patológico o caos gerado nos países de origem, ao ponto das pessoas ariscarem suas vidas, nas ondas do mediterrâneo, amontoadas nas pequenas e inseguras embarcações sob mira dos contrabandistas que identificam na tragédia humana, uma oportunidade de negócio, como ensinam os adeptos do neoliberalismo.
Nestes percursos, nada convencionais e perigosos para o chamado velho mundo, vamos constatar um fato curioso, os imigrantes advindos de zonas em conflitos, sobretudo são de: Somália, Eritreia que caminham em direção à Líbia e passam pelo deserto da Tunísia. O que chama atenção é que, estes quatro países foram colônia da Itália, o que reforça a compreensão pós-colonial (Lopes, 2015). Se no passado, a Itália foi um dos países que mais produziu imigrantes para diversos países do mundo, também vai ser no presente, o primeiro país Europeu que criminaliza a imigração ilegal. (Lopes, 2015).
Se observarmos atentamente este fenômeno, vamos perceber que a migração africana é relativamente pequena, mas parece grande, pela situação dramática das travessias e a conotação negativa e repulsiva que os países de destino e a grande mídia destinam a esse fenômeno: “crise de refugiados”, “imigrantes ilegais” “crise migratória”, certamente, estas ideias mexem com o imaginário coletivo das pessoas, pois, ninguém quer a crise na sua casa. Esta sensação pode gerar um sentimento de repulsa ainda maior.
O crescente volume dos emigrantes africanos, rumo a Europa, tendo a Líbia como o ponto privilegiado para a travessia, coloca o ocidente numa sinuca de bico. Pois, se de um lado, são pessoas indesejadas, para o velho continente, por outro lado, os princípios “axiomáticos” dos direitos humanos tanto propalados por eles, os lembram que não se pode tratar o outro de maneira desumana. Com efeito, para não manchar o “ideal humano” que tanto reclamam, parece terem encontrado no frágil e desorganizado estado Líbio, quase acéfalo decorrente da própria intervenção europeia, um mecanismos para conter e aterrorizar as populações de diferentes países africanos em situação de ilegalidade e de vulnerabilidade de toda ordem. Nesse mês de novembro, a rede de comunicação americana CNN, escancarou as já sabidas informações em certos setores da sociedade internacional, com imagens fortes, dando conta que os africanos estão sendo mal tratados e vendidos como escravos na Líbia.
As chocantes imagens, dos nossos irmãos, em condições sub humanas e de violência de toda ordem, aliado ao silêncio ou a tímida observância das Organizações das Nações Unidas e sobretudo da União africana, nos faz desacreditar na humanidade. Esse silêncio ensurdecedor ou a indevida atenção do ocidente com relação a esse fenômeno, não é de se estranhar por completo. Aliás, o Ocidente parece ter encontrado uma forma aterrorizante e eficaz, sem o ônus de ser acusado por crime de humanidade, um meio de resolver pelo menos, temporariamente o indesejado fluxo migratório dos corpus negros. O inacreditável nisso tudo, é o silêncio da União Africana e dos líderes africanos face a esta grave violação dos direitos humanos. Suscitando as intervenções das figuras públicas africanas, sobretudo, a classe artística, atletas e os anônimos, irmanados numa campanha nas redes sociais, cujo objetivo sensibilizar os respetivos líderes e a opinião pública internacional sobre a necessidade de sanar tais atos, como a retirada sem demora de todos os africanos em tais condições, de volta para os seus respetivos países e a responsabilização dos seus autores.
Este fenômeno da escravização dos africanos na Líbia em pleno século XXI, diz muito sobre o pensamento moderno, ou como “nunca fomos modernos”. A escravização dos humanos africanos em plena luz do dia, sem causar grandes constrangimentos e repercussões internacionais e ainda contar com o silêncio em alguma medida dos líderes africanos, sinaliza a ponta de iceberg, ou seja, o fim da escravidão formal representava uma jaula elástica com delimitação de circulação, mas caso, extrapolar tais limites, as sanções podem ser o retorno a jaula de aço. Portanto, se não houver uma reação enérgica por parte dos defensores dos direitos da humanidade em todo mundo e em particular dos africanos, tão logo, a total liberalização da escravidão dos africanos pode ser uma realidade. Nesse sentido, conclamamos todos os africanos e a humanidade como um todo, para lutarmos contra esta irracionalidade humana. Africanos de todos os quadrantes, uni-vos contra a escravidão e pelo retorno dos nossos irmão em situação de escravidão na Líbia!
Por: Vagner Gomes Bijagó
Guineense, professor de ciências sociais na universidade federal de Alagoas/Brasil
Nossa isso é muito serio, por que estamos falando de seres humanos, quando vejo essa coisas eu fico muito triste por ainda a ver alguém tratando um ser humano como escravo.
Testo bem explícito. Muito obrigado professor doutor Vagner Gomes Bijagós. Tive um privilégio de ti conhecer em João Pessoa (Paraíba)em 2015 na abertura da cerimônia da independência da Guiné-Bissau, realizado pelo estudantes da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Unimos contra a escravidão e pelo retorno dos nossos irmãos em situação de escravidão na Líbia.
Bem haja!
É insana essa condição desumana pelo mundo a fora, uma vez que tanto os africanos como outros povos passam pelo terror das políticas antissociais,antiéticas, escravagistas e outras questões a mais. Meu amigo Vagner, é lamentável… Sim,coisas urgentes precisam ser feitas. Precisamos de alguma maneira ajudar nossos irmãos pelo mundo a fora em sofrimento e desrespeito no essencial a vida: liberdade plena.