Crônica: A TEMPESTADE NO KALMA DO GRANDE IRÃ

Parecia que o vento soprava devagar. Ou talvez sopraria devagar, com mansidão dos dias serenos do mar calmo, sem grandes inquietações. Soprava tão devagar que acreditávamos que, desta vez, faríamos, sim, a grande travessia do rio.

Acreditávamos que o passado das marés bravas se tinha acabado. Inaugurávamos, desse modo, uma nova forma de realizar a navegação. O barco estava novinho em folha, e o mar, para a nossa surpresa, mantinha-se calmo e sereno.

De repente, a tempestade estende-se no infinito do horizonte. Parecia provocada por alguma rutura cósmica. Ou seja, algum elemento cósmico estava fora do seu ponto certo na órbita. Alguma desarmonia entre os elementos do Cosmo. Vem avassalador. E num rompante arrasou tudo que estava na grande órbita para o chão. Deitou fora todos os sonhos possíveis dos homens e das mulheres.

Era o mau tempo.

O ar estava em movimento ascensional, e parecia que o movimento em rotação do planeta terra fazia mover todos os corpos tanto celestes quanto terrestres.

Havia corpos que sofriam desvios de trajetórias. E fora estes corpos que desbancaram o barco da rota. Era como se uma gota de água conseguisse encher o oceano, provocando nele o maremoto.

A inundação foi desproporcional. Esta gota de água conseguira provocar danos incalculáveis. Não havia válvula para escape. Foi então que algumas pessoas deram conta de que a tempestade na verdade tinha começado quando o kalma do grande irã entornou; pois a cerimónia que se realizara no começo dos começos não tinha surtido efeito. Os elementos do torna boka não estavam completos. Faltava algo. Decidiram comunicar ao Chefe da embarcação. Este, por sua vez, mandou cortar a galinha para saber o que estava a passar. Isto é, as razões que estiveram na origem desta grande tempestade que ameaça afundar a tripulação.

A tempestade parecia existir   devido à variação nas pressões atmosféricas entre o centro da ação e os demais eixos de mesmo centro. Aí pensou-se (ensaiou-se?) a seguinte hipótese:

Quanto menor for a distância que separa os dois polos do centro maior é a tendência de aproximação.

Mas o que se viu for apenas a repulsa entre os eixos de mesmo centro.

Durante a noite enquanto íamos avançando no sono, a deslocação-movimentação do vento fez-se em sentido inverso, pois na terra do grande irã, o frio dá-se ao mar, arrefecendo-se, como se de sol tratasse, no mar de lágrimas. 

Sem que o apercebamos, sentimos no fundo de nossas almas, nas subjetivações de nossas crenças, nas elucubrações de nossas filosofias, e nas incertezas de nossas garantias jurídicas e económicas a náusea da mesma paz perturbadora.

Assim, as sibilações se tornaram cada vez mais fortes. Tão fortes que produziram rajadas de vento que se faziam ouvir por toda a parte da cidade. Assim sendo, deslocação descompassada do vento causou enormes perturbações.

Os serviços da meteorologia nacional não conseguem dizer, a bem da verdade, com exatidão se os danos materiais e/ou psicológicos causados pela grande tempestade eram mensuráveis em termos económicos e financeiros. E, ao mesmo tempo, se podíamos recuperar monetariamente os prejuízos resultantes desta Operação Intempestiva.

Sabe-se apenas que a atuação isolada desta ventania indesejável, porque indesejada, arrancou árvores, casas e algumas partículas de moléculas das mais ínfimas que existem sob este solo pátrio, arrastando-as para o Paraíso da Desordem. Mesmo as árvores rochosas, elas agitavam-se violentamente numa dança nervosa e estranha.

E o vento soprava com uma louca bravura, derrubando tudo quanto era planta, transformando-se na maior dor de cabeça para os cidadãos nacionais e estrangeiros.

Trauma geral. Alguns dos tecidos das peles das pessoas foram destruídas, os tecidos moles ressecados, as mucosas secas, quer na superfície quer na espessura, atingindo, em feio, e em cheio, os tecidos subjacentes e, até mesmo, afetou alguns órgãos internos das pessoas.

Ainda que valha a pena lembrar que as regiões de alta temperatura – como o é o caso dos países tropicais em que o nosso se insere -, estejam situadas entre as altas pressões subtropicais e as baixas pressões polares. E, assim sendo, estão sujeitas aos movimentos das massas do ar polar e tropical a la grande vitesse, pondo assim em causa as árvores rígidas da democracia que, ao que tudo indica, não serão capazes de suportar tais despautérios. Nem comportamento intempestivos. Irreflexivos, e quem sabe mesmo, senão irracionais?

E as improbidades administrativas? Estas casam-se ao branqueamento de capitais, à corrupção e ao clientelismo barato, à promoção da mediocridade e ao nepotismo. Somada resultam na grande mentira patriótica.

Homens? Os há? Uns morrem, e outros se reduzem à resistência, graças às suas raízes longas; mas também profundas. Pois em suas profundidades acumulam a água na estação mais fria do ano, mesmo que nas regiões costeiras a floresta venha a degradar-se. Sabe-se que o vento derruba tanto as árvores de folhas secas quanto as árvores de folha verdes.

Mas, como nem tudo é caos, nem tudo é um mar de rosas, existem as árvores mais flexíveis que resistem a tempestades. São com estas que devemos contar, pois deixam o vento passar, dobrando-se elas mesmas, permitindo a que a senhora tempestade passe impoluta, e poderosa.

Porém sabemos que existem ainda árvores robustas no mato do grande irã. Mas existem também as de pequenos portes. É por isso que a galinha vai mostrar nos ovos, e, quiçá, no bico, a causa desta grande tempestade.

Pois é: quão relevante é o papel da galinha em todo este imbróglio criado pelo desejo voraz de controlar o tesouro público, açambarcando-se do nosso erário.

Sei que o ar é uma mistura de gases.

Mas este ar que nos sufoca a todos liberta gases fétidos.

Todo este ambiente que nos rodeia vai acabar em instantes, embora o barco esteja à deriva. Exercitemos a paciência. A santa paciência. Pior do que está não vai ficar.

À guisa da conclusão escrevi no passado mês de Abril o seguinte Hai Kai:

A pedra dura que perdura

                Traduzir-se-á em doçura

Mesmo que com juros e usura.

Não preciso dizer mais nada, caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.

Centro de NTin – Bissau, 13 de dezembro de 2017.

 

 

Por: Jorge Otinta, Poeta e crítico literário guineense

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