Opinião: LÍNGUA PORTUGUESA, A HERANÇA QUE NÃO HERDAMOS

A propósito da semana de Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, que até hoje, dia 05 de Maio, se comemora em todos os países partes desta comunidade linguística e cultural, mas que agora também se quer económica, surge-me uma inquietação sobre a presença, na Guiné-Bissau, desta sexta língua mais falada do mundo. A língua que serviu para Camões escrever Lusíadas”, das mais destacadas obras em forma de epopeia em toda a história da literatura universal, à semelhança (para muitos críticos literários superior até) das de Homero e Virgílio, escritores grego e romano, autores de “Odisseia” e “Eneida”respectivamente; que para Fernando Pessoa é “uma pátria”; e para Amílcar Cabral “é a maior herança deixada pelo colonialista português para o nosso país”, tanto mais que, depois da nossa independência, o nosso Estado adoptou o Português como a nossa Língua Oficial, ou seja, a nossa língua de escolarização e principal elemento de contacto com a ciência e com o mundo. 

No entanto, a minha preocupação em relação à presença do Português na Guiné-Bissau prende-se com as seguintes questões: 1) Sendo nossa Língua Oficial, apesar de estar longe de ser a mais falada entre nós, como é que temos encarado a questão do seu ensino, enquanto um vector de acesso ao conhecimento chamado científico e outros saberes ligados à sua vasta geografia? E 2) Enquanto língua que reclamamos ser nossa, e com razão, como é que lidamos com ela e com pessoas que se nos dirigem através dela no nosso dia-a-adia? – Uma questão talvez intrínseca à primeira.

Para sermos mais assertivos e dar menos espaço a esta reflexão que se quer mais breve possível, começamos por dizer que não seja segredo que o modelo de ensino de Língua Portuguesa na Guiné-Bissau não é o mais desejado nem o recomendado para um contexto em que a língua não assume o estatuto de Língua Materna, isto é, em que esta língua é um instrumento de comunicação apenas entre uma elite minoritária e de contacto entre professores e seus educandos nas salas de aulas das escolas do país, ainda que neste último caso o Crioulo, a língua nacional do país, esteja em clara disputa com o Português, apesar da sua não formalização e oficialização para o processo de ensino.Este factor de grande inquietação não tem merecido a devida preocupação e tratamento das entidades governamentais responsáveis pelo processo de ensino no país, pois para além de ausência de uma planificação curricular de ensino de Português enquanto Língua Segunda – que é de facto o real estatuto da língua de que falamos na Guiné-Bissau, sendo que o seu uso depende muito do processo de ensino formal; e de uma total ausência de materiais didáticos, formação e treinamento de professores para o seu ensino nestes moldes, não existe uma clara política linguística para um contexto multilingue, em que ora o Crioulo é que se vê como a merecedora de maior atenção, ora é o Português, não permitindo ao próprio Ministério da Educação ter uma posição clara sobre o que quer com as diversas línguas usadas diariamente nos contactos entre guineenses, para uma questão até de preservação e valorização das culturas ligadas a cada uma dessas línguas, com particular enfoque em Português

Como consequência deste falhanço na concepção política e curricular de Língua Portuguesa na Guiné-Bissau, surpreendemo-nos que os mesmos alunos que estudam o Português durante doze anos de escolarização e até depois de frequentarem o Ensino Superior num sistema educativo em que é esta a língua do desenvolvimento curricular e que ainda receiam iniciar uma conversa na mesma língua, sejam as mesmas pessoas que, depois de um curso básico de Inglês ou Francês, frequentado numa das escolas especiais para o efeito no país, em menos de dois anos, usam fluentemente essas línguas.

A explicação à nossa inquietação é simples: nessas escolas, Francês e Inglês são ensinados como línguas estrangeiras, metodologia adequada aos seus estatutos no nosso país. É este o caminho a seguir pelos responsáveis do processo educativo no nosso país, se se quer que a Língua Portuguesa seja mais espontaneamente usada pelos guineenses, particularmente pelos estudantes, e que um falante de Português não continue a ser visto no ambiente “académico” como um digníssimo intelectual, só pelo domínio linguístico;ou um “arrogante”, perante uma certa massa populacional. Português não é a Língua Materna da maioria no nosso país, como tal, o seu ensino deve ser com base numa metodologia de ensino de Língua não Materna.

 

 

Por: Sumaila Jaló

Licenciado em Língua Portuguesa pela Escola Normal Superior TchicoTé e Professor de Secundário no Liceu Dr. Agostinho Neto.

3 thoughts on “Opinião: LÍNGUA PORTUGUESA, A HERANÇA QUE NÃO HERDAMOS

  1. Uma reflexão, uma visão, uma valiosa contribuição essencialmente técnico—académica visando chamar e alertar para uma causa: a língua portuguesa como ela (verdadeiramente) é. És meu orgulho, tal como a própria língua portuguesa!

  2. Não tenho dúvida da sua análise, Sumaila Jaló. Pois, o ensino da língua portuguesa na Guiné Bissau aparenta não ter uma entidade responsável, consciente das causas da sua deficiência. Com certeza, não me parece a mente que lhes faltam, governantes, as contribuições positivas dos pesquisadores da área,até porque não precisa ser linguístico ou literato para perceber a inoperacionalidade do sistema de ensino da língua portuguesa na Guiné Bissau. Qualquer um que gaste uns 20 a 30 minutos a divertir com alunos de qualquer nível de ensino complementar já ingere o necessário sem ambiguidade. Contudo, os governantes continuam insensíveis perante o ensino dessa língua. É uma vergonha o que se assiste na Guiné Bissau relativamente a educação, sobretudo, no ensino e aprendizagem, em que o professor, as vezes, dispunha de material didáctico nenhum para não falar da sua adequação ou inadequação. Muitas das vezes,qualquer coisa que lhe vem a cabeça, num fechar e abrir dos olhos,leva para a sala de aula. Além disso, não é segredo a ninguém na Guiné Bissau que há uma défice enorme dos professores formados na língua portuguesa para ensiná-la como a língua segunda, ou adicional, se é que é possível dizer. Mesmo assim, o país continua a ter o único departamento da língua portuguesa que forma professores licenciados na língua portuguesa, na Escola Normal Superior Tchico Té. Pior de tudo, o instituto não recebe mais de duas turmas de 35 a 40 estudantes. Aliás recebia com mais frequência apenas uma turma. Com isso, não quero, em situação alguma, menosprezar os professores graduados com titulo de Bacharel na mesma escola de formação de professores da Guiné Bissau, mas estou-me a lamentar a falta dos professores da língua portuguesa.
    Concluindo, já é basta o esquecimento da política de ensino da língua portuguesa nas gavetas do Ministério da Educação ou nas gavetas do gabinete do primeiro Ministro.
    Agradeço a sua contribuição, Jaló.

  3. Caro colega Djaló a sua contribução é muito pertinente e agradeço o senhor por tudo. Nós aqui no Senegal o Português é ensinado em todas as escolas médias e segundárias. A língua de Camões tornou-se a segunda língua de muitos senegaleses sobretudo no sul do país. Hoje em dia é no Sénégal que se encontra mais estudantes da língua de Camões além dos país lusófonos. Lusofonia sempre a subir.

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