O secretário-geral da Federação Camponesa ‘Kafo’, Sambú Seck, revelou numa entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” que a falta de produção de pomares do cajú nesta presente campanha é uma das consequências da devastação de ecossistemas florestais. Por issoadvertiu as autoridades máximas do país que é urgente adoptar novas medidas que permitam a diversificação da produção agrícola no país, de forma a acabar com a monocultura de cajú.
Avançou que a sua organização vai engajar-se numa reflexão séria sobre as possíveis reformasnaquele sector na Guiné-Bissau, a fim de permitir uma maior profissionalização dos produtores, como também aumentar a produtividade e uma melhor gestão do sector de cajú que está a penalizar e a destruir a floresta do país.
A Federação Camponesa Kafo é uma organização criada em 1996, tendo a sua sede na vila de Djalicunda, sector de Mansabá, região de Oio, norte da Guiné Bissau. A federação tem como missão fundamental a autopromoção comunitária e o desenvolvimento rural durável, por isso engaja-se a apoiar o processo de reforço das competências pessoais e organizacionais que asseguram às populações locais a participação na definição e execução das suas opções dodesenvolvimento.
O Democrata apurou que mais de 23 mil camponeses beneficiam directamente das intervenções da Federação KAFO em mais de 900 tabancas situadas no norte e nordeste do país, sobretudo nas aldeias das regiões de Oio, Cacheu e Bafatá. Para o reforço das capacidades técnicas e organizativas dos camponeses, a Federação KAFO criou um Centro de Formação Camponesa, de Vulgarização Agrícola e de Valorização dos Saberes Tradicionais.
O centro serve de espaço de concertação para as organizações da sociedade civil guineense e instituições estatais, e serve de quadro ideal para a realização de acções de intercâmbio socio cultural entre camponeses, educação para o desenvolvimento, informação e comunicação via rádio comunitária, promoção do género e liderança da mulher no mundo rural.
KAFO DEFENDE FORMAÇÃO DE CAMPONESES EM TÉCNICAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA E DE PROCESSAMENTO
O Secretário-geral da Federação Camponesa Kafo explicou na entrevista que de momento estão a trabalhar com o projeto PRS-PDA que conta com o financiamento do Banco Mundial, tendo avançado que o referido projeto visa apoiar os camponeses numa reflexão sobre as possíveis reformas no sector de cajú na Guiné-Bissau.
Acrescentou ainda que o objetivo é permitir aos camponeses fixarem-se nas suas actividades de produção de cajú, bem como adoptá-los de conhecimentos de novas técnicas que ajudarão no desenvolvimento dos seus trabalhos.
Assegurou que o referido projeto defende a capacitação de produtores em matéria de técnicas agrícolas de produção e técnicas do processamento, ou seja, a transformação do próprio cajú, com o intuito de adoptá-lo de maior valor no mercado e permitir mais ganhos para os camponeses.
“Desta forma é que conseguiremos tirar máximo proveito desta fruta para a segurança alimentar e também obter mais ganhos no mercado, de forma a melhorar a economia dos camponeses”, espelhou o especialista em produção agrícola, para de seguida defender que os camponeses guineenses devem apostar seriamente na diversificação agrícola, com o propósito de quebrar o sistema de monocultura do cajú.
Na visão de responsável da federação Kafo, o cajú deve ser associado às outras culturas alimentares anuais, por exemplo, como cerais, frutas de laranja, tubérculos, mancara, batata entre outros produtos.
SAMBÚ SECK: “É PRECISO DISCIPLINAR E REGULAMENTAR A PRODUÇÃO DE CAJÚ”
Interrogado se o solo permitiria a associação de outros produtos à produção do cajú, explicou que a Guiné-Bissau é de poucos países com solo rico a nível da África. Advertiu que é preciso adoptar os camponeses de conhecimentos técnicos que os permitam desenvolver estas técnicas agrícolas para obter grandes resultados bem como servir de modelo a nível da sub-região.
“O cajú neste caso, não é uma cultura exigente, é uma cultura com a capacidade de buscar água a profundidades enormes, por isso é que o cajú desenvolve-se mesmo nas zonas com solo pobre. No caso da Guiné-Bissau, como não temos uma política de desunificação agro-ecológica, o cajú está a ser cultivado em toda a parte. Há uma anarquia total em termos de expansão de pomares de cajú. Portanto é preciso disciplinar e regulamentar, mas sobretudo adoptar medidas rígidas para travar a devastação das nossas matas”, aconselhou.
Questionado se seria facil para as autoridades adoptar medidas rígidas para regulamentar o sector de produção de cajú considerado o ‘Ouro’ guineense, assegurou que a sua organização já está a trabalhar na sensibilização dos camponeses sobre a implementação dessas medidas.
Acrescentou ainda que enviaram alguns camponeses da federação a Burkina Fasso no quadro do projeto (PRS – PDA), onde constataram a utilização de sistemas agro-florestais pelos camponeses, que segundo ele, introduziram este sistema na fileira da produção agrícola esobretudo orientado só para o cajú.
“Burkina, como se sabe, faz parte dos países de Sahel e, embora se diga que a Guiné-Bissau também faz parte do Sahel, a verdade é que não estamos dentro do Sahel. E reconhecemos que temos algumas zonas com características de ameaça da seca, mas se deslocarmo-nos para a Burkina, Mali e Níger, percebemos que esse sim, estão nos países que deparam com problemas da seca. Nesses países, as populações são obrigadas a adoptar técnicas que permitem com que o cajú coabite com outros tipos de cultura e outros tipos de reservas naturais em termos florestais”, informou.
Seck apelou às autoridades no sentido de trabalhar seriamente para a adopção de uma metodologia de sensibilização dos camponeses guineenses sobre as vantagens a medio e longo prazo de certos sistemas agro-florestais no que concerne à produção de cajú.
“Nesse período haveria mangas em abundância, mas actualmente não se veem mangas, por causa dos cortes abusivos de plantas nas florestas de região de Oio. Estamos a viver hoje a consequência das mudanças climáticas com temperaturas altas e essas temperaturas afectaram este ano a produção de cajú, mas ninguém fala disso! Há várias plantações de cajú cujas flores não conseguiram coabitar com o clima, porque as condições não favorecem”, ressalvou.
O responsável da federação revelou que a falta de produção dos pomares de cajú na presente campanha tem a ver com a consequência da devastação de ecossistemas florestais que, de acordo com a sua explanação, causou um grande impacto nas mudanças climaticas, comotambém não permitiu que a Guiné-Bissau tenha chuva em quantidade suficiente.
Sublinhou que a nível do país, chove mais na zona sul, porque “é uma zona onde temos ainda bolsas de florestal primária, ou seja, condições naturais que permitem a produção de todos os fenómenos naturais que ajudam na cumulação de nuvens que facilitam a chuva”.
Em relação à zona norte, o Secretário-geral da Federação Camponesa (KAFO) revelou que a floresta está cada vez mais degradada e que a essência florestal emblemática (Pau de sangue, Conta, Bissilão, Pau de Bitchu, etc… ) estão a ser cortadas sistematicamente e de forma abusiva. Contudo, adiantou que não há, no entanto, a reflorestação destas árvores.
Acrescentou que há três semanas, no quadro do projeto da ONG SWSSAID em parceria com artistas da Guiné-Bissau, e membros da associação ‘Kobiana’, organizou-se um evento no Centro Cultural Francês em Bissau. Foi passado um vídeo, cuja mensagem central era chamar atenção para a necessidade de se fazer a reflorestação nas matas do país.
SAMBU SECK: “DINHEIRO DE MADEIRA VENDIDA DEVE SER USADO PARA PROGRAMAS DE FOMENTO FLORESTAL”
Apelou por isso que as autoridades nacionais apliquem uma parte do dinheiro proveniente da venda da madeira num programa de fomento florestal com vista a desenvolver o programa nacional de repovoação florestal, bem como apostar na repovoação de seis espécies mais comercializadas (pau de sangue, pau de conta, Bissilão, pau de Bitchu e Goiaba de Lala, etc… ), porque apresentam um ciclo de maturidade longo.
De acordo com Sambu Seck, segundo o recenseamento de 1958, as espécies registadas eram cerca de dezasseis, mas neste momento algumas dessas espécies estão em extinção, ou seja,correm o perigo de não existirem mais.
“Pau de carvão é um dos exemplos. Hoje, por exemplo, faz-se carvão com Bissilão e pau de sangue. Não é normal, porque em condições naturais há espécies apropriadas para seremtransformadas em carvão, porque gasta-se lentamente”, explica, sublinhando que, utilizando outras espécies inapropriadas, significa devastar a floresta, ameaçar a diversidade das espécies e, consequentemente, encorajar o consumo de energia proveniente das matas (energia de madeira) que não é sustentável.
Aconselhou que é preciso que haja uma tomada de consciência e política acertada para travar e refletir sobre esta situação, porque reflexos os serão sentidos a médio e longo prazo.
Quanto à transformação e exploração racional de cajú, o Secretário-geral da Federação Camponesa Kafo assegurou que a sua organização, em parceria com um consórcio de parceiros (Federação Kafo, Coajoc, Associação Merbodjar, INPA – Instituto Nacional de Pesquisa Agraria, Intituto Superior de Agronomia e Centrop), está a negociar um projeto submetido aoBanco Mundial com vista a enquadrar e capacitar os produtores no setor de cajú.
Outra aposta do consórcio, segundo Sambú Seck, é minimizar o impacto de produção de cajúsobre o ambiente e a floresta, ajudar na maior produtividade de cajú e melhorar os rendimentos provenientes do setor.
“O projeto denominado PER, Programa de Extensão Rural, está em andamento e esperemos que tudo corra bem para que possamos aplicá-lo ainda a partir deste ano e em dois anos tenhamos uma experiência piloto discutível a escala nacional e vulgarizada a nível do país”, explicou
Na observação do responsável de Kafo, a proliferação do pomar de cajueiros está a ameaçar o ambiente, porque a sua plantação está a ser feita de forma desorganizada, ou seja, contra as regras. No entendimento de Sambú Seck, podia-se aplicar a plantação de cajueiros baseado no sistema água-florestal, não desmatar a floresta de forma desenfreada, permitindo assim a coabitação de cajú com as outras espécies de plantas e sem nenhuns problemas.
“A nossa maior luta é permitir a valorização de tudo que faz parte do nosso património natural, incuti-lo no nosso saber, no património cultural guineense e geri-lo bem. Porque faz parte do desenvolvimento. Os financiamentos são complementares. Portanto, é fundamental preservar o que é nosso para que sirva de suporte à geração vindoura”, referiu.
KAFO APOSTA NA TRANSFORMAÇÃO DA CASTANHA NO PAÍS EM DETRIMENTO DE EXPORTAÇÃO BRUTA
Neste sentido, lembrou que a KAFO está empenhada num programa de valorização do cajú, em termos de pré-financiamento aos produtores, para melhorar os pomares justamente para fazer a colheita de cajú produzido na Guiné-Bissau em colaboração com uma fábrica denominada “Areia África”, na região de Cacheu, que está a empregar mulheres e jovens guineenses em tudo que tem a ver com o processamento de castanha de cajú.
“Se empenharmo-nos seriamente na transformação de cajú na Guiné-Bissau, vamos criar emprego, abrir oportunidades de reinserção profissional nas zonas rurais, estancar a fuga de jovens de campo para cidade que, por falta de trabalho e de um setor agrícola ativo, abandonam o campo, provocando mão de obra fraca”, disse.
Quanto à produção do arroz, Sambú Seck recordou que foi dos primeiros setores onde a sua organização iniciou as suas atividades, recuperando bolanhas afetadas por água salgada, reabitá-las adequadamente e desenvolver as técnicas apropriadas à produção do arroz de mangal, bem como na preservação da semente e de todos os setores associados à produção do arroz.
“Ao nível de África subsaariana, os guineenses são os maiores consumidores do arroz”, notou, indicando que é preciso diversificar a produção, através de produção local deste serial associado ao feijão, à mancara, ao milho preto, bassil e cavalo para permitir que o país tenha uma diversidade de cereais, património genético guineense.
Por: Assana Sambú
Foto: AS