BIGENE COMBATE MIGRAÇÃO CLANDESTINA COM PROJETOS PARA JUVENTUDE

[REPORTAGEM] A Associação dos Filhos e Amigos de Bigene Unido (AFABU) aposta nos projetos geradores de rendimento para combater a migração clandestina no seio da juventude deste setor limítrofe, na região de Cacheu, norte da Guiné-Bissau. Com objetivo de melhorar a vida dos jovens, a AFABU pretende implementar programas de agricultura, aviários e criação de suinos.

Para a consolidação dos projetos, a AFABU tem na manga programas para o ensino, não só para escolas do ensino básico unificado e liceus, mas sobretudo aposta na formação técnico-profissional da juventude do setor. Ainda esta organização aponta os programas de crédito e microcrédito para ajudar a população local na implementação dos seus projetos e na gestão dos seus rendimentos.

Os responsáveis da AFABU acreditam que, com a implementação destes projetos, poderão estar criadas as condições para que os jovens guineenses possam viver dentro da Guiné-Bissau, evitando os “apetites” de migração clandestina. O presidente da AFABU, Ibo Camará, acredita que muitos jovens que optam pela migração clandestina possuem qualidades para ganharem a vida dentro do país, sem sair para o estrangeiro, acrescentando que muitas vezes estes são obrigados a optarem poreste caminho, por falta alternativa.

A AFABU assegura que a sua política é voltada à juventude, para que esta camada social consiga viver adequadamente no país, sem grandes motivos para aventurar-se num caminho de sacrifício e de incertezas.

Camará acredita que na maioria dos casos o país oferece melhores condições do que os destinos escolhidos pelos jovens guineenses para emigrar e tentar ganhar a vida.

O setor de Bigene está com falta de infraestruturas escolares, sanitárias e muitas mais, um setor isolado pelo resto do país devido às más condições da estrada que liga esta sede setorial à secção de Ingoré e ao setor de Farim. Como acontece em todo o território nacional, muitos questionam aqualidade de ensino no setor.

A AFABU disponibiliza a sua sede para todos os bigenenses e todas as organizações que atuam no setor, caso tenham atividades programadas, as portas da Associação estarão abertas para recebê-los.

Ibo Camará lamenta a ausência do setor de Bigene no cenário do desporto nacional, recordando queBigene outrora derrotava os seus vizinhos de Ingoré, Farim, Bula e São Domingos. A AFABU promete organizar um grande campeonato de defeso este ano, envolvendo todas as tabancas do setor. As equipas participantes jogarão em duas mãos, ou seja, dentro e fora de casa.

“O futebol pode ser um meio de solidariedade, um meio de as pessoas se conhecerem mutuamente sem problemas e partilhar ideias pacificamente”, acrescentou Ibo Camará.

A AFABU está a implementar o projeto piloto de aviário e cria de suínos na aldeia de Samodje, mas com propósito de alargar a iniciativa para todas as tabancas do setor. As comunidades interessadas podem requisitar aves e porcos.

AFABU ELEGE AGRICULTURA PARA COMBATER DESEMPREGO

A AFABU elege a agricultura como prioridade para minimizar a monocultura de cajú, empregar jovens e combater a pobreza no seio da comunidade local. Neste particular, a associação prioriza o setor agrícola por acreditar que é o maior potencial do país e que pode gerar muitos empregos.

Para o efeito, a AFABU assinou um acordo de parceria com uma empresa agroindustrial indiana,MPS AGGRI, que já se encontra na tabanca de Samodje a trabalhar num campo de 120 hectares.

São visíveis as plantações de cajueiros ao longo da estrada que liga Bigene – Ingoré para quempercorre os 33 quilómetros de terra batida e em péssimas condições. Ibo Camará critica aquilo que designa de monocultura de cajú, além de considerar que a cultura de cajú serve para tornar aspessoas preguiçosas.

Camará disse que muitos pomares de cajú foram mal plantados, justificando que muitos ocupam uma vasta superfície, mas a produção é pequena ou nula, apontando como consequências a desmatação desenfreada.

“Quando as pessoas recebem dinheiro proveniente da venda de cajú, muitos não conseguem saber como investi-lo. Temos que criar projetos paralelos ao cajú onde as pessoas poderão investir os seus dinheiros, por exemplo, no setor da horticultura”, desafiando assim os camponeses a investirem os rendimentos da campanha de comercialização da castanha na produção hortícola.

Camará sugere que a população camponesa que não tem acesso ao crédito nos bancos seja instruídaem como aplicar o seu capital da venda da castanha, acrescentando que é por isso a que AFABU trabalha no sentido de levar os investimentos, sejam estrangeiros, sejam do empresariado nacional para investir na agricultura do setor de Bigene. Acredita que isso levará a inovação ao  setor e criará empregos ao mesmo tempo.

As empresas que eventualmente atuarem no setor agrícola de Bigene ajudarão também na formação de camponeses locais no domínio da agricultura, sobretudo nas áreas de novas técnicas de cultivo. Com isso, a AFABU pretende não só introduzir na agricultura de Bigene, mas também de toda a região de Cacheu, novas práticas agrícolas.

A parceria da AFABU com a empresa indiana MPS AGGRI vem na sequência de mudar positivamente a agricultura da região de Cacheu, começando pelo setor.

A equipa de reportagem do jornal O Democrata soube que algumas mulheres vendedeiras do setor de Bigene deslocam-se à República do Senegal, que fica  a seis quilómetros de Bigene, para comprar hortaliças para vender no pequeno mercado local, enquanto muitos indivíduos acreditam que o setor tem condições para produzir legumes e abastecer seu pequeno mercado e até vender para outros mercados.

Como noticiamos numa das nossas edições, o mercado nacional é abastecido em grande parte com as bananas produzidas no Senegal, que entram pela via do setor de Bigene em camiões senegaleses. Ibo Camará acredita que o país tem condições de produzir bananas e abastecer o mercado nacional.

ASSOCIAÇÃO COMBATE ESCRAVATURA DOS JOVENS GUINEENSES NO SENEGAL

Os jovens do setor de Bigene deslocam-se todos os anos à República vizinha do Senegal para trabalhar nos campos hortícolas senegaleses, em muitos casos por um preço de escravatura, ou seja, por 20 mil francos CFA mensais.

Neste momento, a AFABU conseguiu empregar alguns jovens que dantes se deslocavam ao Senegala procura de empregos temporários nas hortas senegalesas. Os referidos jovens trabalham com a empresa indiana MPS AGGRI na preparação do campo de 120 hectares que servirá do projeto piloto. No total, a Associação dos Filhos e Amigos de Bigene Unido tem uma reserva de 2.600 hectares que posteriormente poderão ser incluídos, caso a empresa MPS AGGRI aprove a primeira parcela.

Caso a empresa MPS AGGRI não cumprir com o plasmado no acordo, a AFABU terá o direito de romper o contrato. Mas se tudo tomar seu rumo certo, quando a empresa MPS AGGRI começar a ganhar lucros, uma parte reverterá para as ações sociais, desde construção de centros de saúde, energia, água potável e educação, para além da formação aos jovens, emprego.

A nossa equipa de reportagem soube que o plano ‘business’ do protocolo de acordo já deu entrada no Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. A empresa indiana engajar-se-á na criação de condições  para transformação de produtos locais, sejam agrícolas, hortícolas. Mangas e cajú serão abrangidos.

“Tudo isso criará emprego direto e indireto, o que pode evitar os jovens de se desloquem aoSenegal. A emigração aqui em Bigene não é apenas para Europa como muitos pensam. Temos uma pequena “escravatura” no Senegal, onde os jovens trabalham nos campos hortícolas e agrícolas para ganhar 20 a 25 mil francos CFA por mês. Porém, se criamos os campos no país onde os jovens podem ganhar entre 50 a 65 mil francos CFA, claro que não haverá a necessidade das pessoas deixarem o país”, sublinha.

A AFABU encara o setor agrícola como setor vital para melhorar a vida da população de Bigene, assim como desencorajar a migração clandestina no seio das suas comunidades que já sofreram com mortes dos seus entes queridos a caminho da Europa, pelo mediterrâneo.

Os parceiros de AFABU em Espanha prometeram apoiar a iniciativa da associação no domínio agrícola. Os espanhóis acreditam que a agricultura pode melhorar todas as outras áreas por ser o motor de tudo. Através dela as famílias poderão pagar os estudos dos filhos. Ela pode trazer a saúde e alimentação às famílias. Por isso, domina o plano estratégico que a AFABU elaborou com Terra Sem Males de Espanha.

Os projetos destinados ao setor de Bigene enfrentam dificuldades devido às péssimas condições da estrada, não apenas de Farim – Bigene ou Ingoré – Bigene, mas também a ligação para as aldeias que constituem o pequeno setor de Bigene.

AFABU PRETENDE DINAMIZAR A CULTURA BIGENENSE

A organização não-governamental dos filhos e amigos de Bigene com olhos postos na juventude local e no desenvolvimento do setor no seu todo preocupa-se também com a degradação da cultura bigenense, cujas identidades pretende resgatar através de atividades culturais. Eeste ano, a associação tinha planeado para o passado mês de Maio um festival setorial em Bigene, como forma de revitalizar o lindo lençol étnico que se reflete numa rica cultura.

Bigene dispõe das culturas Balanta Mané, Balanta, Mandinga e Djola (a memoria) no setor, mas todas merecem atenção especial nos planos culturais da AFABU.

Ibo Camará considera que nenhum povo deve desvalorizar ou abandonar a sua cultura ancestral, assim como ninguém deve ter vergonha da sua cultura, acrescentando que cada povo no mundo tem cultura própria, que as gerações vindouras têm direito de conhecer.

O responsável máximo da associação diz pretender ajudar na rentabilidade económica das atividades culturais, desde festas de circuncisão ‘fanado’, celebração de tradição Balanta ‘Kussundé’, para não ficar apenas nas manifestações culturais apenas de gastar dinheiro e sem recolher nada. Camará sublinha que a nossa cultura deve ser modernizada.

Reside na pequena cidade de Bigene uma das melhores vozes feminina da etnia Balanta Mané, a Fatu Djata, cuja voz é conhecida um pouco por todo o país e na República do Senegal. As músicas de Djata passam sobretudo nas primeiras horas da emissão matinal da Radiodifusão Nacional (RDN)

“A cultura Ocidental que se vende hoje um pouco por todo o mundo, nomeadamente Jazz, Blues e demais, vem de fundo das culturas dos povos e dos bairros, mas hoje é uma cultura vendida ao mundo inteiro”, assinalou Camará antes de aconselhar os jovens para não se sentirem envergonhados em manifestar a sua cultura.

Ainda no capítulo da cultura, a AFABU solicitou algumas guitarras à organização não-governamental espanhola ‘Terra Sem Males’ com objetivo de incentivar e ajudar os jovens do setor para a aprenderem a tocar guitarra. O marido da grande voz musical da etnia ‘Balanta Mané’, Fatu Djata, o guitarrista Carfa Mané, é a pessoa indicada pela associação para ser o instrutor dos jovens no domínio da guitarra, preservando os toques tradicionais, onde as meninas serão incentivadas a cantar para preservar as lindas canções que caraterizam a cultura bigenense.

A escassez de tocadores de Balafón, um instrumento musical importante na cultura do setor, preocupa AFABU, por isso, Ibo Camará garante que a sua organização quer trabalhar no sentido de resgatar e dinamizar os traços culturais do setor.

A construção dos instrumentos musicais tradicionais é um dos aspetos que a AFABU vê com atenção, como forma de permitir a manutenção dos instrumentos no panorama da cultura guineense, evitando a sua extinção por falta de pessoas qualificadas para maximizar a sua produção.

Também há outro instrumento usado pelas etnias Balanta e Balanta Mané, uma espécie de pequenaguitarra com duas cordas, mas que se encontra ameaçado. Ibo Camará enfatiza o mosaico étnico e cultural de Bigene, apontando a tradição ‘Gnhaye’ da etnia Balanta; Djambadon dos Mandingas e Balafón dos Balanta Mané, acrescentando ainda que a cultura Balanta é ‘a mais bela do mundo’.

BIGENE FOI BERÇO DE CAMPEÕES DE LUTA LIVRE

Ibo Camará lembrou ainda da potencialidade que outrora setor de Bigene tinha na modalidade de luta livre. De Bigene saíram vários campeões nacionais, nomeadamente, Numó, que até participou nos Jogos Olímpicos pela Guiné-Bissau. Dá Somó que também foi campeão nacional. Este últimofoi o lutador que derrubou o adversário que acabaria por falecer, valendo-lhe, na altura, uma prisão.

Também Berley foi também um lutador conhecido um pouco por todo o país por ter conquistado várias vitórias na arena do Estádio Lino Correia. Outro grande lutador de Bigene é o irmão mais velho do falecido político Baciro Dabó, Serifo Dabó, que brilhara nas arenas do Senegal, da Gâmbiae aqui na Guiné-Bissau. A aFABU assume o compromisso de tudo fazer, na medida dos possíveis,para resgatar tudo que foi potencial do setor de Bigene.

Camará acredita que é possível materializar os sonhos, tendo em conta a união que se verifica no seio da população de Bigene, assim como com apoio de todos os filhos e amigos de Bigene.

A AFABU deseja projetar o setor no que tange ao desporto, sobretudo nas modalidades onde era uma indústria para a Guiné-Bissau como é caso da luta livre e futebol.

Ibo Camará disse que o desprezo de mais de quarenta anos fez emergir a comunidade local com vista a assumir a sua própria responsabilidade como cidadãos nacionais e locais, militando para resgatar o setor em todos os domínios possíveis, apelando aos filhos e amigos de Bigene para esta tarefa como a melhor maneira de inverter a tendência.

A AFABU acredita que dentro de dez anos o setor de Bigene transformar-se-á numa cidade modelo, sobretudo, se o país completar o ciclo eleitoral com a realização das eleições autárquicas.

ASSOCIAÇÃO APOIA A MELHORIA DE QUALIDADE DO ENSINO

A organização dos filhos e amigos de Bigene considera de catastrófico o sistema do ensino no setor de Bigene, desde ensino básico e até ao elementar. De acordo com os diagnósticos da AFABU, que prometeu fazer alguma coisa para inverter a tendência sem esperar pelo Estado da Guiné-Bissau, as coisas podem mudar.

No sentido de melhorar o ensino no setor, a AFABU já recebeu mesas e carteiras para apoiar na melhoria do ambiente nas salas de aula. Ibo Camará disse: “não vamos esperar pelo Estado, porque já esperamos mais de quatro décadas e nada aconteceu, agora não vamos esperar ninguém”.

Na árvore da identificação dos problemas elaborada pela AFABU, todas as aldeias coincidiram ao apontar o ensino como um dos setores com mais necessidades. A AFABU criou um jardim infantil, como projeto piloto no domínio do ensino. A escola tem uma horta comunitária que será cuidada pelas mães das crianças que estudam na escola, espelho do tipo de escolas que pretende implementar nas comunidades.

As mães terão a oportunidade de trabalhar próximo dos filhos e os filhos aprenderão ao lado dassuas mães na horta comunitária. O rendimento das mães reverterá para a educação dos seus filhos. Em outras palavras, a AFABU quer integrar a escola e a horta comunitária no mesmo espaço, onde as crianças passarão o dia todo a aprender.

A tabanca de Bintã foi a primeira localidade onde AFABU quer implementar este projeto, cujasobras da escola já está em curso e contará com o apoio da organização não-governamental Terra Sem Males. Bintã fica a 5 quilómetros da pequena cidade de Bigene.

No âmbito da execução do projeto escolar, Terra Sem Males financiará ainda a construção de um furo de água para garantir água potável à comunidade local, assim como oferecer condições para que haja água para irrigação nas hortas. Quatro localidades de Bigene contarão nesta primeira fasecom projeto do género, de acordo com a árvore de identificação das necessidades. A aldeia seguinte será Mansália, mas ainda há outras ainda identificar.

Bintã é uma aldeia do setor onde funcionava uma das baracas do Partido Africano da Independênciada Guiné e Cabo Verde, uma tabanca com uma comunidade solidária. Prova disso é a forma como os bintenses reabilitam todos os anos a via que dá acesso à aldeia.

Por iniciativa própria, os habitantes de Bintã construíram latrinas para todas as casas daquela tabanca.

Já em Mansália, as mulheres construíram um campo hortícola de um hectar e meio. Foi vedado com meios próprios, recorrendo aos paus-de-sangue para construir o cercado. Posteriormente construiram 3 poços, mas que acabaram por ruir, deitando a terra todo o esforço das mães dalocalidade. Ambas as comunidades disponibilizaram-se para oferecer espaços para a execução dos projetos, facilitando a iniciativa de AFABU e Terra Sem Males.

Samodje também é uma das tabancas destacadas no setor, onde está a ser implementado o projeto de aviário, através de uma parceria de AFABU e a população local. A aldeia de Samodje é onde a empresa indiana MPS AGGRI implementa o projeto de campo agrícola em colaboração comAssociação dos Filhos e Amigos de Bigene Unido. O aviário AFABU conta com o apoio material da MPS AGGRI. Na tabanca de Facan, a MPS AGGRI ajuda com materiais para a construção de espaços para criação de suinos. A população entra apenas com a mão-de-obra.

PARCEIROS DA AFABU APOIAM A FORMAÇÃO SUPERIOR DE JOVENS

Os parceiros de AFABU apoiam a formação superior dos jovens de setor. Por exemplo, a UVA – Universidade de Valladolid de Espanha, comprometeu-se em pagar bolsas internas para alguns jovens de Bigene, mas também haverá bolsas externas para Espanha suportadas pela UVA.

Representantes da Universidade de Sória de Espanha também estiveram em Bigene no ano passado, onde formaram os jovens de locais durante três meses. Entre os formandos foram referenciados aqueles que poderiam beneficiar das bolsas, mas os seleccionados teriam que assumir um compromisso de que trabalhariam no projeto que está a ser implementado com vista ao desenvolvimento do setor de Bigene.

 

 

 

Por: Sene CAMARÁ

Foto: SC

 

 

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