Crônica: O ESQUADRÃO DA MORTE

Pensando na Campanha da Castanha de Cajú de 2018

– Vamos levar embora o gajo para a esquadra! – Gritou com a voz rouca um policial, antes de desferir no sujeito o derradeiro golpe, quase fatal, não fosse a ação de um outro policial, seu colega de trabalho e amigo de muitos anos.

– Espera um pouco. Deixa o homem se recompor – Disse-lhe

– Não! Para cela já, porque se a população nos vir, as fofocas vão começar a rondar a cidade – Assegurou o terceiro.

– Concordo plenamente – Retorquiu-lhes o quarto.

– Então é para já! – Deu-lhe um pontapé com bastante força, mas com tanta força que o sujeito não precisou entrar no Jipe, pois era tanta a força que ele se levantou por pontapés e socos para adentrar no veículo.

O quinto policial, Augusto Baderna, ficou quieto a olhar a ação dos outros colegas de serviço. Percebendo-lhe o comportamento reprobatório, ele apenas abanou a cabeça, como se concordasse com eles; mas que apenas estava maldisposto naquele dia para mais um ato de correção nos contraventores da nossa praça.

Foi com gestos e vozes duras, carregadas de ódio, pontapés, insultos na mãe ausente, coitadas sempre elas, as mães carregam as cruzes, sobra sempre para elas, é filho da mãe para cá e puta que pariu para lá, que se ouve, quando um filho desobediente tem problemas com a lei.

Se o filho é ladrão, o pai joga a toalha, pois a culpa é da mãe, que não o educou, que o cobriu de muitos mimos, porque se dependesse apenas dele, seria um grande trabalhador. À porrada é claro!

Como se o menino não tivesse levado tanta porrada na infância.

Mas, como sabemos, em todas as sociedades, quando não se consegue jogar toda a culpa em cima da mãe, é o destino que a paga. E quem diz destino, diz Deus, afinal, ele é testemunha das aflições que os pais tiveram desde sempre com a educação do menino, das energias despendidas nele.

Quando chegaram na Esquadra, o interrogatório começou. Sem que o homem pudesse responder, encheram-no de porrada.  Imaginem o sujeito que já vinha tomando na rua, desde que foi pego, como seria cá, dentro da Esquadra, a sós com todos estes policiais à sua volta? Cassetetes, socos, palavrões, cuspos, insultos. Confessara-se do que não sabia.

Augusto Baderna, de nome, porque era o policial que punha ordem em todas as badernas da cidade, todos o temiam, nenhum malfeitor queria, se um dia estivesse com o azar de infringir alguma lei, queria encontrá-lo no posto, em seu dia de ponto, de serviço. Ninguém.  Porque todos que, por lá passaram, têm história para contar, boa ou má sobre o Baderna. Era o mestre que educava com seu cassetete aqueles que desafiam a lei, à ordem, à autoridade. Aqueles que ainda não assimilaram que com a autoridade não se brinca; pois à porrada, o respeito finca.

Neste dia, em particular, Baderna deixou que os outros fizessem o serviço. Não obstante ser ele o responsável por aquele dia ali no Comando da POP – Polícia de Ordem Pública.

Embora os outros soubessem de que a autoridade de aplicar o corretivo no sujeito tinha que ser dado por ele, ninguém o perguntou nada sobre por que estava assim tão diferente em relação aos outros dias. Porém, uma pessoa, em especial, estava estranhando isso, era justamente, o preso, pois se tudo o que ouvira dizer sobre o Baderna fosse verdade, por que até aquele momento ele não havia atuado? Estaria ele esperando o dia seguinte, ou estaria vendo a melhor forma em como aplicar um castigo bem merecido nele? Este pensamento assaz preocupante, deixou nosso preso aflito, se o que apanhara até então não era suficiente, com o Baderna será o seu derradeiro respiro na vida.

Lá fora, o sol rasgava a cidade com seus raios luminosos e, no poente, começavam as nuvens a se desfilar pelo céu. Pumpum, nome do ladrão, foi conduzido pelos quatro policiais à cela. Homem de um metro e noventa e cinco centímetros, mal cabia no espaço

exíguo da nova residência que a sua vida no mal lhe arranjara. Deitado de barriga, sem comida no estômago, sentiu o cheiro acre da urina que se exalava neste cair da noite.

Cheiro fétido, horrível, mas não tinha jeito, era suportar ou suportar, alternativa tinha se não entrasse pelo mundo do crime. Era cheiro que lhe sufocava a respiração e lhe comprimia os pulmões. Gemeu com as dores que lhe percorriam todo o corpo, dor de cabeça, dos músculos, das mãos, dos pés, enfim, dores por todo o corpo.

Cá fora, na hora em que fora preso Pumpum, no mercado de Bandim, às quatro horas da tarde, quando julgava que já tinha conseguido algo para o seu Natal, a cidade continuava a sua rotina de sexta-feira, véspera de Natal. O sol que fizera durante o dia era tão seco que se tivesse alguma poça de água por perto, muitos teriam prostrado para beberem desta água, pois este sol estava mais para o sol da Quaresma em Abril do que para o clima ameno de Dezembro – tempo de Kunfento[1].

A cidade continuava a sua vida. Os nossos bairros-favelas, nas quais barracões e escritórios convivem na mais perfeita cordialidade, com central elétrica do Chão de Pepel a fazer seu barulho estrondoso, os pequenos geradores nas casas dos que podem tê-los a emitirem também eles seus sons ruidosos, por toda a parte, os carros fumegantes com problemas no carburador, as falas adocicadas das nossas meninas a percorrerem a cidade de norte a sul em busca de um vestido novo, de amor novo, que anda difícil neste período, porque os namoros terminam às vésperas das festas, por falta de dinheiro.

Nosso herói malfeitor só podia, de relance, ouvir os bulícios da cidade que o vento levava para a ala leste da cela da Esquadra Central do país, ouvia gritos e falas das mulheres que falavam no bairro vizinho à Esquadra. Ele as ouvia, escutava a música, ainda que de forma ruidosa, ouvia o sino de Nossa Senhora de Fátima tocar ali no Bairro de Reno de Ndjaka.

Entretanto, a alma do nosso preso, estava, definitivamente, encarcerada, sem sonho, nem sono, à espera do dia pior e, se calhar, do dia melhor. Mas o Natal deste ano e a Kambansa do Novo Ano[2] vai mesmo comemorá-los na Esquadra.

Para dizer, enfim:

Valha-me, Deus, nesta empreitada do penar.

Que os santos não nos depenem da obstinada fé nem da inabalável esperança. 

Noites de insônia são somente noites de insônia claudicantes. Atenuantes dalgum tipo de desejo insatisfeito, porém latente.

É como uma patente registada nos interstícios dos objetos corpóreos da ânsia avassaladora que mantém sustentada o fólego tenaz, persistente, insistente, inabalável.

Eta, vida! O fólego tem de firmar tchan! Fui bô?!!!!, meu caro leitor, d’O Democrata! Corra que ele vai mentir, de novo!!!!!

 

 

Por: Jorge Otinta

Poeta, ensaísta e crítico literário guineense

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[1]              Kunfento: frio, seria nosso Inverno, porém de vento seco e fresco.

[2]              Kambansa di ano: révéillon para ser francês.

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