[REPORTAGEM] A língua portuguesa tenta ganhar espaço para se consolidar no ensino superior nigeriano através da “Obafemi Awolwo University, ile-Ifé” do Estado de Osun, no sudoeste da República Federal da Nigéria.
Osun é um Estado situado no interior do sudoeste daquele país anglófono da África Ocidental, criado em agosto de 1991, estando a sua capital localizada na cidade de Osogbo. Conta atualmente com uma população estimada em cerca de cinco milhões de habitantes, que vive numa área de 9.251 km2.
O Estado é dividido em três distritos (senado federal), integrando cada um duas áreas administrativas. Tem trinta áreas de Administração Local, a primeira unidade (terceiro nível) do governo na Nigéria. A universidade Obafemi Awolwo é considerada como uma das mais proeminentes instituições de ensino superior da Nigéria, pelo que ganhou a coragem e a vontade de implementar a literatura portuguesa no seu sistema curricular e que atualmente granjeia o interesse de jovens estudantes.
Obafemi Awolwo University ile-Ifé tem três turmas, cada uma com mais de 40 estudantes de literatura portuguesa. Conta também com quatro professores, dos quais dois docentes titulares, um com o título de doutoramento em literatura portuguesa e outro está na fase de doutorando na área de linguística aplicada com maior pendor na área de tradução literária.
COMÉRCIO DE ESCRAVOS SUSTENTA LIGAÇÕES CULTURAIS ENTRE BRASIL E O ESTADO DE OSUN
A relação semeada no período de comércio de escravos outrora efetuado por colonialistas acabou por sustentar as ligações culturais entre a população da Baia, nordeste do Brasil, e os habitantes do Estado de Osun. Segundo informações, os escravos levados para o Brasil levaram as suas culturas e seus costumes religiosos, que passaram a aplicar na íntegra.
Volvidos vários séculos, essa cultura continua a ser praticada pela população negra naquela zona, o que chamou a atenção de muitos académicos que se interessaram por estudar a origem daquela cultura, acabando por concluir que saiu do Estado de Osun, Nigéria. Muitos académicos foram até Osun a fim de conhecer mais a cultura e acabaram por ficar, começando a estabelecer uma relação semeada já no período da escravatura.
A relação cultural cultivada resultou na criação do departamento de línguas estrangeiras que ensina a literatura portuguesa, depois de vários anos de ensino por escolas abertas por brasileiros e que foram crescendo com alunos formados nesta área no Brasil.
Adeniyi Kofowonola, Professor da literatura portuguesa na “Obafemi Awolwo University, ile-Ifé”, explicou em entrevista exclusiva a O Democrata que oficialmente o ensino de língua portuguesa começou naquele Estado desde a década 1960, através de brasileiros que viajavam para aquela zona para estudar a cultura do povo ‘youruba’ escravizado e levado para o Brasil no período de comércio de escravos.
O docente universitário que atualmente faz o doutoramento em linguística aplicada na área de tradução literária, revelou que a nível de todo o país, apenas a sua universidade ensina cursos no campo de graduação, mestrado e doutoramento em literatura portuguesa, em colaboração com universidades brasileiras.
“Temos neste momento uma pessoa com doutoramento na área da literatura. Outros professores estão a concluir o doutoramento no Brasil, mas aqui lecionamos até ao nível do mestrado”, espelhou o docente que, entretanto, informou que a universidade conta com três turmas, cada uma delas com mais de 40 alunos.
PROFESSOR: “ALUNOS PROSSEGUEM ESTUDOS NO BRASIL A PARTIR DE TERCEIRO ANO DO CURSO”
Assegurou neste particular que a partir do terceiro ano do curso, os estudantes são obrigados a deslocarem-se ao Brasil de acordo com as suas disponibilidades, porque conforme “a deslocação para o Brasil visa ajudar os estudantes a falarem a língua de forma decente e com certa fluência através da convivência com brasileiros na academia e nas ruas”.
“No universo de todos os alunos de terceiro ano que vão ao Brasil, alguns preferem voltar ao país para prosseguir os seus estudos e candidatar-se para o mestrado. Antigamente o governo nigeriano oferecia bolsas de estudo previamente pagas a estudantes interessados, mas por causa de atitudes de muitos que recusam voltar ao país depois de terminado o curso ou que simplesmente decidem abandonar a universidade para se assumirem como emigrantes, o governo cortou as bolsas. Atualmente os estudantes são obrigados a assumir as próprias despesas financeiras e logísticas”, notou o académico para de seguida avançar que poucos estudantes conseguem, nestas circunstancias, meios necessários para suportar os estudos.
Na maioria dos casos, alguns estudantes acabam por desistir desta área (literatura portuguesa), em detrimento de outras línguas estrangeiras, como o francês e o alemão que, a par do português, também são leccionadas naquela universidade.
Apesar destas circunstâncias, o universitário assegura que ainda assim a língua portuguesa conseguiu ganhar algum espaço e interesse da população jovem a nível do ensino superior no meio de outras línguas estrangeiras, granjeando algum interesse dos jovens nigerianos e principalmente por via da religião, através dos missionários brasileiros.
“Os escravos nigerianos deste Estado levaram consigo para o Brasil, a cultura, a tradição, a religião e a comida. Então, digo que sim a língua portuguesa ganhou um pequeno espaço no ensino superior nigeriano através da nossa universidade que cada ano regista mais inscritos. É bom frisar que recebemos apoios importantes da Embaixada do Brasil que está em Abuja, que nos doa livros didáticos bem como programas para o certificado de proficiência em língua portuguesa para o estrangeiro. É um programa do governo brasileiro executado mundialmente e nós somos um dos beneficiários”, disse.
Explicou ainda que, por meio desse programa, treinam os alunos durante seis meses. Muitos conseguem obter um nível muito alto e que os permite avançar para a formação superior em literatura portuguesa. Acrescentou que os estudantes interessados na língua portuguesa começam a treinar-se nesta língua desde o liceu para que poder ganhar algumas bases.
“Infelizmente, o Estado de Osun não um tem centro cultural brasileiro e muito menos o português que certamente ajudaria os estudantes a interessarem-se mais pela língua e cultura destes povos. O centro cultural brasileiro existe apenas no Estado de Lagos (capital económica). Mas temos um centro cultural na universidade onde se pode encontrar a história do Estado de Osun, como também um pouco da história brasileira e materiais sobre a língua portuguesa”, observou.
Lembrou na entrevista que há alguns anos recebiam apoios do governo português em materiais didáticos, mas que atualmente já não recebem a ajuda de Portugal e contam somente com ajuda de brasileiros que por questão da cultura estão cada vez mais a interessar-se em manter esta ligação com a universidade.
“É bom referir que Obafemi Awolwo University il-ifé tem também um bom relacionamento com o Centro Cultural de Portugal, sediado em Lagos. Através dessa relação somos convidados como professores para participar em conferências académicas em Lisboa ou em outras regiões. Isto ajuda-nos e muito, mas a grande verdade é que necessitamos muito de apoios de Portugal e do Brasil neste sentido”, contou.
OBAFEMI AWOLWO UNIVERSITY ESTÁ ABERTA PARA RECBER PROFESSORES ESTRANGEIROS
Relativamente às dificuldades enfrentadas pelo departamento de língua portuguesa, informou que estas têm a ver com falta de dinheiro para pagar alguns programas que poderiam ajudar muito mais nos estudos.
“Eu vejo que as pessoas têm interesse, mas faltam recursos financeiros para pagar as despesas de formação. Outra dificuldade prende-se com a falta de professores. Por exemplo, no meu departamento temos apenas quatro professores para lecionar três turmas do 1º e 2º ano do curso, dado que no terceiro ano os alunos vão para o Brasil prosseguir os estudos. Temos uma terceira turma do 4º ano composta por estudantes que regressam do Brasil para continuar, isto depois de ganharem fluência na expressão e escrita a português”, assegurou.
O professor expressa ainda a sua preocupação em relação à falta de meios materiais, recursos financeiros e humanos, mas mesmo assim diz que a direção da sua universidade está aberta para receber os professores estrangeiros, tendo lembrado que o governo nigeriano tinha assinado um convénio com o governo brasileiro através do qual as autoridades brasileiras enviavam os professores para ministrar aulas na universidade.
“Os professores assinavam contratos de um ou dois anos e eram pagos pelo governo nigeriano, mas infelizmente por causa dos atentados terroristas registados nos últimos anos na Nigéria, os professores com os quais trabalhávamos já não se sentem seguros em vir trabalhar no nosso país. Essa é a alegação dos professores que são enviados para a universidade, mas devo dizer que aqui no Estado de Osun estamos seguros sem quaisquer ameaças de atentados. Compreende-se a preocupação dos nossos colegas e lamentamos muito. Geralmente, os atentados são registadas na região norte da Nigéria, mas a imprensa fala sempre do assunto de forma que intimida as pessoas”, lembrando, no entanto, que o último professor estrangeiro que a universidade recebeu foi em 2012.
Apesar de reconhecer as dificuldades em quebrar a resistência dos blocos anglófonos e francófonos, o professor de língua portuguesa mostra-se determinado e confiante na propagação desta língua no país, por isso ressalvou que a sua universidade está sempre aberta para lançar bases de cooperação académica com instituições universitárias de outras partes do mundo.
Por: Assana Sambú
Foto: AS
Novembro 2018