[REPORTAGEM] Os pescadores e bideiras de peixe da região de Cacheu, norte da Guiné-Bissau, afirmam que se sentem ‘abandonados a sua sorte’, e que mais de 95 por cento deles foram excluídos dos projetos do Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas (IBAP) que apoiam a política pública da pesca artesanal naquela região, em particular os membros da associação.
A acusação foi feita pelo porta-voz da Associação de Pescadores Artesanais e Bideiras da Região de Cacheu, Armando Djatá, que explicou a O Democrata que a campanha de exclusão iniciu-se quando começaram a ter divergências e pontos de vista diferentes sobre as normas estabelecidas para as atividades pesqueiras nas zonas de Parque Natural do Rio Cacheu.
A organização tida como a “associação mãe” dos pescadores da região tem mais de 600 membros nos diferentes setores e seções que constituem a grande região de Cacheu. Para além de atividades pesqueiras, leva a cabo trabalhos ligados ao saneamento básico e limpeza de ruas e portos para retirar os lixos e sacos de plástico lançados ao mar e ainda contribui com donativos em peixes nas atividades sociais organizadas ao nível dos diferentes setores, em função das solicitações.
PORTA-VOZ: APOIAMOS NA PRESERVAÇÃO DO MAR, MAS EXIGIMOS TRATAMENTO IGUAL AO DOS PESCADORES DA UE
Em entrevista ao repórter do seminário O Democrata, Armando Djatá disse que os seus associados têm consciência clara da sua missão de preservar o mar e o ambiente porque a sobrevivência humana depende muito do ambiente.
“Existem algumas regras impostas que vão contra os princípios de sustentabilidade que o próprio IBAP defende, por exemplo, a questão da metragem das redes, dos lugares permitidos para atividades da pesca em algumas zonas do parque, entre outros. Discutimos sempre essas regras, mas o Instituto continua a defender e interditar a prática da pesca naquelas mesmas zonas”, notou.
Segundo o porta-voz da associação, a elaboração de regras estabelecidas para as atividades pesqueiras nas zonas de parque natural foi feita apenas entre os agricultores e os técnicos do IBAP, excluindo os pescadores. O porta-voz adiantou ainda que a maioria das pessoas que trabalhou na elaboração das referidas normas já não exerce a atividade pesqueira.
Lembrou por isso que numa reunião realizada na presença de membros da Comissão Especializada da Assembleia Nacional Popular para a área da pesca, a direção do Centro de Investigação Pesqueira Aplicada e Pesca Artesanal e a própria delegação do IBAP, os investigadores do centro pesqueiro informaram perante todos que levaram a cabo um estudo sobre diferentes espécies de peixe naquela zona, mas que não tinham concluído ainda os trabalhos do estudo desenvolvido para o efeito, pelo que não podiam determinar na altura se existiam algumas espécies de peixes que não deveriam ser capturadas.
Acrescentou ainda que a partir daquele momento levantaram de novo o debate com a delegação do parque sobre algumas regras impostas e que limitavam aos pescadores artesanais a capacidade de exercer as suas atividades pesqueiras. De seguida, pediram a suspensão dessas regras que o próprio não especificou. No entanto, avançou que a suspensão daquelas normas pode ser trabalhada juntamente com os próprios pescadores.
“Afinal, as regras impostas não foram feitas na base de um estudo científico. Foram feitas, sim, apenas para favorecer os pescadores da União Europeia, visto que são eles que mais pescam nas zonas reservadas”, revelou, acusando o IBAP de facilitar os pescadores da União Europeia porque recebe financiamentos e apoios daquela organização europeia.
Informou que respeita as regras sobretudo os três meses de repouso, para que os peixes possam reproduzir. A observação dessa quarentena implica que fiquem durante todo este período sem pescar. Em contrapartida não recebem nada do IBAP que pudesse garantir as suas sobrevivências, dado que vivem essencialmente de atividades pesqueiras.
“Isto é injusto para nós! Não há nenhuma contrapartida durante estes três meses, mas o IBAP devia agilizar-se para nos ajudar neste sentido, através de pequenos projetos que nos permitam ter outras fontes de rendimento para a sobrevivência das nossas famílias. E o pior de tudo isso é que deixam pescar os barcos que não abastecem o mercado nacional, sem respeitar o período de reprodução dos peixes, mas nós que pescamos para abastecer o mercado nacional ficamos de mãos cruzadas”, espelhou o pescador.
Criticou que a sua associação é sempre prejudicada e excluída de todas as atividades, recordando que no ano passado, em 2017, o ministro das Pesca foi visitar a região para se inteirar de atividades de pesca, mas a sua organização foi simplesmente excluída deste contato e nem sequer se dignaram convidá-la. Contudo, sustenta que a sua associação é a maior da região de Cacheu e que estão muito mais organizados.
“Quando recebem ministros ou altas delegações, organizam reuniões e levam apenas os pescadores já manipulados, a quem não é permitido agir ou pensar com a própria consciência, porque são orientados como crianças para dizer tudo àquilo que querem que estes transmitam em nome das suas intenções, impedindo que estes discutam a real situação dos pescadores da região. Aliás, a maioria desses pescadores já deixou de exercer atividades pesqueiras, mas infelizmente permitiem que continuem a ser manipulados em troca de migalhas”, criticou.
PESCADORES RECORREM AO SENEGAL PARA CONSERVAR O PESCADO E COMPRAR AS REDES
Relativamente aos equipamentos de pesca cujo preço de venda lhes tinha sido prometido que seria acessível para todos os pescadores da região, explicou que apesar da promessa do IBAP através dos seus representantes do parque, desde 2017 até ao dia da entrevista gastaram mais de dois milhões de francos CFA na compra de redes.
“Vendem as redes de pesca muito caro! Agora decidimos atacar o mercado senegalês, onde compramo-las mais barato e são mais consistentes em relação àquelas que nos vendem aqui. Todos os pescadores preferem comprar as redes no Senegal”, contou.
Quanto à questão de gelo fornecido aos pescadores para a conservação do pescado, Armado Djatá foi bastante crítico relativamente ao assunto e acusa, sem apontar o dedo acusador, algumas pessoas da região que, segundo a sua explanação, passam a informação em como os pescadores não têm falta de gelo e que o produto é fornecido pelos responsáveis do parque aos pescadores através de uma canoa que faz a distribuição desde as tabancas arredores de Cacheu e até à aldeia de Bulol, última tabanca de seção de Suzana, sector de São Domingos.
Acrescentou que o gelo distribuído não é suficiente para sustentar a atividade, pelo menos, de uma canoa que se faz a pesca no alto mar durante dias, por isso considera de falsas as informações divulgadas por estas pessoas através dos meios de comunicação social. No seu entender, “não passa de uma propaganda para satisfazer os parceiros”.
Sublinhou durante a entrevista que a falta de gelo é a maior dificuldade enfrentada pelos pescadores, porque não há uma fábrica que funcione em pleno para abastecer os pescadores com grande quantidade de gelo ao nível de toda a região.
Informou, no entanto, que boa parte do pescado é distribuida no mercado nacional, enquanto outra vai para o mercado senegalês, para algumas tabancas da região de Casamança e a cidade de Ziguinchor. Contou ainda que o peixe capturado é transportado para as tabancas mais distantes da região, de bicicleta por entre as matas em malas de chapa adaptadas.
“É importante recuperar a fábrica de gelo, porque a sua falta fatiga-nos muito. Somos obrigados a recorrer ao mercado senegalês para comprar gelo para poder conservar o pescado que capturamos naquela zona e abastecer o mercado nacional. Esta é uma das razões que nos levou a aumentar o preço de peixe, tendo em conta os investimentos que fazemos para transportar o pescado a diferentes partes do território nacional”, justificou.
Revelou ainda que o Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas (IBAP) e a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), com o apoio financeiro da União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA), montaram uma fábrica de gelo com capacidade para sustentar uma só canoa por dia, porque não tem grande boa capacidade de produção. Frisou ainda que a referida fábrica depara-se recorrentemente com problemas de avarias técnicas e que a mesma é concertada apenas quando as duas entidades vão receber visitas das delegações da UEMOA.
Lembrou que a empresa “Gardete” é a única entidade fornece gelo aos pescadores para conservação do seu pescado, mas a quantidade levada para abastecer o mercado local não consegue cobrir as necessidades dos pescadores, por isso continua a defender a iniciativa de construir uma fábrica com grande capacidade naquela região, dado que a maior atividade geradora de rendimento na região é a pesca.
PORTA-VOZ DE PESCADORES: “GOVERNO É O ÚNICO RESPONSÁVEL PELO NOSSO SOFRIMENTO”
O porta-voz dos pescadores responsabiliza as autoridades guineenses por tudo àquilo que passam, tendo assegurado que tal situação obriga-os às vezes a entrar em pequenos choques, porque até certo ponto não gostam do comportamento e atitude de alguns responsáveis das instituições públicas na região e os das organizações não-governamentais.
No concernente ao pagamento de licenças de pesca, Armando Djatá disse que pagam licenças anualmente num valor de 130 mil francos CFA e que esta licença inclui a despesa de transporte público até Bissau.
“Fizemos vários pedidos no passado para que passássemos a efetuar o pagamento das licenças na região, junto da delegacia regional das pescas, mas o ministério que tutela o setor recusou-os todos, obrigando-nos a fazer o pagamento em Bissau. Para a navegação paga-se 120 mil francos CFA e mil francos CFA por cada saída. Fazendo os cálculos, durante um mês, totaliza 19 mil francos CFA, porque muitas das vezes num mês só conseguem pescar 19 dias”, detalhou.
Segundo o responsável da organização pesqueira da região de Cacheu, anualmente os homens do mar pagam mais de 200 mil Francos CFA para as canoas de 15 cavalos. E para as canoas de 40 cavalos o valor é de mais de 300 mil Francos CFA anuais, incluindo a licença de navegação e de pesca”, espelhou o pescador, que, entretanto, avançou que no Senegal, “a licença de pesca paga-se no valor de 25 mil francos CFA”.
Entretanto, a repórter de O Democrata contatou a responsável de programas do Instituto da Biodiversidade e das Áreas protegidas para esclarecer algumas informações reveladas pelos pescadores, mas remeteu-se a silêncio. Na segunda tentativa, a repórter deslocou-se até à sede do IBAP, mas a responsável mostrou-se indisponível.
Por: Epifania Mendonça
Foto: E.M
NOVEMBRO 2018