Opinião: ELEIÇÕES ENQUANTO ENTORPECENTE DA ESTABILIDADE POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU

A relação de eleições com a estabilidade governativa e institucional, paz social e credibilidade internacional da Guiné-Bissau vem sendo cada vez mais indissociável com o passar dos tempos. Isso é  muito preocupante. A Guiné-Bissau faz um caminho inverso do normal: em vez de as eleições servirem como um mecanismo político capaz de contribuir democraticamente para a musculação social, política, económica do país, e também se manifestar como um mero instrumento político e democrático, têm se constituído em um ilusório meio de paz, estabilidade política e desenvolvimento e, paradoxalmente, se transformado em um expediente político que flagrantemente ameaça os valores que propõem a gerar.

A cada disputa eleitoral é crescente o nível de desgaste intrapartidário, interpartidário e de toda classe política. As eleições na Guiné-Bissau não mais só prometem um novo começo, já são um novo começo, em todos os domínios do Estado. Um começo à estaca zero ou menos zero.

As legislativas realizadas no mês de março deste ano desgastaram, agudizaram, mais uma vez, o tecido político (porque não dizer social também!) guineense, uma vez que seus resultados produziram níveis elevados de tensão parlamentar, e mesmo no plano interno do partido vencedor é sintomático os descontentamentos, para não falar das desconfianças no âmbito da própria coligação que produziu uma maioria parlamentar.

Seria normal se as eleições aquecessem apenas as disputas políticas nos fóruns relacionados, entretanto, elas se transbordam e estrangulam as instituições apartidárias – será que ainda podemos falar em instituições apartidárias na Guiné-Bissau, após a emergência do fenômeno de partidarização do Estado!? –  e minam o normal funcionamento da burocracia pública e consequentemente a estabilidade governativa, a paz social e a imagem internacional do país se vêm minguadas. Na Guiné-Bissau as eleições fazem refém de tudo isso, e as eleições seguintes prometem resgate. Um resgate que não chega, ao menos nunca chegou.

Não importa a natureza de eleições seguintes. Se são presidenciais ou legislativas. O fato é que o pleito eleitoral seguinte é carregado de uma promessa messiânica de solução definitiva e total dos imbróglios do país. É o que já está a acontecer face às presidenciais de daqui há cerca de três meses.

Claro que é possível vislumbrar uma relação dos resultados das disputas de 24 de novembro de 2019 com a continuidade ou não do governo empossado há menos de dois meses, mas quem garante com plena certeza de que não veremos destituído mais um governo, independentemente de quem for o próximo presidente! Lógico é prever sua continuidade caso o próximo morador do palácio for natural da maioria parlamentar, todavia isso não é uma garantia absoluta. Estamos carecas de ver governos derrubados por decretos de presidentes pertencentes aos partidos governistas ou da maioria parlamentar.

É notável que as próximas eleições são portadoras de riscos. Os riscos aos quais me refiro não se resumem à possibilidade de eclosão de conflito (violência) pós-eleitoral, mas estão muito mais relacionados com as já habituadas (um hábito estúpido, por sinal) crises político-parlamentares.

O hodierno cenário político sinaliza que o determinante da vitória do próximo presidente não será o capital político pessoal deste, talvez nem unicamente de seu partido, mas sim de uma frente ou de um bloco. Associado a isso, o desempenho dos concorrentes de principais agremiações ao palácio da República pode influir diretamente no nível de importância e posicionamento destas no sistema partidário, e isso se relaciona fundamentalmente aos partidos de oposição representados no hemiciclo. Essa constatação tende a delatar e sustentar o uso da lógica do princípio de soma zero por parte dos principais partidos guineenses, e quando é assim as brechas, em muitos casos, são encontradas para abalar a governabilidade.

Enquanto a administração pública continua a ser quase a única empregadora na Guiné-Bissau, as eleições, que são meros e ordinários atos políticos em países de direito democrático, vão continuar a ter uma conotação e importância de disputa de soma zero, e um entorpecente para o desenvolvimento económico e social do país.

A Guiné-Bissau vive o dilema de um país que precisa de eleições para legitimar seus dirigentes e buscar a estabilidade política, paz social e credibilidade internacional, mas igualmente encara o pesadelo que tem sido os pleitos eleitorais no aprofundamento de crispações e conflitos político-partidários e parlamentares e consequente adiamento da concretização do programa maior.

Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política

Bissau, 16 de agosto de 2019

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *