ESPECIALISTA EXORTA O GOVERNO A VER DROGA COMO UMA AMEAÇA À SAÚDE PÚBLICA

[REPORTAGEM_dezembro_2019] O Secretário Executivo de Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência, Abílio Aleluia Oteíro Có Júnior, exortou o executivo a começar a ver a droga como um problema ou uma ameaça à saúde pública que coloca milhares de vidas de pessoas em risco, em particular a dos jovens, e que tem consequências graves em termos de saúde, para além de consequências sociais. O especialista em matéria de droga acrescentou, durante a entrevista exclusiva ao semanário O Democrata para denunciar o perigo que os produtos estupefacientes representam para a sociedade guineense, mas que os sucessivos governos que passaram por este país não têm tido como prioridade o problema do consumo de drogas na Guiné-Bissau, porque concentram mais as suas ações na repressão  e no combate à droga, onde investem milhões de francos cfa.

O observatório Guineense da Droga e de Toxicodependência é uma organização criada em abril de 2015 e congrega jovens guineenses que trabalham afincadamente na sensibilização da população sobre os elevados riscos de vida associados ao consumo de drogas, tanto as ilegais como as legais. A sua primeira ação de sensibilização e de prevenção foi direcionada às autoridades tradicionais e religiosas a nível de quatro regiões do país (Biombo, Gabú, Bafatá e Bubaque), de formas a poder ajudar na consciencialização da população nas aldeias, em particular a camada juvenil. 

OBSERVATÓRIO CONTA APENAS COM PARCEIROS INTERNACIONAIS PARA “CURAR” A JUVENTUDE GUINEENSE

Abílio Aleluia Có Júnior explicou na entrevista que a sua organização, depois do trabalho de prevenção do consumo de produtos estupefacientes a nível das regiões, decidiu empenhar-se noutro projeto da campanha de sensibilização nas escolas públicas e privadas garças ao financiamento obtido do Fundo Suíço para o Desenvolvimento (SWISSAID). Acrescentou neste particular que no primeiro ano da campanha, os ativistas da organização conseguiram identificar 30 escolas a nível nacional, tendo a capital Bissau como a zona piloto do projeto.

Revelou que as paralisações registadas nas escolas públicas foram os maiores constrangimentos encontrados no terreno, razão pela qual não conseguiram cobrir todas as escolas identificadas e trabalharam apenas com 13 escolas.

“Ainda no âmbito da prevenção de drogas nas escolas, conseguimos submeter outro projeto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura  (UNESCO) que foi aprovado pelo Bureau em Dakar. O projeto deveria iniciar-se em 2018, mas por causa do atraso no desbloqueamento dos fundos, só este ano, 2019, foi implementado. O projeto de campanha da prevenção do consumo de drogas nas escolas foi financiado no valor de 18 mil dólares norte-americanos, que correspondem a mais de 10 milhões de Francos CFA”, notou o responsável do Observatório, que, entretanto, avançou que em cada uma das  oito regiões, incluindo a capital Bissau, foram identificadas duas escolas com as quais vão trabalhar, uma pública e outra privada.

Lembrou que o projeto foi lançado no dia 01 de novembro último no Liceu Politécnico da Aldeia “SOS” de Bissau, prosseguiram depois para diferentes escolas da capital e das regiões. Realçou que a sua organização elegeu a prevenção do consumo da droga como prioridade através das ações de sensibilizações sobre os efeitos e as consequências do consumo de produtos estupefacientes nas escolas, universidades e “bancadas” de jovens, bem como em locais de maior concentração de jovens.

Questionado sobre os ganhos obtidos no envolvimento de líderes religiosos e tradicionais nas campanhas de sensibilizações nas suas comunidades, explicou que as entidades mencionadas trabalham diretamente com a população, razão pela qual foram envolvidas neste processo de sensibilização das comunidades. No entanto, assegurou que os mesmos perceberam que o consumo da droga lícita e ilícita é uma realidade nas suas comunidades, por isso engajaram-se seriamente em apoiar a campanha da sua organização.

Outra preocupação de jovem especialista em matéria de drogas ilícitas e lícitas tem a ver com o aumento do consumo da droga no país, em particular a nível da camada juvenil, sobretudo o consumo de drogas ilícitas nos últimos tempos (Lyamba – cannabis, crack, cocaína e haxixe) e como também registou um aumento muito significativo da camada juvenil do álcool a nível de todo o país, consideradas drogas lícitas. Por isso engajaram-se seriamente na campanha de sensibilização nas escolas e bancadas no sentido de mostrar aos jovens o perigo de consumo das drogas lícitas e ilícitas.

ESPECIALISTA AFIRMA QUE MAIS DE TRINTA POR CENTO DE COCAÍNA FICA NO PAÍS PARA CONSUMO INTERNO

Relativamente às preocupações dos guineenses sobre o uso de território nacional para a passagem de toneladas de drogas nos últimos anos, o que leva alguns especialistas a afirmar que certa quantidade deste produto é consumida no país, o jovem especialista explica ao Jornal O Democrata que, na verdade a situação deve preocupar os guineenses, em particular os governantes, porque, dados publicados nos relatórios de entidades (DEA, ONUDC e CEDEAO) que lutam contra o consumo e a venda dos produtos estupefacientes entre os anos 2011/2014, revelam que uma quantidade de 25 por cento fica para consumo interno.

“Naquela altura falava-se apenas de alguns quilogramas que passavam pelo país. Atualmente, os traficantes transportam toneladas de droga da América Latina e passam pelo território nacional para depois enviá-las para a Europa. A meu ver, apesar de falta de dados concretos, acredito que fica no país mais de 30 por cento para consumo interno, no universo de toneladas que passam pelo solo guineense. A segunda droga mais consumida pela camada juvenil é Crack (Kiza), que é resultante de cocaína. É do conhecimento das pessoas que trabalham nesta área que houve um grande aumento do consumo desta droga que tem consequências graves na saúde das pessoas. Essa é a razão que nos leva a concluir que mais de 30 por cento de cocaína fica no país para o consumo interno”, assinalou.

Assegurou ainda que o cannabis (Lyamba) é a droga mais consumida na Guiné-Bissau e que em algumas zonas é tida como chá ou uma erva medicinal e não a consideram droga. Revelou neste particular que, de acordo a visita que fizeram na sua deslocação ao interior do país, constataram plantação de cannabis em grande quantidade nessas zonas

“No norte, sul e leste do país existem plantações de cannabis no interior das aldeias em grande quantidade. Nas visitas que fizemos recentemente vimos plantações de cannabis no interior das seguintes regiões: Bafatá, Gabú, Biombo, Farim (Oio), Buba (Quínara) e Catio (Tombali). Essa situação (de plantações de cannabis) é do conhecimento das autoridades nas regiões e inclusive alguns campos foram destruídos pelas próprias autoridades, mas acredito que haja mais campos que as autoridades desconhecem”, denunciou para de seguida apelar a colaboração das populações, sobretudo dos chefes tradicionais a fim de denunciarem a existência de plantações de drogas, dado que representa um perigo para a sociedade e as suas próprias famílias.

Interrogado sobre as medidas que devem ser aplicadas pelo executivo no sentido de estancar ou diminuir o consumo de drogas no país, desdramatiza a questão e sublinha que primeiramente os sucessivos governos não consideram o consumo da droga como prioridade e que ao longo de anos concentraram as suas ações no combate ao tráfico. Contudo, aconselhou que é preciso diversificar o raio das suas ações e mobilizar recursos necessários para o combate ao tráfico e prevenção, para a redução de riscos.

“É verdade que as nossas ações contam com mais apoios de UNIOGBIS, ONUDC e mais outros parceiros, como a SWISSAID e UNESCO. Infelizmente, no nosso país o consumidor de droga é visto na sociedade como um bandido e não como uma pessoa que tem um problema de saúde pública. É chegada a hora de o governo começar a tratar o consumo de droga como uma ameaça ou problema de saúde pública, porque tem consequências graves em termos de saúde, para além de consequências sociais. Os consumidores de drogas injetáveis, na sua maioria, padecem do problema de VIH/Sida, bem como os das outras doenças sexualmente transmissíveis. E os consumidores de drogas lícitas, em particular tabaco, correm o risco de acidente cardiovascular ou padecer de cancros de bocas e outras doenças que acarretam grandes custos em termos de tratamento”, revelou o especialista.    

Explicou ainda que, tecnicamente, existem três tipos de drogas que causam manifestações diferentes no corpo dos seus consumidores, designadamente: as drogas perturbadoras, depressoras e estimulantes.

“As drogas perturbadoras são: cannabis (Lyamba), LSD, MD e Ectasy. As estimulantes são: a cocaína, crack e tabaco. Drogas depressoras são: álcool, mela e cola. Esta é classificação de ponto de vista de saúde sobre a forma de manifestação. Agora de ponto de vista jurídico, a droga é classificada de duas formas, legal e ilegal. Legal é aquela que a lei permite que são: álcool, chá e medicamentos. Ilegal é aquela cujo uso a lei não permite nem a sua comercialização, são: cocaína, crack, haxixe, heroína, cristalina e cannabis”, enfatizou o secretário executivo de Observatório, para de seguida avançar que o Crack é a droga mais perigosa e a segunda mais usada a nível da camada juvenil.

Assegurou que o cack, que igualmente é apelidada da “pedra da morte”, é uma droga destrutiva e que não tem nenhuma vantagem em termos medicinal, tendo frisado que é uma droga que ao ser consumida tem de cinco a oito segundos para se tornar dependente e causar uma reação muito perigosa.

Por: Assana Sambú    

Foto: Marcelo Na Ritche

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