A poeira agita, ofusca, suja. Mas ela fica limpa, imune. Liberta-se a si. Mas escraviza tudo ao seu redor.
A cinza é um entre-lugar, in between. Um lugar em promessa de edificação de chão. Firme nos objetivos, pragmática nos propósitos.
Depois de anos, a poeira e a cinza, cada um, à sua maneira, procurou tomar para si o seguinte epíteto: L̓État c ̓est moi. Frase mundialmente conhecida, e que fora atribuída ao Rei da França Luís XIV, que demonstra uma arrogância sem limites, e sem precedentes na nossa história nacional.
Assim tomo a liberdade de dizer que as duas personagens não me parecem ser as duas faces da mesma moeda. Há diferença no estilo, na educação de berço e formal, e na maneira de encarar os problemas deste solo pátrio. Mas, e o povo sentir-se-á feliz depois de anos deste imbróglio?
O fato de a fome nos ter fustigado estes anos todos não significa que estamos imunes a ela. Embora estejamos há anos com fome de educação; para não me atrever a falar duma educação de qualidade; afinal, se nem a precária temos, imagine-nos sonhar com a de qualidade.
De repente tudo mudou. Tudo se transformou. O ninguém tornou-se alguém. Para a incredulidade geral. O país sem prumo acaba de seguir um novo rumo para ver se se apruma.
Os céticos parecem dar o benefício de dúvida. Os intelectuais, pelo menos, os acossados ao poder, os de sempre, revoltaram-se. Uns perguntavam mas como foi possível de isto acontecer? Mas, outros, os mais atentos, deram sinais de que agora, sim, é possível apostar num novo país que, por incrível que pareça, renascerá das cinzas a que fora votada pelos antecipadores dos acontecimentos. Ou melhor, os marginais da pátria que, nascidos num país chamado de República da Marginália, ficou sequestrados por décadas pelo maior partido malfeitor da história africana.
Disse em várias ocasiões, em conferências e em crónicas de jornal de que é mais fácil estabelecer um pacto confiável e seguro entre os marginais que entre os intelectuais. Pois estes últimos, o primeiro que subir, arroga-se de ser o mais preparado, o mais inteligente, o mais competente. Por isso, afasta os demais para reinar sozinho na esfera do poder, espizanhando os demais.
E agora?
Depois de tudo, seguindo eu, atenta e escrupulosamente, os acontecimentos, resumo a história da cinza e da poeira nas exímias e sábias leituras possíveis:
A poeira perdeu-se na:
- Não economização do tempo, na não mensuração da terrível arma que são os discursos fatalistas, na condução errática da estratégia de luta e/ou de guerra cega pelo poder, na perseguição caluniosa aos adversários, nas fake news, na presunção de ilibada competência, no desprezo dos concorrentes, na eliminação dos adversários com uso do dinheiro do erário público, etc. Resultado: descoordenação generalizada; e, por isso, a indesejada derrota anunciada.
- Na não focalização da perspectiva da ação político-diplomática: não preparo intelectual ainda que o arrogue, desfoque das palavras que anima a plateia de ignorantes como se fossem palavras sábias, e dos métodos escusos de luta pelo poder; e portanto, das ações realizadas que se resumiam na delapidação do Tesouro nacional, em nome de votos, e em nome de compra de consciências. Logo, comprometeu o seu futuro de leadership.
E a sinza, apesar da falta de solidez de uma formação académica, e até mesmo da desconfiança, entre perdas e ganhos, temos admitir que:
- A não concatenação das ideias traduzida no despreparo tanto na apresentação e argumentação quanto na elucidação do pensamento; e, consequentemente, furou a excecução do projeto da poeira.
- E se os seus objetivos ficavam, a priori, aquém da expectativa – para os céticos de plantão -; nós os outros acreditamos que era a hora de mudarmos de dicionário. Estávamos fartos das astúcias da poeira que nos escravizava a nós os intelectuais decentes, porém robustamente competentes.
Sabe-se que a competência do problema não o resolve.
É preciso não apenas criar grandes consensos patrióticos, mas sim incentivar o desabrochar das novas mentes brilhantes, encorajar o bom uso da massa cinzenta nacional, protegendos os quadros mais destacados em cada área dos vários setores da nossa atividade económica.
À guisa da conclusão é de se dizer que o fosso social que separa os guineenses, é fruto da desigualdade social que nos irmana a todos. Havendo, assim, a crença de que existem os privilegiados, e os abandonados; frutos também eles do mesmo sistema-esquema que se instalou, e parece-me ainda que se inscreveu na nossa consciência coletiva de serviçais do mesmo sistema. Ora reforçar muros foi e será sempre um risco fatal a quem ou a grupos de interesses políticos e económicos que os criar.
Há que se, em suma, intervir logo nesta 2ª República, segundo o Presidente eleito, para transformar o país, com a ordem e o progresso, promovendo a competência e competetividade entre cidadãos por forma a contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável e durável da Guiné-Bissau.
Aos costumeiros leitores de O Democrata desejo-vos um 2020 cheio de saúde no corpo e muito dinheiro no bolso; o resto a gente corre atrás.
Por: Jorge Otinta, poeta ensaísta e crítica literário guineense