Editorial: JORNALISMO E “CORONACANIBALISMO” NA GUINÉ-BISSAU

[Edição n°358 de 9.04.2020] Hoje em dia, nas sociedades das redes sociais em que vivemos, assistimos de forma quase impávida às alterações das antigas relações entre os jornalistas e os governados que eram uma das ferramentas essenciais da produção de conteúdos jornalísticos para o consumo humano nas esferas púbicas das sociedades das democracias digitalizadas.

Estas alterações que levaram o jornalismo a emigrar estão assentes na emergência da atual cultura digitalizada dos Media que permitiu que os próprios os governados produzam conteúdos jornalísticos para o seu consumo no espaço público. Vivemos, assim, na “Era da Participação” cuja cultura digital eliminou por completo as antigas linhas das fronteiras que existiam entre os governados e os jornalistas na produção de conteúdos noticiosos para o consumo humano.

A nosso ver, o jornalismo está, na verdade, a emigrar em todo mundo digital. Mas as notícias não deixam ainda de ser técnicas da formação de opinião dos governados para serem técnicas de controle da opinião dos governados pelos governantes. Por outro lado, é verdade que, por muito mau que o jornalismo seja hoje, é qualitativamente melhor do que as redes sociais, como fontes de informação. A maioria das redes sociais que produzem informação não tem jornalistas no sentido de ir buscar e noticiar os factos relevantes, atuais e verificados.

A emigração digital do jornalismo não implica necessariamente que os jornalistas e os Media deixaram de conhecer melhor o interesse público dos governados. Os homens dos Media conhecem também muito bem a dimensão da capacidade das redes sociais de intervir no conteúdo do jornalismo tradicional. O que permite os governados terem uma interpretação distinta dos conteúdos jornalísticos e das redes sociais que circulam na esfera pública democrática. Em suma, a digitalização da informação não implica necessariamente que temos que viver nas sociedades do “Jornalismo sem Jornalistas” em que a maioria dos governados que produzem a informação não são jornalistas que saibam ir buscar informação relevante para produzir notícia jornalística.

As sociedades do “Jornalismo sem Jornalistas” arrastam consigo a nova ignorância social que fragilizam a própria esfera pública e os sistemas democráticos em vigor num país. Assistimos, assim, a uma invasão do espaço jornalístico por ativistas políticos que se transformam em jornalistas que multiplicam ou sumarizam discursos políticos e partidários. Em outras palavras, no mundo do “Jornalismo sem Jornalistas” não existe  a “fase da seleção de informação”, um conceito fundamental na produção de notícias. O que prova que neste mundo do jornalismo, os ativistas políticos não procuram a informação, mas sim a informação é que os procuram em casa.

O jornalismo na nossa Guiné-Bissau não está muito longe desta configuração digitalizada do “Jornalismo sem Jornalistas”. O que matou, na nossa esfera pública, a coragem como princípio da independência jornalística. E instaurou na nossa sociedade dos Media, o populismo político como prática de jornalismo em que os gostos e as vontades políticas assumem como perspetivas – chave da produção de notícias para os governados.

Inseridos nesta configuração, os Media e os jornalistas guineenses não se preocupam ainda hoje, em saber se realmente os conteúdos jornalísticos que produzem respeitam as perspetivas – chave dos governados. Se respeitassem essa regra de ouro do jornalismo poderiam remover, de uma vez por todas, o canibalismo jornalístico e instaurar a credibilidade no jornalismo na Guiné-Bissau.

Na verdade, a prática constante de produção do conteúdo jornalístico em que os jornalistas guineenses colocam em primeiro lugar as vontades políticas dos governantes e dos líderes partidários, em detrimentos dos seus deveres profissionais de informar os governados é um autêntico canibalismo jornalístico nacional. É uma prática que, na verdade, prejudica o relato dos factos por não ter as perspetivas – chave das fontes dos acontecimentos noticiosos. Ou seja, é uma espécie Coronacanibalismo na democracia nacional porque os Media e os jornalistas guineenses não utilizam, na produção de notícias, as perspetivas – chave das fontes que interessam para o consumo dos governados na esfera pública nacional.

Com esta configuração Coronacanibalistica, a informação na Guiné-Bissau é cada vez menos o que é transmitido e é cada vez mais os meios económicos utilizados pelos governantes e pelos líderes partidários na sua manipulação na esfera pública. As notícias produzidas pelos Media e pelos jornalistas deixaram de ser, no país, as técnicas da formação de opinião dos governados e passam a ser técnicas de controle da opinião dos governados pelos governantes.

Na nossa visão, com esta digitalização nacional de Coronacanibalismo jornalística torna impossível a neutralidade no jornalismo nacional, uma vez que os Media e os Jornalistas quando produzem conteúdos jornalísticos não conseguem deixar de fora das suas perspectivas – chave as vontades dos líderes partidários e dos governantes. O que torna hoje difícil regular a atividade jornalística na Guiné-Bissau. Os Media e os Jornalistas guineenses são desta forma utilizados como veículos de publicidade da ideologia partidária e dos interesses dos governantes. 

Em suma, na configuração digitalizada do jornalismo na Guiné-Bissau, os Media e os Jornalistas dão mais importância ao que os políticos e os governantes dizem do que realmente  acontece que é o que interessa aos governados. Por isso, muitas notícias não são constituídas pelos factos, mas por declarações políticas. Ou seja, são feitas pelas opiniões políticas que transformam em factos sociais na esfera pública nacional.

Por: António Nhaga
Diretor-Geral
angloria.nhaga@gmail.com

Bissau, 09 de abril de 2020

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