Covid-19: EMBAIXADOR AFIRMA QUE A CHINA OFERECEU CINCO VENTILADORES AO HOSPITAL MILITAR E DOIS AO GOVERNO

[ENTREVISTA] O Embaixador da República Popular da China na Guiné-Bissau, Jin Hong Jun, afirmou que o seu país ofereceu ao todo sete ventiladores à Guiné-Bissau, 5 ao hospital “Amizade Sino Guineense – hospital militar” e 2 ao ministério de saúde. O diplomata explicou na entrevista exclusiva ao semanário O Democrata para falar da estratégia implementada pelo seu país para controlar a propagação da pandemia do Covid-19, na qual sublinhou que é do conhecimento de todos que o sistema de saúde da Guiné-Bissau é volátil e precisa de maior atenção das autoridades, bem como do apoio e assistência da comunidade internacional. 

Sobre o uso da medicina tradicional para o tratamento ou cura do Covid-19, em particular o consumo de Chá e Xarope de Madagáscar, Jin Hong Jun disse que não conhece a medicina tradicional guineense nem a de Madagáscar, por isso não pode recomendar nada para o tratamento tradicional da doença do Covid-19.

“Eu disse que a medicina tradicional chinesa tem bons resultados, porque foi testada pelos especialistas do meu país, mas tanto a medicina tradicional como a convencional ocidental não conseguiram encontrar até agora um medicamento ʺmágicoʺ para curar a doença de Covid-19. Não existindo um medicamento “mágico”, o mais importante é a proteção pessoal, o distanciamento social ou confinamento domiciliar e proteger os idosos”, aconselhou.

O Democrata (OD): O Covid-19 surgiu numa das cidades chinesas e hoje atingiu todo o mundo. A nível da comunidade científica, há uma corrida para a descoberta de uma vacina ou cura. Em que nível está a China, em termos científicos, nesta luta para conseguir a cura e salvar o mundo?

Jin Hong Jun (JHJ): Penso que em termos de vacina, todos os cientistas do mundo estão a trabalhar o máximo possível para encontrar uma vacina. O mesmo se passa com a China, os cientistas chineses estão também a envidar todos os esforços para que se possa encontrar uma vacina. Estamos numa fase bastante avançada de busca de uma vacina.

Não prevemos uma aplicação, pelo menos a nível comercial, de uma vacina em tão curto espaço de tempo como toda gente esperava. Poderá levar até ano ou ano e meio. Tudo aponta que antes de encontrarmos a vacina teremos que conviver com o vírus. Em relação à cura, até ao momento não há um medicamento ʺmágicoʺ. Como muitas pessoas dizem que essa doença é curável, mas à base do sistema imunitário das pessoas não está preparado para combater o vírus. O que os médicos têm vindo a fazer é reforçar o sistema imunológico das pessoas e mantê-las vivas.

OD: Na ausência de uma vacina, é possível que a China recorra à medicina tradicional?

JH: Sim. Já recorremos, visto que quando não há uma cura eminente tentamos recorrer à medicina convencional do ocidente e a tradicional chinesa. Não digo que tem seus efeitos a cem por cento, mas tem efeitos bastante positivos e ajuda a aliviar os sintomas. Com a utilização da medicina tradicional nos que têm sintomas menos graves há fortes indícios para que haja uma menor percentagem que se torne em situações graves. Daí que podemos concluir que a medicina tradicional está a ajudar e a ter efeitos.

OD: Segundo relatos da media, a China já está a controlar a propagação da doença. Como está a conseguir fazê-lo?

JHJ: A China foi o primeiro país que enfrentou a pandemia. O novo Coronavírus, como é novo, ninguém o conhecia e até este momento podemos admitir que ainda não chegamos a conhecer o suficiente o Covid-19, mas como a China foi o primeiro país a enfrentar a doença, fizemos como se fossemos os pioneiros e lutamos para travá-la. O mais importante é pôr a vida humana em primeiro lugar. Temos vindo a testemunhar para todos os países que há uma procura muito difícil dos governos de manter um equilíbrio entre salvar a vida e a economia. Paramos o país para controlar a pandemia.

Fomos bem-sucedidos, embora tivéssemos que pagar um preço financeiro e económico muito elevado. Para chegarmos a esse nível tivemos que aplicar medidas drásticas que praticamente todos os países aplicaram e estão a aplicar até agora, mas só que as medidas têm que ser bem aplicadas, um seguimento vigoroso e um acatamento bem pronto dos cidadãos, porque sem aceitação por parte dos cidadãos nenhuma medida tomada pelo governo será eficaz. Está em jogo a capacidade de organização dos governos e aceitação por parte da população.

A China teve muita sorte de ter ambas as capacidades. Chegamos a controlar a pandemia não só a nível do seu epicentro, o que foi o mais difícil porque chegaram a morrer muitas pessoas, como a nível nacional. Podemos afirmar hoje que estamos a controlar a pandemia. Terceiro elemento tem a ver com a solidariedade que a cidade Wuhan, epicentro de Covid-19, teve. Passou por um período de surto e passamos efetivamente por todos os períodos.

A cidade de Wuhan não estava preparada e o governo central teve que intervir para mobilizar os recursos para ajudar a cidade de Wuhan. Certamente devem ter ouvido relatos dos media que em menos de duas semanas construímos dois hospitais com a capacidade para duas mil e seiscentas camas e reabilitamos infraestruturas já estabelecidas para acolher todos os infetados. Por isso, no espaço de um mês conseguimos controlar a situação.

O quarto ponto que ajudou a China a controlar a situação da pandemia foi efetivamente a transparência. O governo chinês chegou a informar a todos os seus cidadãos o que se passa no país e à Organização Mundial de Saúde (OMS). O primeiro sinal de informação que transmitimos ao mundo e à OMS foi justamente no dia três de janeiro de 2020, depois de três casos terem sido detetados por um médico a 27 de dezembro de 2019, em Wuhan. Oito dias depois da primeira informação fornecida à OMS e ao mundo, 11 de janeiro de 2020, informamos sobre as cinco sequências de ADN do Vírus, o que permitiu os restantes países desencadear estudos e produzir testes e a nível profissional esse assunto foi tratado com uma rapidez muito impressionante.

OD: A África está abalada com o vírus do Covid-19 e a Guiné-Bissau está à beira de um colapso em termos sanitários. O que é preciso fazer para travar a velocidade da propagação, num país pobre e sem recursos técnicos e financeiros?

JHJ: Primeiro passo é seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde, trabalhar o máximo possível na deteção de pessoas infetadas, isolá-las e depois tentar curá-las, intensificar os apelos sobre o confinamento domiciliar e o uso de máscaras faciais. A Guiné-Bissau está na fase inicial da pandemia. É um país muito pequeno, não está preparado para enfrentar essa doença, porque o sistema de saúde é também frágil.

Podemos observar ainda que nem os países como os Estados Unidos da América, com sistemas de saúde muito avançados não estão preparados para fazer face à pandemia, por isso é necessário trabalhar mais na prevenção, apesar de alguns indícios de contágio comunitário ainda não é tarde aplicar bem as medidas adotadas pelas autoridades sanitárias do país.

Daí que como cidadão estrangeiro que vive em Bissau tenho saído muito pouco e acatar as recomendações das autoridades guineenses, visto que estamos perante um estado de emergência e as pessoas tentam evitar sair a rua. Mas nas poucas vezes que saio continuo a assistir, na Avenida Principal, uma concentração enorme de pessoas. Isso é alarmante e é para mudar.

É uma aposta contínua na sensibilização das pessoas para que possam ter a consciência que o Vírus é real e é um perigo. Ele não conhece fronteiras nem estatuto social das pessoas. É perigoso, sobretudo para as pessoas da terceira idade com crónicos problemas de saúde.

OD: O medo da doença levou as autoridades nacionais a recorrerem a remédios tradicionais produzidos à base de Artemísia e outras plantas medicinais em Madagáscar. Aconselha os africanos a usarem o chá e xarope produzidos pelo governo malgaxe para a cura do Coronavírus…

JHJ: Como não conheço a medicina tradicional guineense nem a de Madagáscar, não posso recomendar esse tipo de tratamento. Eu disse que a medicina tradicional chinesa tem bons resultados porque foi testada pelos especialistas do meu país, mas tanto a medicina tradicional como a convencional ocidental não conseguiram encontrar até agora um medicamento ʺmágicoʺ para curar a doença de Covid-19. Não existindo um medicamento “mágico”, o mais importante é a proteção pessoal, o distanciamento social ou o confinamento domiciliar e proteger os idosos.

OD: Para um país pobre como a Guiné-Bissau, onde as pessoas dependem da sua luta de dia-a-dia para sobreviver, para além de confinamento social há outras estratégias que podem ser adotadas?

JHJ: Salvar a vida é importante e salvar a economia também é importante e é o que se passa com outros países do mundo, porque sem a economia e sem o pão de cada dia as pessoas morrem. Por isso é importante mantermos esse equilíbrio (salvar vidas e salvar a economia). A China como primeiro país que sofreu toda essa pandemia também foi o primeiro a apostar na recuperação da sua economia. Portanto, começar a trabalhar com a máxima proteção, lavagem frequente das mãos, uso obrigatório de máscaras e manter sempre o distanciamento social.

OD: A Guiné-Bissau já atingiu centenas de casos confirmados. O sistema sanitário guineense é precário e a tendência é para o número subir mais. É possível que a China intervenha através da sua brigada médica ou vai apoiar com meios técnicos e financeiros ou tem um plano de apoio à Guiné-Bissau no combate a Covid-19?

JHJ: Sim, confirmo que a China está a apoiar. Apoiou no fornecimento de informações, partilha de experiências através de fornecimento de documentos, organização de teleconfências entre os especialistas das duas partes que aconteceu, da última vez, com o Alto Comissário da Guiné-Bissau para o combate ao Covid-19.

Vamos organizar dentro de pouco tempo mais uma teleconferência para as pessoas que sofrem de problemas cardiovasculares e os diabéticos. Já oferecemos três lotes de materiais de proteção vindos de uma empresa chinesa, oferecemos cento e duas mil máscaras profissionais para os médicos, vinte mil testes de deteção, cinco mil e setecentas batas de proteção, seis mil e setecentos protetores faciais, dezanove mil e quinhentas luvas, quinhentos e oitenta e seis detetores de temperatura, dez mil protetores de capas de sapatos, dois ventiladores que são fundamentais para o tratamento de casos graves…

A ajuda do governo chinês não acaba aí. Brevemente vamos fornecer o segundo lote de materiais. Em relação à nossa equipa médica, confesso que eles não estão também preparados para lidar com essa situação, não têm meios de proteção e sem a segurança garantida eles não podem ajudar, aliás, a sua especialidade não lhes permite lidar com doenças dessa natureza. 

OD: A nível do hospital Simão Mendes, há denúncias de falta de ventiladores para o tratamento de casos mais greves de Covid-19, mas a China tinha oferecido dois para recuperação das pessoas com problemas de respiração aguda. Há possibilidade de incluir mais ventiladores no próximo lote de ajuda à Guiné-Bissau?

JHJ: Não posso garantir isso, porque para além dos dois ventiladores, oferecemos cinco que estão a funcionar no Hospital Militar. Que eu saiba, a primeira morte vítima da pandemia tinha doenças crónicas. É muito triste o que aconteceu, e demostra que é preciso ter toda a unidade de cuidados intensivos pronta a trabalhar.

Quando visitei o Hospital Militar notei que, com apoio do governo de Marrocos, dispunha de um sistema de oxigénio a funcionar para os internados. Mas agora não sei como é que está a situação. Espero que continue a tê-lo, porque o sistema de saúde do país é volátil e é preciso não só da intervenção das autoridades guineenses como também outros países membros da comunidade internacional continuar a apostar e a apoiar a Guiné-Bissau.

OD: O vírus surgiu na China e na altura, sentiu-se isolada na luta contra a doença da parte do ocidente?

JHJ: Não digo até que sentimos isolados. No início, a China chegou a ter muitos apoios de países amigos, nomeadamente: os asiáticos, africanos e países europeus. Tivemos problemas só mais tarde quando o Vírus começou a alastrar-se por todo o mundo e começou-se a notar um certo distanciamento e discriminação da parte de alguns países ocidentais, a difamar o governo chinês, o que julgo ser muito triste.

Essa é uma pandemia mundial e há países do ocidente que inventaram histórias de que o Vírus veio de um laboratório chinês, o que não corresponde à verde, porque a grande maioria de especialistas tanto nacionais quanto estrangeiros, incluindo os ocidentais, já concluiu que o Vírus vem da natureza e que não é um produto que saiu do laboratório, portanto é natural e é uma conclusão global, não apenas da China.

Se fosse apenas uma conclusão nossa, as pessoas, sobretudo as do ocidente, não a aceitariam. Os estudos preliminares apontam que o Vírus veio de morcego, mas até agora não se sabe como é que o Vírus pode contagiar de um morcego para ser humano. Falta saber que animal foi o intermediário. Enquanto isto está ainda por descobrir, é imperioso trabalhar mais para descobrir. Saber da origem não significa culpabilizar alguém como alguns países têm vindo a fazer, apontando a China como fonte da origem do Vírus ou país onde o vírus foi fabricado. 

OD: Sr. Embaixador, tem havido acusações entre a China e os Estados Unidos da América sobre a pandemia. Os EUA, por exemplo, acusou várias vezes o seu país de esconder informações sobre Covid-19. A China sente-se culpada por isso?

JHJ: Não somos culpados até somos vítimas. Como disse no início, informamos a tempo à OMS, à comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos da América desde os primeiros momentos. Chegamos a bloquear a cidade Wuhan e os EUA estão conscientes da gravidade desse vírus, portanto não há como acusar a China. Não é primeira vez que o mundo enfrenta pandemias.

Em 2009 enfrentamos H1N1 que saiu primeiro dos Estados Unidos da América, o Ébola que teve a sua origem em África, na sub-região, mas ninguém chegou a acusar a África Ocidental ou Estados Unidos da América. Estamos de novo a enfrentar uma nova pandemia, novo Coronavírus, e a China está a ser apontada como culpada.

OD: Que comentário faz em relação à agressão do povo chinês contra a comunidade africana na China, de acordo com os relatos dos media?

JHJ: O que se passou foi justamente em Cantão. Não houve agressão. Embora a China esteja a controlar a pandemia, mas até agora continua a enfrentar uma forte pressão de casos infetados importados. Tudo começou quando as autoridades chinesas descobriram casos importados da África, porque nunca fechamos as portas. As nossas linhas aéreas continuam a trabalhar e estrangeiros continuam a entrar, embora o número seja reduzido era necessário testá-los. Também houve caso de um restaurante de um africano muito frequentado por africanos.

A esposa que é chinesa foi infetada e a cozinheira também ficou infetada. Na sequência dessas infeções, as autoridades chinesas julgaram que era importante tomar medidas de precaução e despistar todos os africanos que frequentam o restaurante para saber quem está infetado. A grande verdade é que alguns agentes locais agiram de forma desproporcional e em reação a essa atitude, alguns africanos rejeitaram de forma violenta acatar as medidas e agrediram e feriram uma enfermeira. Penso eu que se tratou de um caso infeliz.

Que fique claro que quer da parte do governo central quer local não há nenhuma política discriminatória contra os nossos irmãos africanos, porque constitui um dos princípios de sempre, tratar os nossos amigos e os parceiros em pé de igualdade como irmãos. Temos um número significativo da comunidade africana em toda a China e apenas um estava infetado, porque recebeu tratamento e foi recuperado. O problema foi resolvido através de um diálogo fraterno entre as duas partes, os países africanos e o governo da China. Se formos discriminados por alguns países ocidentais, por que vamos discriminar os nosso irmãos africanos?

OD: Que tipo de discriminação a China sofreu de alguns países do Ocidente?

JHJ: Uma campanha de difamação, colocando nas cinco estrelas da nossa bandeira os símbolos de Coronavírus, chamar o povo chinês “os doentes da Ásia”, acusar a China de violar os direitos humanos e maltratar o seu povo quando aplicamos o bloqueio da cidade de Wuhan, mas quando o mesmo se passa na Itália, o Ocidente diz outra coisa ou ao contrário. Portanto, é uma campanha sistemática de que tudo o que a China faz ou está a fazer está mal.

OD: Há possibilidade de regresso de estudantes guineenses à China, sobretudo numa altura que os relatos do media indicam que o seu país controlou praticamente a doença?

JHJ: Penso que é difícil. O governo guineense nunca tomou a iniciativa de repatriá-los. Foram os próprios estudantes que por vontade própria regressaram. Como eu disse apenas um africano ficou infetado, o que demostra que tanto os estudantes guineenses quanto a própria comunidade africana na China estavam bem e seguros. Os que continuam lá poderão prosseguir seus estudos, mas para os que estão cá será difícil de momento. Não temos voos, o que tornará ainda mais difícil o seu regresso.

OD: A China apoia atuais autoridades nacionais?

JHJ: Toda a comunidade internacional tem a mesa opinião de que a presente crise na Guiné-Bissau deve acabar. A segunda volta das presidenciais realizou-se a 29 de dezembro de 2019 e já passaram mais de quatro meses e a crise arrasta-se e tem-se notado que o P5 (as Nações Unidas, a CEDEAO, a UA, a UE e a CPLP) está a desempenhar um papel de mediação e de acompanhamento de perto desta situação para o reconhecimento do Presidente eleito. Espera-se que os órgãos da soberania possam resolver a questão de formação de novo governo e, consequentemente, o da revisão da constituição

Por: Filomeno Sambú/Assana Sambú

maio de 2020

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