Ativista Lizidória Mendes: “TORNEI-ME NUMA REVOLUCIONÁRIA PARA MUDAR O PARADIGMA DE VIDA DAS MENINAS GUINEENSES”

[ENTREVISTA] A jovem ativista social da Guiné-Bissau, Lizidória Mendes, uma das vencedoras do concurso “Blog4Dev 2020” do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, para trabalhar no projeto “capacitar as mulheres e raparigas africanas para acabar com o casamento infantil”, afirmou que se tornou numa revolucionária pela causa social para mudar o paradigma “triste” da vida das meninas guineenses.

Lizidória Mendes fez essa observação em entrevista exclusiva ao jornal O Democrata para falar da forma como foi escolhida como uma das vencedoras do concurso lançado em 2014, no Quénia, pelo Banco Mundial, visando convidar jovens africanos a partilhar ideias e como encontrar soluções para acabar com o casamento infantil nos respetivos países.

O projeto tornou-se num concurso Regional dos países Africanos em 2018, apesar de ser lançado a cada ano.  Neste ano 2020, os candidatos responderam a seguinte questão: “Quais as soluções  para acabar com o casamento precoce no seu país?”.

“NÃO PODEMOS CONSTRUIR UM PAÍS ONDE VAMOS TER MENINAS MÃES A CUIDAREM DE CRIANÇAS”

Instada a falar da sua motivação ao projeto, a ativista social frisou que a sua sensibilidade face à situação da violação dos direitos das meninas impulsionou-a a candidatar-se ao projeto, embora não tivesse esperanças nenhumas de estar entre os 38 selecionados do projeto, num universo de 2.680 inscritos.

Em conversa com a repórter do semanário O Democrata que se deslocou a sua casa para conhecer as curiosidades da ativista, Lizy Zaziwe, como é conhecida no mundo das letras, que significa “esperança”, na língua materna do Nelson Mandela, em que se inspirou na sua adolescência, sublinhou que o projeto é um passo para chamar atenção ao Governo e ao Estado da Guiné-Bissau sobre a necessidade de se discutir seriamente os problemas das meninas perante o abuso, o casamento infantil e a gravidez precoce no país.

“Não podemos construir um país onde vamos ter meninas mães a cuidarem de crianças, muitas vezes acabam por cair na delinquência e, consequentemente,  não conseguem alcançar seus objetivos só porque  têm um lar e crianças para cuidar”, lamentou.

Perplexa com a sua vitória, a jovem de 22 anos de idade informou que, com a evolução da pandemia de novo Coronavírus (Covid-19), que já matou milhares de pessoas e atingiu a economia mundial, não poderá representar a Guiné-Bissau, em Washington, nos Estados Unidos. Contudo, assegurou que, como alternativa, o Banco Mundial (BM), entidade que realizou o concurso, montou uma plataforma online para dar continuidade dos trabalhos e que neste momento estão na fase de apresentação dos candidatos para ver o que eles têm em comum.

Mendes diz acreditar que os critérios usados para selecionar os candidatos “foram muito transparentes”, baseados apenas na inscrição pessoal, não pediram o curriculum vitae, porque “às vezes o percurso da pessoa influencia o resultado, mesmo que o texto não mereça”.

“Mas não foi o caso de Blog4Dev, apenas perguntas básicas como: nome, correio eletrónico, país e o ensaio (texto). Para participar, o candidato deve ser africano e residente no seu país e ter entre 18 a 45 anos de idade”, esclareceu.

O brinquedo favorito da jovem estudante de 2º ano da Licenciatura em Língua Portuguesa na Escola Normal Superior “Tchico Té” – Instituto Camões é escrever poemas o que, com muita satisfação pelas obras que já tem escrito, facilitou a escrita do seu ensaio de quinhentas (500) palavras no seu (Tablet) preto.

Lizidória Mendes disse que qualquer oportunidade que aparecer de novo em que possa ser útil e trazer benéficos para a Guiné-Bissau candidatar-se-á, mas até lá ela sugeriu andar lento, seguro e fazer o percurso passo a passo.

Orgulhosa das suas origens humildes, Lizy Zaziwe, que começou seu percurso como ativista social no Parlamento Nacional Infantil (PNI), considera-se uma revolucionária para mudar o paradigma “triste” na vida das meninas guineenses. Zaziwe referiu que a sua fonte de inspiração é a dor, onde consegue escrever algo verdadeiro e que foi dessa forma de inspirar-se na sua dor e na dor alheia que conseguiu produzir o seu ensaio para Blog4Dev, que lhe deu um lugar entre 38 selecionados a nível do continente africano.

A ativista social descreveu ao jornal O Democrata que desde que se interessou pela literatura, escolheu escrever na primeira pessoa para que, quem leia o texto possa sentir na pele a mesma dor e dificuldades das pessoas. 

Após receber a notícia que marcará para sempre a sua vida, Lizy Mendes deixou uma mensagem às jovens raparigas para que não encarem essa sua conquista como o triunfo de quem viveu sempre em berço de ouro, ao contrário “sou uma menina como qualquer outra”, aconselhou.

“Crescer na vida não é um bem exclusivo, mas é esforçar-se, dedicar-se ao que lhe interessa e humildade, acima de tudo”, reforçou.

Não posso dedicar a minha vitória a ninguém, que não seja tu, mulher, menina que já sofreu por não ter voz de dizer um não. Apelar a todas as meninas que acreditem que vale a pena lutarmos para que a nossa voz seja ouvida e que continuemos a sermos nós mesmas”, enfatizou. 

BIOGRAFIA

Lizidória Mendes nasceu a 03 de julho de 1997, em Canchungo, região de Cacheu. Criada no seio de numa família alargada. Viveu uma parte da sua infância em Dakar, República do Senegal. Aos oito anos de idade mudou-se com a família para a Guiné-Bissau, concretamente em Canchungo. O sonho de uma revolucionária social nasceu com ela quando começou a participar num programa radiofónico denominado “mininus i futuru” e numa tradução livre – crianças são o futuro, emitido na altura na rádio local, Uler Aband.

De 2009/2010, presidente do Parlamento Infantil do sector de Canchungo. Um ano depois, 2011, assumiu as funções da primeira secretária da Mesa do Parlamento Nacional Infantil. Atualmente é estudante de 2º ano da Licenciatura em Língua Portuguesa na Escola Normal Superior “Tchico Té” – Instituto Camões, tem paixão pela escrita e é autora de uma obra literária de poemas “simplesmente menina africana” publicada pelo jornal “Nô Pintcha”, em 2018.

Por: Cadidjatu Djamila da Silva

Foto: D. S

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *