QUEM TRAIU MINISTRO BOTCHE CANDÉ EM SINTCHAM BELE?

Cinco dias depois do encontro entre os rebeldes de uma das fações do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC)  liderada pelo Comandante César Badiate e o demissionário Ministro de Administração Interna Botche Candé, a equipa da reportagem d’O Democrata visitou os marcos (pilares 110 e 111) da nossa fronteira com Senegal para apurar as circunstâncias que nortearam a deslocação do governante à zona norte. Nas artérias do sector de Farim, os repórteres d’O Democrata apuraram junto dos atores locais a presença quase efetiva de elementos pertencentes à rebelião casamancesa. Na trajetória que culminou na demissão do ministro Botche, a reportagem d’O Democrata tentou descortinar pistas que possam responder a simples pergunta: Na verdade quem é que traiu o ex-ministro do Interior e defensor árduo da extensão do poder de Estado a todo o território nacional?

Ao percorrer as tabancas de Sintcham Aladje, Sintcham Bele, Sintcham Ermakonon fica-se com a ideia clara que o demissionário Ministro de Administração Interna, não obstante, ter viajado com uma comitiva composta de 30 viaturas que podia transportar mais de um batalhão de pessoas, não tinha noção clara do limite geográfico da nossa fronteira. E mais, o plano traçado para melhor confirmar a informação que possuía de que havia na zona uma circulação de pessoas “estranhas”, não terá sido definido de forma eficaz. Botche Candé, como sempre, munido de vontade e de voluntarismo político de querer mostrar as suas ações ao público, acabou  simplesmente vítima do plano por ele concebido.

Caiu sem perceber nas mãos dos homens do Comandante César Badiate. Um dos operacionais do César Badiate, revelou, em declaração ao nosso jornal, que o Ministro Botche Candé terá mesmo atravessado a fronteira sem se dar conta. Aliás, em querer dar ênfase a sua ação, o Ministro Botche Candé foi para uma zona de fronteira onde, com certeza, a Segurança de Estado tem conhecimento da presença dos rebeldes da Casamansa. Sob a conivência de sucessivos governos que dirigiram o país, os independentistas há vários anos consolidaram o seu controlo em diferentes localidades do território guineense.

Aliás, a facção da rebelião comandada por Comandante César Badiate vive naquela zona de Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon há mais de dez anos na sequência da rotura entre o Comandante César Badiate com o seu companheiro de armas, o Comandante Salif Sadio que hoje se encontra na floresta de Selite na fronteira com a Gâmbia. A aliança em Março de 2006 entre o exército guineense com a ala de César Badiate permitiu, através de uma vasta ofensiva denominada ‘‘Operação Limpeza’’, expulsar a militarizada facção chefiada por Salif Sadio. Hoje, continua a pairar dúvida sobre essa aliança de circunstâncias. Terá a Guiné-Bissau preferido coabitar com homens de César Badiate em detrimento da ala mais extremista do movimento guiada pelo Comandante Salif Sadio? Uma coisa é certa, os rebeldes presentes atualmente na zona norte se reclamam da facção do Badiate.

Em Sintcham Aladje, Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon, ninguém consegue explicar muito bem o aparecimento rompante do Ministro Botche Candé naquela zona fronteiriça onde gados bovinos que pastarem em direção à barraca dos homens do Comandante César Badiate não deixam mais rasto e ninguém, entre os populares, tem a coragem de ir à Barraca do MFDC perguntar alguma coisa. Alguns populares até pensavam que, tal como na região de Cacheu, a visita da delegação visava a recuperar os gados bovinos a favor das nossas aldeias fronteiriças. Não era o caso. O objetivo do Botche era confirmar a luz do dia a presença no território nacional dos rebeldes do MFDC. Fonte militar confidenciou a’O Democrata que a visita do ministro surgiu na sequência de um relatório emanado dos elementos da Contra-inteligência Militar e do Serviço de Informação de Estado que afastava a possibilidade de qualquer presença de rebeldes no território guineense.

Para os analistas do conflito armado que dura há mais de 32 anos em Casamansa, a visita do demissionário ministro do governo de Domingos Simões Pereira podia ter sido fatal se tivesse surpreendido as facções do MFDC a movimentarem o seu armamento bélico. De acordo com as mesmas fontes, nessas circunstâncias regista-se habitualmente batalhas ferozes entre as três principais facções independentistas rivais. As nossas fontes lembram que o Comandante Leopold Sagna perdera a vida aquando de um ataque protagonizado pelo Comandante Salif Sadio contra o então Estado-Maior do MFDC na floresta da baixa Casamansa.

‘‘Se realmente a delegação de Botche Candé tivesse chegado naquela Barraca e encontrasse as constantes disputas entre as facções seria uma surpresa desagradável para ele e para o país’’, afirmam os mesmos interlocutores. Os contantes ataques aos operacionais do seu Ministério em serviço nas portagens e no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, sempre com acusações de serem corruptos, acabaram por criar um clima de descontentamento interno contra o governante que, há muito tempo ‘‘andava em terreno minado’’.

A outra questão que ficou sem resposta clara entre os populares daquela zona fronteiriça do setor de Farim tem a ver com a identidade da pessoa que terá advertido os rebeldes do MFDC que o Ministro Botche Candé deslocava em visita àquela zona de fronteira.  Os nossos interlocutores são unânimes em asseverar ao nosso jornal que Botche que nunca teve uma boa relação com as autoridades da segurança deu, desta vez, tiro no próprio pé sem se perceber.

Os mesmos observadores acreditam que o silêncio do Estado-Maior das Forças Armadas sobre este encontro do demissionário Ministro de Administração Interna com os rebeldes do MFDC largamente coberto pela imprensa nacional, é prova de que não houve uma prévia concertação estratégica. A parte militar, adiantam as fontes, sentiu-se menosprezada por Botche durante a sua visita.

No mesmo registo, a atuação da Comissão Especializada para as Questões de Defesa e Segurança da Assembleia Nacional Popular voltou a ser a mesma que no período que antecedeu o conflito político militar de Junho de 1998. Na altura, denúncias sobre tráfico de armas para os rebeldes de Casamansa que acabou depois tristemente por estar na base do levantamento militar de sete de Junho. Na opinião das nossas fontes, a Comissão parlamentar, deveria com urgência instaurar um inquérito para apurar as eventuais cumplicidades entre os rebeldes do MFDC e autoridades nacionais, como afirmam populares em diferentes tabancas das seções do Setor de Farim.

Os populares garantiram à equipa da reportagem d’O Democrata que as autoridades nacionais sabem muito bem que os rebeldes de Casamansa passeiam na cidade de Farim e até casam com jovens locais. A única reação das nossas autoridades é “deixam os estar, são os nossos amigos”. Agora os ditos amigos com vastos campos de “Benon” em território nacional,  já estão transformar em ‘‘bicho de sete cabeças’’ para as próprias autoridades do país.

Em tabancas de Sintcham Aladje, Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon, os populares confirmam a presença dos rebeldes. Depois do encontro entre o demissionário ministro de Administração Interna e a facção rebelde liderada por Comandante César Badiate, instaurou-se em todas seções do Setor de Farim um clima do medo de eventuais represálias. As pessoas vivem com o medo não propriamente das nossas autoridades que acusam cumplicidade da presença dos rebeldes naquela Província Norte do país, mas dos homens do Comandante César Badiate que andam livremente na terra que viu nascer e crescer o atual Primeiro-Ministro, Domingos Simões Pereira.

O estado físico do aquartelamento da seção de Djumbembé há 17 quilómetros de Farim e 15 quilómetros das tabancas de Sintcham Aladje, Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon, não é de melhor para impedir quem quer que seja roubar gados bovinos ou até de abusar da população local e muito menos os homens do Comandante César Badiate bem armados até aos dentes, cultivam terrenos que quiserem sem o impedimento de nenhuma autoridade nacional e perante uma população nacional impávida e submissa à imposição dos homens do MFDC.

“Aqui não podemos dizer nada e muito menos levantar um dedinho para os dizer que aquele terreno é nosso. Eles cultivam os seus “benon” onde quiserem e nada se pode dizer”, explica um habitante de Sintcham Aladje, instando aos repórteres d’O democrata a não estacionar a viatura numa tabanca local onde vivem jovens rebeldes do MFDC para não ser identificado.

Não obstante, o clima do medo da represália por parte dos rebeldes, a nossa equipa de reportagem visitou as tabancas de seção de Djumbembé – Sara Iero, Shama, Sintcham Tumani, no marco de fronteira 110 e Sintcham Aladje, Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon no marco de fronteira 111 que dá acesso a Barraca dos rebeldes de Casamansa defronte as antigas tabancas de Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon. A base dos rebeldes, de acordo com declarações dos populares, está instalada em território senegalês. Mas, os homens do Comandante César Badiate afastaram a população que tinha construída casas nas duas tabancas (Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon) e neutralizaram pura e simplesmente a prática de agricultura e passagem dos populares nacionais na zona.

Os populares daquelas tabancas fronteiriças garantem ainda a nossa equipa de reportagem que o referido abuso dos rebeldes de Casamansa em todas seções do Setor de Farim, capital da região de Oio deve-se à própria cumplicidade das autoridades nacionais para com os homens do Comandante César Badiate que põem e dispõem ao seu bel-prazer o espaço nacional e abusando nos populares.

“Vejam, estes aqui são campos de cultivo de Benon dos rebeldes de Casamansa. Nós não podemos dizer nada porque as nossas próprias autoridades fecham os olhos, não dizem nada e nem querem saber de nós. Portanto, nós temos medo da represália deles perante esta indiferença das nossas próprias autoridades nacionais”, explicou um popular em Sintcham Aladje. Numa noite, a equipa d’O Democrata percorreu a zona e viu um vasto campo de Benon que se diz pertencer aos rebeldes de Casamansa.

‘‘Nós temos medo dos rebeldes, porque alguns dos agentes da nossa segurança têm uma ligação estreita com eles. Reparem bem, foram os próprios agentes da nossa segurança que alertaram os rebeldes que o ministro Botche Candé vinha visitar as tabancas fronteiriças de Sintcham Aladje, Sintcham Bele e Sintcham Ermakonon”, declarou um popular. Sem apontar o dedo acusador a alguém, os populares da zona afiançam a equipa da reportagem d’O Democrata que uma alta figura das Forças da Segurança Nacional tem uma ligação estreita com os rebeldes de Casamansa que operam naquela zona fronteiriça com Senegal e que por vezes patrocinam as atividades públicas do referido responsável.

Visivelmente inconformados com a situação, os habitantes da zona frequentada por rebeldes explicaram a nossa equipa de reportagem que a “capital da região de Oio se transformou num mercado de compra, venda de produtos e num espaço de lazer onde os rebeldes fazem amizades com os populares e com as autoridades da segurança locais”.

A nossa equipa da reportagem constatou que na realidade para chegar ao marco 111 nas desabitadas tabancas de Sintcham Bele e Sintcham Ermankonon constitui uma aventura de alto risco. Aliás, a população de Sintcham Aladje não consegue perceber muito bem as razões e motivações da visita do Ministro Botche Candé a uma zona conhecida por todos agentes da segurança do Setor de Farim como uma zona de alto risco. Não é difícil, sobretudo nesta época da fim das chuvas, reconhecer a primeira vista que os rebeldes esbarraram por completo a via que dá acesso às antigas tabancas de Sincham Bele e Sintcham Ermankonon. A via rodoviária que dá o acesso ao marco 110 está muito mais acessível e vê-se logo que é utilizada pelos populares nas deslocações ao Senegal, enquanto a via de acesso ao marco 111 está completamente esbarrada pelas árvores que se entrelaçam entre si tornando difícil naquela noite a deslocação da viatura da nossa equipa de reportagem as referidas aldeias fronteiriças.

Aliás, no marco 110, não obstante ser a noite, a nossa equipa de reportagem foi recebida com a euforia pelos populares dos dois lados: Populares de Sara Sufi da Guiné-Bissau e de Sara Sufi de Senegal.

 

Por: António Nhaga / Sene Camará

O Democrata, 29/11/2014

 

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