LIGA E SEUS PARCEIROS LANÇAM PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA ANOTADA

A Liga Guineense dos direitos humanos (LGDH), a Tiniguena, ONG versada em defesa da biodiversidade, a Faculdade de Direito de Bissau e as Nações Unidas, através do seu Gabinete Integrado na Guiné-Bissau (UNIOGBIS), lançaram esta quarta-feira, 05 de agosto de 2020, a primeira versão da Constituição da República da Guiné-Bissau anotada, uma doutrina de opiniões. Trata-se de uma iniciativa da Liga e seus parceiros que visa contribuir para se alcançar as linhas opacas da Constituição e mitigar “potenciais conflitos” políticos emergentes de interpretações antagónicas da Constituição da República em vigor na Guiné-Bissau.   

O documento de 257 páginas foi apresentado publicamente na Assembleia Nacional Popular (ANP) e, de acordo com os mentores, resultou  das manifestas  dificuldades reveladas pelos mais variados setores da vida pública nacional ao longo da crise política despoletada, em 2015, que ainda persiste, quanto à interpretação  e apreciação do sentido útil  das normas constitucionais do país.

Augusto Mário Silva, presidente da LGDH, frisou, durante apresentação do instrumento jurídico,  que as lacunas, as insuficiências e acima de tudo, as incongruências  do texto constitucional vigente, no que diz respeito ao funcionamento dos órgãos do poder político e ao alcance e efetividade das normas fundamentais, revelaram-se com maior acuidade durante as crises e foram  “perigosamente aproveitadas” por determinados setores e/ou grupos em claro prejuízo da coerência  do sistema jurídico constitucional do país.

 O presidente da Liga sustentou que essas fragilidades da Constituição deram azo às “interpretações díspares” e em certos casos corretivas, das normas constitucionais, porque “ao  final do dia tudo se justificava pelas incoerências ou ambiguidades que a própria Constituição  encerra”.

Em retrospetiva aos acontecimentos que marcaram várias interpretações contraditórias sobre a constituição guineense, Augusto Mário da Silva lembrou que  o próprio Supremo Tribunal de Justiça (STJ) quando foi requerido a entrevir, enquanto entidade a quem a Constituição comete a responsabilidade de terminar o sentido útil das normas constitucionais, em caso de dúvidas,  também  revelou alguma dificuldade em apreender o “elemento teleológico” dessas normas, “ao proferir sobre o mesmo objeto dois acórdãos contraditórios entre si”.

Segundo Augusto Mário da Silva, trata-se de um exercício da sociedade civil guineense que se inscreve  no esforço conjunto de contribuir  para assegurar a “tão almejada estabilidade governativa” e, consequentemente,  a paz social, que “tanto nos tem custado, nomeadamente, nos setores do ensino, da saúde, da justiça, da energia e da segurança alimentar”.

O ativista guineense dos direitos humanos disse ter consciência que a obra lançada não esgota o “emaranhado problema” que a aplicação da Constituição guineense levanta. Porém, sublinhou que não deixa também de “ser uma gigantesca contribuição” no sentido de facilitar a compreensão das normas  constitucionais  e a sua maior apreciação nacional .

Interpelado pela imprensa, à saída do hemicíclico guineense, Alcides Gomes, diretor da Faculdade de Direito de Bissau, entidade que coordenou a elaboração do instrumento, revelou que as anotas contidas nos artigos têm a ver com interpretações, que ultrapassam os problemas que existem à volta da Constituição da República guineense. Uma interpretação que abrange toda a Constituição, ou seja, não se resume apenas aos problemas políticos ligados ao funcionamento do poder político, mas também  traz os problemas dos direitos humanos, direitos de liberdade e garantias, e a parte inicial que tem a ver com a própria organização do Estado.

“A obra é um comentário abrangente do primeiro  ao último artigo da Constituição, esclarecendo o melhor sentido que se deve dar aos mesmos. O trabalho consiste, basicamente, em explicar como é que se deve interpretar a norma contida na Constituição da  República. Reparem que quando temos vários artigos é claro que a interpretação de um dependerá do outro, por isso é que temos que buscar sempre essas lacunas para mostrar porquê é que um artigo  deve ser interpretado de uma determinada forma, tendo em conta  a outros artigos que fazem parte do documento ”, sublinhou.

O também docente da Faculdade de Direito de Bissau disse esperar que, enquanto uma doutrina de posições, que outros setores ou académicos contribuam e que haja mais opiniões, desde que baseadas  em tecnicidade, não as baseadas em interesses políticos de uma determinada entidade política.

“Porque o que a faculdade fez, foi, de acordo com aquilo que são as regras interpretativas que existem no nosso país, buscar a melhor interpretação conjugada com a realidade de outros países com os quais comungamos o mesmo sistema, aliás, nas anotações foram citados outros artigos, nomeadamente, os de Portugal, que correspondem aos artigos que existem no nosso país, mostrando  a evolução registada desses mesmos artigos ao longo dos tempos e o sentido e a interpretação que se dá noutros países”, justificou.

Neste sentido, lembrou que a constituição da república guineense inspiração Portuguesa”, por isso, segundo Alcides Gomes, a interpretação que se faz tem certo cunho daquilo que se passa em Portugal, portanto é exatamente isso que está espelhado nos comentários dessa doutrina”, concluiu.


Por: Filomeno Sambú

Foto: Marcelo Na Ritche

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