[REPORTAGEM julho de 2020] Os moradores de alguns bairros periféricos da capital Bissau (Bôr, Cuntum Madina, Jericó e Quelelé), inundados nos últimos dias pela forte chuva que caiu sobre Bissau, clamam por ajuda do governo e pedem a adoção de medidas de segurança às suas vidas, porque a chuva forte que tem ocorrido tem deixado esses bairros do litoral e das zonas húmidas (bolanhas) de Bissau, completamente alagadas. As inundações têm causado danos materiais e quiçá, perda de vidas humanas.
Os gritos de socorro dos moradores daqueles bairros foram lançados à repórter do jornal O Democrata, que num fim-de-semana percorreu os bairros afetados para constatar os estragos. Alguns moradores explicaram que quando chove, a água chega a atingir uma altura de dez centímetros ou mais, “o que pode deixar muitas famílias sem teto, se as chuvas se intensificarem nos próximos dias, numa altura em que o país se prepara para enfrentar o mês mais chuvoso da época, agosto”.
MORADORES PEDEM AO GOVERNO QUE INVISTA EM INFRAESTRUTURAS E URBANIZAÇÃO DE RUAS
A maioria dos habitantes ouvidos pelo nosso jornal foi unânime em apelar ao governo para investir na construção de infraestruturas e urbanização da cidade de Bissau, sobretudo na construção de grandes valas e esgotos que permitam a circulação das águas pluviais, para assim diminuir a inundação e o sofrimento das populações das zonas afetadas, que todos os anos enfrentam o mesmo problema na época das chuvas. Na mesma entrevista, os moradores criticaram a atitude de algumas entidades e organizações que apenas aparecem no momento de grandes sinistros para fazer propaganda ou deixar promessas que depois não cumprem, porque “até agora nenhuma organização ou entidade conseguiu solucionar, pelo menos, um único caso de acidentes naturais relacionados com sinistros que já ocorreram na Guiné-Bissau”.
Apesar dos esforços da população local para travar a invasão de água e desentupir as valas entupidas com recurso a sacos de plástico ou de arroz enchidos de areia, a força da natureza tem vencido a “batalha”, trazendo com ela lixo de todo o tipo, causando prejuízos materiais e ameaça à saúde dos moradores, porque os diques das bolanhas mal construídos não conseguem impedir a circulação do lixo e a inundação.
Os jovens moradores do bairro de Ponta Neto, arredores de Bôr, pediram ao governo ou pessoas de boa vontade no sentido de apoiá-los com materiais de limpeza e de saneamento básico. Os jovens informaram que não lhes falta vontade e união para lutar contra a triste realidade que enfrentam há vários anos, “mas a falta de meios materiais para enfrentá-la é o grande desafio para a materialização da iniciativa”.
O Democrata constatou, no bairro de Ponta Neto (em Bôr), que algumas casas próximas às valas têm tubos de casas de banho canalizados à fossa de fezes e à fossa rota de água ligados diretamente ao riacho que vai dar ao Rio e à ponte, uma situação criticada pelos próprios jovens moradores, que revelaram que quando chove intensamente, a inundação e a água levam as fezes humanas até às portas das casas vizinhas.
Os jovens lamentaram a forma como alguns moradores, próximos da Ponte, se preocupam apenas com os seus umbigos, construindo muros para se protegerem da água, e criam complicações aqueles que não estão em condições de vedar as suas casas.
“Há dias quase zangamo-nos com o nosso vizinho do lado, que construiu muros e fez um buraco onde não devia ter feito. Se a água não tiver como sair, corre e faz paragem nas nossas zonas”, explicou a jovem Samira Gomes.
Sobre o assunto, Ulaimatu Baldé, uma das proprietárias que tem a canalização de casa de banho para o riacho, disse que na época das chuvas é difícil construir uma fossa rota, porque a intensidade da água acaba por estragá-la.
Baldé relatou com tristeza que os moradores do bairro não têm paz, porque são obrigados a conviver com tudo, mesmo correndo riscos. Disse que cada chuviscar é uma constante preocupação para procurar esconderijos para as crianças, até passar o pesadelo. Lembrou na sua explanação que já passaram por ali várias entidades, prometendo melhorar o nível de vida da população, mas que até agora nada tinha sido feito.
A moradora frisou que já estão cansados de contar a mesma história de água à imprensa e outras entidades sem que tenha havido, pelo menos, uma faísca de mudança. A idosa de aproximadamente 60 anos de idade, que vive nos arredores da Ponte de Bôr, apelou à rápida intervenção de todas as pessoas de boa vontade, em particular do governo para melhorar a situação dos cidadãos daquela localidade, porque são famílias carenciadas e os filhos não têm emprego que lhes garanta uma remuneração aceitável para construir casa própria.
“Todos os anos, a maior preocupação de todos que vivem nessa zona é que não aconteça um desastre”, frisou Ulaimatu Baldé. Contudo, essa lástima despertou em muitos a vontade de falar sobre o assunto para desabafar e revelar o mau convívio com a natureza.
“Os nossos meninos adoecem sempre por causa da frieza causada pela humidade e água suja que invadem as nossas casas”, criticou.
No bairro de Quelelé, os moradores afirmaram que já não conseguem praticar as atividades agrícolas, devido à água salgada que invade todos os anos a bolanha, estraga todo o cultivo e inunda as casas. Aproveitaram para apelar ao governo no sentido construir a estrada que liga o bairro de Bôr ao mercado de caracol e proceder à abertura de valas ou fazer drenagens de qualidade para permitir a circulação completa da água.
MADINA: MORADORES ACUSAM GOVERNO DE FALTA DE INTERESSE EM RESOLVER SEUS PROBLEMAS
Os jovens residentes naquele bairro periférico de Bissau acusaram o governo de falta de interesse em resolver os problemas que assolam os habitantes do bairro, “tudo o que é de pior existe em Cuntum Madina”, disseram.
Benjamim Quintino da Silva, morador de Cuntum Madina, lembrou que, apesar de várias diligências feitas junto das autoridades para resolver a situação da inundação e outras situações, nada surtiu efeito e que “Cuntum Madina continua a ser um dos piores bairros de Bissau, com falta das estradas, bolanhas inundadas ou estragadas por água salgada, lixo por todos os lados, a falta de drenagem nas estradas e quando chove na época das chuvas, a água invade as casas”.
“Essa bolanha encontra-se num estado avançado de degradação, portanto não creio que seja fácil a sua recuperação. Tentamos de várias formas, mas a água salgada não está a facilitar os trabalhos e tem cortado recorrentemente os diques, isso precisam da intervenção especializada do governo”, assinalou.
Os jovens criticaram duramente a sociedade guineense pela forma como trata o lixo. “Basta cair a chuva e começam a deitar lixo na água que faz paragem nas nossas portas, essa situação é imoral, por isso tem que se começar a pensar urgentemente no saneamento básico, na moralização da sociedade, sobretudo no que tem a ver com o tratamento de lixo e ter um meio ambiente saudável”, aconselharam.
A nossa reportagem fez também um passeio longo pelas bolanhas do bairro de Jericó, uma localidade circundada por pequeno rio que liga o troço de Caracol à bolanha de Santa-Lágua, para se inteirar da situação dos moradores desse bairro e medir o pulso sobre à situação higiênico-sanitária local. Porém, a realidade encontrada no local é mesma que a dos outros bairros e clamam por melhoria da sua situação.
CÂMARA MUNICIPAL DE BISSAU AFIRMA QUE FALTA DE URBANIZAÇÃO É OBSTÁCULO AO SANEAMENTO
Contatado pelo nosso semanário para falar da situação de bairros inundados pela chuva por causa de lixos que dificultam a circulação de água nas valetas, o diretor do Serviço de Saneamento, Proteção Civil e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Bissau (CMB), João Intchama, afirmou que a falta de urbanização da cidade de Bissau tornou-se num obstáculo à edilidade, sobretudo aos agentes de saneamento básico de aceder ao interior de nalguns bairros, nomeadamente: o Jericó e o Cuntum Madina.
Em reação à preocupação dos moradores de Cuntum Madina e Jericó levantada em relação ao saneamento básico e à inundação, João Intchama frisou que esse assunto ultrapassou a capacidade dos serviços de saneamento da Câmara Municipal de Bissau e requer uma intervenção urgente do governo no que tem a ver com a construção de grandes valas e esgotos.
Sobre a situação da Ponte de Bôr e do bairro de Quelelé, Intchama esclareceu que esses dois bairros não estão no mapeamento da capital Bissau e que o serviço de saneamento da CMB tem a sua intervenção limitada apenas à cidade Bissau.
“É preciso que o governo comece a pensar que é urgente construir valas e esgotos na cidade. Temos uma situação no bairro de ajuda, “Fim de Alcatrão”, com uma vala em fase avançada de degradação e que quase atingiu a varanda de um dos moradores, e aquela situação constitui uma forte ameaça, não só para o proprietário da casa, como também para muitas pessoas”, advertiu.
Intchama realçou que tendo em conta a previsão meteorológica, será preciso criar uma política de evacuação dos moradores das zonas húmidas para evitar qualquer eventualidade que possa ser causada pelas fortes chuvas, sobretudo no mês de agosto, o mês mais chuvoso. Porém, criticou os ocupantes ou proprietários por construírem as habitações nas zonas improprias sem consultar os técnicos da Câmara Municipal de Bissau para que pudessem fazer o seu trabalho ou procedessem ao um estudo do impacto ambiental.
Aconselhou, por isso, as populações que residem nessas zonas húmidas a desalojarem-se desses lugares para que, depois do período das chuvas, o governo possa tratar da situação da melhor maneira possível sem muita pressão, tendo sublinhando que é necessário que os ocupantes ou proprietários das casas respeitem as regras de construção.
O diretor do Serviço de Saneamento, Proteção Civil e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Bissau apelou à sociedade em geral para evitar vazar o lixo nas valas, porque na época das chuvas esses resíduos atrapalham a circulação da água, o que provoca inundações nos bairros e a contaminação das bolanhas.
Na entrevista, João Intchama disse que a falta de colaboração da população tem criado dificuldades enormes aos agentes de Câmara, sobretudo no horário e lugares identificados ou permitidos para os moradores colocarem o lixo.
João Intchama frisou que é preciso trabalhar mais na questão de sensibilização da população e consciencializá-la a ter noções de tratamento do lixo.
Por: Djamila da Silva
Foto. D.S