
[ENTREVISTA agosto_2020] As organizações infantis lamentam o bloqueio das suas atividades devido crise sanitária que assola o mundo e que já afetou também mais de dois mil guineenses e causou mais de trinta óbitos, pedem ajuda às autoridades nacionais e organizações internacionais para a execução dos seus programas de sensibilização sobre a prevenção do coronavírus por outros canais, incluindo digitais. Estas foram as preocupações dos responsáveis de duas organizações infantis entrevistados pelo nosso semanário. Trata-se do presidente do Parlamento Nacional Infantil (PNI), Sabastião Tamba Júnior (Jr) e da presidente da Rede Nacional de Jovens Mulheres Líderes da Guiné-Bissau (RENAJELF-GB), Fatumata Sané.
O líder do PNI revelou na entrevista que o número de violações dos direitos das crianças aumentou substancialmente nos últimos tempos, pelo que defendeu a necessidade de o governo dar seguimento aos problemas que as crianças guineenses enfrentam. A responsável da RENAJELF-GB defendeu por sua vez, a criação de uma lei que criminalize o assédio sexual, como forma de desencorajar o fenómeno, que segundo a ativista a “sociedade normalizou”.
LÍDER DO PNI: ” ESTADO DE EMERGÊNCIA NÃO SUBSTITUI OS DIREITOS DAS CRIANÇAS”
O presidente do Parlamento Nacional Infantil (PNI), Sebastião Tamba Júnior, acusou o governo de falta de vontade para priorizar a discussão e, eventualmente, aprovar o diploma que poderia servir de instrumento que pudesse assegurar a institucionalização do PNI pelo Estado da Guiné-Bissau, para garantir a estabilidade organizacional e evitar disperdiçar oportunidades com os parceiros internacionais, o que beneficiaria muito as crianças guineenses.
“Queremos que a Assembleia Nacional Popular priorize a questão desse documento antes do fim da nossa legislatura, para que os futuros deputados não tenham que perder mais oportunidades”, notou.
Na entrevista, Sebastião Tamba Jr criticou o uso excessivo e descontrolado da internet por parte das crianças guineenses, sobretudo em tempos de confinamento e afirmou que na primeira sessão educativa da organização infantil, presvista para breve, será ministrado o tema sobre as vantagens e desvantagens da Internet em crianças.
O líder infantil desafiou o governo, através do ministério da Educação, a sentar-se à mesa com o PNI para discutir a continuidade de aulas na Guiné-Bissau e juntos encontrar soluções para uma educação de qualidade e acessível para todas as crianças guineenses.
“Depois disso, vamos elaborar um conjunto de recomendações para entregar ao ministro da Educação Nacional”, realçou para de seguida, lamentar as dificuldades que o parlamento infantil enfrenta a nível das suas estruturas regionais, que não dispõem de gabinetes para encontros.
Segundo Tamba Jr, dada às necessidades e a urgência de certas matérias, às vezes os membros regionais são obrigados a reunirem- se debaixo de árvores. O presidente revelou também que a questão da comunicação constitui uma “dor de cabeça” e tem impedido as estruturas regionais de estabelecerem comunicação, tanto entre si quanto com o PNI, sobre certas violações que acontecem nas regiões.
Na mesma entrevista, o representante das crianças guineenses revelou que o número de violações dos diretos das crianças aumentou substancialmente, pelo que defendeu a necessidade de o governo a dar seguimento aos problemas que as crianças guineenses enfrentam.
“O estado de emergência não substitui os direitos das crianças”, afirmou para de seguida esclarecer que para as próximas sessões educativas a terem lugar em Bissau, não será necessário deslocar as estruturas regionais para a capital, devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus (Covid-19). Porém, assinalou que dois delegados de cada região poderão seguir essas sessões online direto, para depois fazer a restituição para as respetivas estruturas regionais.
“Estará à dispisição de todos a página oficial do Parlamento Nacional Infantil do Facebook e um resumo do vídeo daquela que será o teor das sessões educativas “, assegurou.
Tamba Júnior frisou que, apesar do surto da pandemia que paralisou as ações do PNI, a organização que lidera pretende abrir um Web Site e criar um canal no YouTube para publicação de vídeos sobre a necessidade de prevenção do covid-19, bem como debruçar sobre matérias que possam fornecer informções às crianças e à sociedade em geral, sobre os instrumentos que defendem e promovem os direitos da criança.
Para diminuir a pressão psicológica que o mundo tem vivido com a crise sanitária nas crianças, o presidente do PNI informou que nas sessões educativas será trabalhado a componente do desenvolvimento pessoal e relançar os talentos de muitas crianças. Tema como a saúde sexual reprodutiva também fará parte dos debates, para que os encarregados da educação não continuem a tratar desse assunto como um tabu.
RENAJELF-GB: DEFENDE CRIAÇÃO DA LEI QUE CRIMINALIZE O ASSÉDIO SEXUAL
A presidente da Rede Nacional de Jovens Mulheres Líderes da Guiné-Bissau (RENAJELF-GB), Fatumata Sané, defendeu a criação de uma lei que criminalize o assédio sexual, como forma de desencorajar “um fenómeno que a sociedade normalizou”.
“É necessário que haja uma lei específica que criminalize o assédio sexual, para que os magistrados não tenham que procurar um conjunto de ferramentas para chegar a um consenso”, indicou.
Fatumata Sané revelou que a RENAJELF pretendia avançar com a elaboração de uma proposta lei que criminalize a prática, para ser discutida e eventualmente, ser aprovada na Assembleia Nacional Popular, mas com a crise sanitária os trabalhos não evoluíram. Contudo, informou que na primeira fase do projeto conseguiram realizar uma campanha de sensibilização sobre a temática para dar a sociedade a conhecer os perigos que o assédio representa numa sociedade.
“Os professores, as alunas, as direções de escolas, os pais e encarregados da educação, os magistrados, as autoridades policiais e as organizações da sociedade civil foram sensibilizados e na segunda fase seria elaborada a proposta de lei de criminalização do ato” precisou.
Sané salientou que as jovens raparigas e mulheres são as que mais sofrem do assédio sexual. Exemplificou as escolas e locais de serviços como lugares onde a prática é frequente, tendo alertado que muitas vezes essas pessoas não sabem que se encontram em situações de assédio sexual.
A também médica de profissão exortou o governo a adotar a nova forma de funcionamento e de continuidade das aulas porque, segundo defendeu, a educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento. Nesta senda, apelou à aplicabilidade das leis que protejam os direitos das mulheres e jovens raparigas.
Fatumata Sané referiu que é preciso investir na educação das meninas para ter uma sociedade próspera e ideal, com mulheres empoderadas social e economicamente. Porém, lembrou que a juventude constitui uma camada maioritária da população guineense e as meninas ocupam maior número dessa camada. Neste sentido, apelou a um investimento sério no setor da educação, com enfoque nas meninas das regiões.
A líder da organização que luta pelos direitos das meninas defendeu igualmente que deve haver uma disciplina na escola que fale da educação sexual compreensiva, para dar oportunidade às meninas de conhecerem os seus direitos relativamente à sua saúde sexual e reprodutiva, porque “pode ajudá-las a cuidarem-se de si para evitar a gravidez precoce e infantil e de doenças sexualmente transmissíveis”.
Fatumata Sané chamou atenção das meninas para começar a tomar a questão do empoderamento muito sério no meio onde estão inseridas. Disse ainda que o governo precisa apostar nesse fenômeno para que haja uma sociedade justa e empoderada.
A líder realçou que, apesar das dificuldades, regista-se um avanço na forma de pensar e agir das meninas guineenses, mas que ainda deve ser reforçada todos os dias. A jovem criticou duramente algumas meninas que se aproveitam do conceito para justificar comportamentos inadequados.
Sané alertou às meninas para estarem atentas a situações que possam constrangir a sua integridade intima e ter a capacidade de dizer não, com voz de comando e em caso de persistência da violação, que recorram às autoridades para denunciar o ato. Aos pais encarregados da educação, Fatumata Sané pediu que estejam em alerta às mudanças de comportamento das filhas, tanto do ponto de vista de violações como de outras situações.
Fatumata Sané revelou que na vigência da pandemia, a organização elaborou um projeto que já foi lançado. O projeto, segundo a ativista, é sobre a revisão da agenda “Beijing+25”, que decorrerá durante um ano.
Por: Djamila da Silva
Foto: D.S