Editorial: GUINÉ-BISSAU, A PARTIDOCRACIA E SEUS EFEITOS!

O colapso de Estado guineense é uma realidade conhecida de todos os guineenses. Entre várias causas que conduziram a essa erosão do aparelho do estado está, no centro, a proeminência dos partidos políticos. A era do partido Estado que vigorou da proclamação da independência ao início da década noventa do século passado, deixou vestígios ainda vivos.

Na verdade, o absolutismo que caraterizou a primeira fase da construção de Estado deixou apenas de existir no papel, em termos formais, mas na prática, os políticos não assimilaram a realidade de um poder estruturalmente forte que funcione à margem das vontades de pessoas, partidos e grupos de interesses.

O multipartidarismo, apesar do cerimonial batismal, não passou de um mito atrás do qual, ao invés de um, vários partidos exercem a sua dominação  sobre o martirizado povo. Da dominação monopolística passamos à dominação pluralística. A vítima, o povo guineense, foi sistematicamente formatado a beber a água turva de dominação, de exploração e de humilhação.

O primeiro esquema de formatação foi a transformação brutal da ideologia revolucionária por uma ideologia reacionária ao serviço da elite dirigente e toda clientela que a acompanha. Do ideal revolucionário passou ao conservadorismo dos privilégios de quem manda em detrimento da miséria do povo. Um sistema que eu chamo aqui de partidocracia que governa a Guiné há quase trinta anos.

O denominador comum entre o Partido-Estado do século último e a partidocracia do presente é a supressão, por mecanismos vários, da inteligência do povo que, progressivamente se alimenta do mito partidário. Do militantismo ao partido é cimentado com o afastamento do patriotismo, da escola e de qualquer referência ao saber científico.

A implementação desse sistema permite o crescimento da partidocracia e sua consolidação material e espiritual. A consequência disto é sem dúvida a morte do Estado em detrimento da veneração de líderes políticos. A influência política é condição para afirmação social e chave para ter acesso aos recursos. Quem manda na verdade são os partidos políticos. Em aliança de conivência com a classe castrense, os políticos edificaram sabiamente um sistema que só promove a estagnação social.

O conhecimento foi relegado para o penúltimo plano e a meritocracia para o último.  O ensino de qualidade foi suprimido e no seu lugar instalou-se o ensino de “bana bana” e dubriagem. Os colégios (internatos) trocados com nada. Salve-se quem puder e a sociedade mentalizada em como o conhecimento só se adquire no estrangeiro. Os efeitos da partidocracia são vários e atingem todos os segmentos da sociedade, com maior ênfase para a administração pública e a justiça. A partidarização da Função Pública é gritante.

Durante as campanhas eleitorais, fala-se muito em reforma e aplicação de concursos públicos para resgatar a eficiência e a meritocracia. Na prática tudo não passa de slogans vazios e enganadores.

Os ministros são nomeados para cumprir agenda do seu partido donde os nomes lhe são enviados para nomeação no aparelho estatal, independentemente do perfil. Nomeações com base partidária permitem aos partidos assegurarem um efetivo controlo sobre as forças vivas (jovens e mulheres) categorias essenciais para uma vitória eleitoral.

Fechada a porta da meritocracia através de competições transparentes, cada um entra no sistema instalado com suas táticas de adaptação. O setor judiciário, embora moribundo há décadas, ganhou a fama de convivência com os políticos. A promiscuidade já não é segredo. No leque de efeitos, a partidocracia não permite o florescimento de uma cidadania ativa, indispensável válvula no monitoramento da governabilidade num país. Os cidadãos têm a única certeza de serem cidadãos apenas nos seus bilhetes de identidade e passaportes. O resto é mesmo resto. A pobreza é cada dia socializada, o povo é ensinado a sofrer, a intrigar e a mesquinhar. Na partidocracia guineense, o político tem imunidade vitalícia sustentada pela passividade do cidadão formatado!

Por: Armando Lona

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