[Dezembro de 2020] Após 13 anos da sentença proferida pelo Tribunal Regional de Gabú, as vitímas do acidente que envolveu 14 jornalistascontinuam a reclamar a execução da decisão judicial que obriga o Estado guineense a indemnizá-las, incluindo os familiares dos que morreram no acidente e os sobreviventes. Foram no total 14 jornalistas envolvidos no acidente a 01 de dezembro de 2005, quando viajavam para Gabú para cobrir as atividades comemorativas do dia mundial de luta contra Sida, 01 de dezembro, organizado pelo Secretariado Nacional de Luta Contra SIDA (SNLS).
O acidente que vitimou mortalmente dois jornalistas, de acordo com as explicações do então presidente do SINJOTECS, Mamadu Candé, terá sido provocado por “negligencia mecânica” e excesso de velocidade. As vítimas mortais foram Aruna Djamanca do então Jornal “Kansare” e Sorri Baldé da Televisão da Guiné-Bissau.
O Democrata apurou que o tribunal decidiu que o Estado da Guiné-Bissau pagaria uma indemnização estimada em 78,5 milhões de Francos CFA, o que nunca chegou a acontecer. Na sentença, o tribunal explicou de forma detalhada a divisão do montante da indenização às vitimas, incluindo os familiares dos que morreram. A indemnização serviria para que as vítimas pudessem ter o devido acompanhamento médico e as famílias dos dois falecidos beneficiariam de 18 milhões de francos CFA.
EX-PRESIDENTE DO SINJOTECS: “INSTABILIDADE POLÍTICA CONDICIONA INDEMNIZAÇÃO DE JORNALISTAS“
Em entrevista ao jornal O Democrata, Mamadu Candé, jornalista e antigo presidente do Sindicato de Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social (SINJOTECS), lamentou o ocorrido e a perda irreparável de vida das duas vítimas mortais, recordando que eram profissionais com os quais tinha uma amizade não só de trabalho, mas de irmãos.
O ex-líder sindical lembrou que antes de SINJOTECS ter recorrido à justiça reuniu-se, primeiro, com o SNLS, o que acabaria por agravar a ainda mais a situação, porque ainstituição não queria assumir a responsabilidade, porque sabia que o carro alugado tinha problemas de pneus, o que supostamente terá causado o acidente.
Explicou que na altura tiveram troca de mimos com a então direção do SNLS, sobre “de quem era a responsabilidade”, só depois, decorridos dois anos, já em 2007, “é que tivemos a intervenção do Tribunal de Gabú, leste do país, que atribuiu a responsabilidade ao governo, através das duas secretarias de Estado.
“O Juiz que tinha o processo criou alguns entraves e condicionou que entrássemos com algum dinheiro. Tivemos que contrair empréstimo para que pudéssemos sustentar o processo”, lembrou. Apesar de tais entraves, Candé afirmou que o sindicato teve apoios das autoridades, particularmente do então Presidente da República, João Bernardo Vieira “Nino” e do Aristides Gomes, primeiro-ministro, na altura.
“Na sequência desses apoios, alguns dos nossos colegas foram evacuados de imediato para Dacar (Senegal) e com os mesmos apoios, foram realizados os funerais das vítimas mortais”, assinalou. Contou que durante estes anos nunca o sindicato sofreu pressão dos familiares nem das vítimas relativamente à indemnização, tendo frisado que na altura, a sua direção fez diligências para que os jornalistas vítimas do acidente fossem indemnizados, de acordo com a sentença do tribunal. Porém, disse acreditar que a instabilidade política que o país tem vivido tenha condicionado a efetivação da indemnização.
“Muitos dizem que 80 milhões é pouco, mas nunca chegaram a pagar a indemnização”, disse e exortou a atual direção sindical dos jornalistas a continuar a dar seguimento ao processo para que seja cumprida a sentença determinada pelo Tribunal.
“Há pessoas que não acreditavam em nós e pensavam que nós tínhamos desviado o dinheiro que nunca chegou às nossas mãos”, notou e lembrou que Silvestre Alves, advogado de defesa, prestou, de forma voluntária o serviço sem custos, sob condição de que não exigiria nada até que o processo ficasse concluído.
ADULAI DJALÓ CRITICA GOVERNO POR FALTA DE VONTADE DE INDEMNIZAR JORNALISTAS
Para Adulai Djaló, uma das vítimas que teve lesões na cabeça, o Estado guineense não está interessado em cumprir a sentença determinada pelo Tribunal de Gabú. No seu entender, poderia ter sido implementada há muito tempo, a indemnização de 78 milhões de francos CFA, se houvesse vontade da parte do governo.
Adulai Djaló responsabilizou o governo pelo estado de saúde de alguns colegas que atualmente se encontram doentes e traumatizados, devido à falta de vontade e considerou “dinheirinho” os 78 milhões para um Estado que, por negligência, contribuiu para que o acidente acontecesse. Tendo lamentado pela vida dos colegas que pereceram no acidente, bem como a falta de colaboração do Estado, porque “foi condenado neste processo de forma solidária, por ser ele quem tutela o Secretariado de Luta contra Sida”.
“Recordo esta data com muita mágoa, porque no exercício da minha profissão sofri um acidente e o Estado não tem demostrado em nenhuma circunstância, interesse sobre o nosso estado de saúde. Apenas solicitaram um avião militar, mas aquilo era apenas para o inglês ver, porque em Dacar fomos atendidos por estagiários, que nos assistiram sem fazer scanner, apenas curativos normais. E hospedaram-nos numa pensão”, recordou com mágoa este jornalista ainda em exercício no jornal Nô Pintcha.
Segundo Adulai Djaló, os tratamentos a que foram submetidos em Dacar, resultaram na entrada em coma de um dos acidentados, devido ao quadro grave que apresentava. Djaló afirmou que alguns colegas estão atualmente doentes em resultado da falta de dinheiro para tratamento adequado.
Adulai entende que a falta de união no seio da classe jornalísticas levou o Estado a ganhar manobras e a não cumprir a decisão judicial ditada há já 13 anos, porque “é um crime público e foi julgado como tal”. Realçou o gesto importante do advogado Silvestre Alves por ter-se solidarizado e patrocinado o seu caso contra Estado, apenas com a condição de caso vencessem teria uma percentagem.
Exortou a união entre jornalistas para que se possa mudar o rumo da classe positivamente para que os jornalistas possam ter o devido respeito e condições de vida aceitáveis e contribuir mais para a edificação do estado de direito democrático e no desenvolvimento do país.
JORNALISTA LEMBRA QUE O MOTORISTA FOI PRESSIONADO PELOS PROMOTORES DO EVENTO
Ângelo da Costa, uma das vítimas do acidente de 01 de dezembro de 2005, recorda que o acidente terá sido provocado pela pressão que o motorista teria recebido das entidades envolvidas na organização do dia mundial de luta contra Sida, em 2005, porque queriam que os jornalistas chegassem quanto antes ao local, antes do início da comemoração.
“Depois de muita pressão, o motorista emocionou-se e começou a andar com excesso de velocidade sem levar em consideração a condição da viatura em que seguiriam”, contou. De acordo com Ângelo da Costa, o primeiro susto aconteceu em Mafanco, arredores de Gabú, quando o pneu de frente arrebentou e levou as pessoas a entrarem em pânico.
“Mas como isso nunca tinha acontecido comigo, levantei-me e fiquei de pé. O vosso chefe, Assana Sambú, acalmou-me e mandou-me sentar. Mal acabei de me sentar, a viatura capotou e em consequência morreu logo no local o nosso colega, Aruna Djamanca do então Jornal “Kansare”, pai do atual Diretor da televisão da Guiné-Bissau. Morreu porque bateu a cabeça na estrada e não resistiu ao choque”, narrou. Relatou que foi alertado da morte de Aruna Djamanca por Altizar Mendes Pereira e pouco depois descobriram que outro colega, Sori Baldé da TGB, também estava com hemorragia interna.
“Foi evacuado de imediato numa ambulância para o Hospital Regional de Gabú, lá não conseguiu nenhuma assistência nem primeiros socorros e a caminho de Bissau recebemos informações que não resistiu aos ferimentos, portanto perdemos dois colegas”, lamentou
O jornalista da Agência de Notícias da Guiné (ANG) lembrou que quando o processo foi julgado no Tribunal Regional de Gabú, o delegado do Ministério Público que foi representar oEstado guineense no julgamento era Bacar Biai, que mais tardefoi Procurador-Geral da República, o juiz era Francisco… Do Tribunal de Gabú e quem chefiou o coletivo dos advogados foi o Dr. Silvestre Alves.
“O processo foi julgado. Ganhamos a causa, mas tudo ficou complicado na fase de execução da sentença”, precisou.
Segundo o jornalista, que se encontrava no grupo, entre os de órgãos públicos e privados, tudo se terá complicado na fase de execução da sentença que começaria com a apreensão de bens do Secretariado Nacional de Luta Contra Sida (SNLS), como forma de pressionar o Estado. Aliás, porque é uma instituição tutelada pelo gabinete do primeiro-ministro.
Ângelo da Costa disse desconhecer por que razão a sentença não foi executada, tendo lembrado que, em nenhuma parte do mundo é negado o direito à pressão para fazer cumprir uma decisão judicial, nesse caso, a sentença transitada em jugado.
“Se continuarmos passivos seremos vítimas duas vezes”, alertou e acusou a anterior direção do sindicato de Mamadu Candé de nada ou pouco ter feito para o cumprimento da sentença, mas teve coragem de negociar com Hugo Monteiro, ex-Secretário Executivo do SNLS para que este debloqueasse um fundo, sabe-se lá, de 12 milhões de Francos CFA, para compra de mobiliários com os quais seria equipada a sede do Sindicato de Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social (SINJOTECS), no bairro d’Ajuda”, criticou. O jornalista confirmou que a sede foi equipada, mas a parte remanescente dos supostos 12 milhões de francos CFA sumiu.
Chocado com a situação, Ângelo da Costa disse não compreender como é que uma organização que defende a classe jornalista aceita tomar uma decisão destas e com quem ganhou a causa no tribunal e lhe deve uma indemnização de 78, 5 milhões de francos FCFA, que seriam distribuídos para cada jornalista vítima, mediante a gravidade dos seus ferimentos.
“Infelizmente, hoje não temos a sede e alguns dos mobiliários foram parar na ANG. É desumano negociar sangue de outrem sem consentimento das vítimas”, criticou.
Como solução, Ângelo da Costa anunciou que as vítimas vão desencadear um conjunto de mecanismos para assumir o processo e conduzi-lo juntamente com o coletivo dos advogados, porque “a indemnização é um direito já adquirido e como tal deve ser paga e acreditam que vão pressionar até que o dinheiro seja colocado nas mãos das vítimas”. Apesar de tantas resistências, da Costa disse estar na posse de informações em como a atual direção do SINJOTECS teria mantido encontro com o Presidente da República, Úmaro Sissoco Embaló, que terá manifestado abertura em colaborar e usar a sua influência para a execução da sentença.
“Mas isso não nos tira o nosso direito de reclamar o que é nosso e se for necessário vamos até à Procuradoria-Geral da República, porque é absurdo o que se passa nesse processo. Temos o tio Pedro deitado. Não pode movimentar-se resultado do acidente e muitos continuam com esse trauma. Por exemplo, Adulai Djaló de Nô Pintcha também”, lembrou.
SINJOTECS QUER QUE 1 DE DEZEMBRO SEJA INSTITUCIONALIZADO COMO DIA NACIONAL DE JORNALISTAS
Interpelada pelo O Democrata, a presidente do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social (SINJOTECS), Indira Correia Baldé lamentou o fato de até agora alguns jornalistas sinistrados não terem tido consulta especializada e devido tratamento.
“Já se passaram quinze anos sem indemnizar ninguém, apesar do que seria o papel do Estado honrar o compromisso que assumiu perante a justiça, de indemnizar as vítimas. Dinheiro não é nada igual a vida humana”, disse. Informou que a direção que lidera tem feito diligências junto das autoridades, particularmente as atuais e junto do Presidente da República, Úmaro Sissoco Embaló, que também prometeu jogar a sua influência junto das finanças públicas para efetuar a indemnização.
Perante estes fatos, a presidente do SINJOTECS disse estar confiante que vai haver indemnização, de uma ou de outra forma, apesar de o valor ser ínfimo para compensar os familiares das vítimas mortais, bem como as restantes vítimas que estão a precisar de tratamento especializado.
“Tenho fé que o Estado vai pagar a indeminização e tem que pagá-la. O sindicato está a lutar junto da ANP, para que a data de 01 de dezembro seja instituída como dia Nacional dos Jornalistas guineense”, anunciou.
“Enviamos correspondências com copias do processo e da sentença, mas até agora não fomos chamados pelo executivo”, afirmou.
Por: Epifania Mendonça
Dezembro de 2020