CONTRABANDO DE MEDICAMENTOS: UM NEGÓCIO QUE ENVOLVE POLÍTICOS E OFICIAIS MILITARES

Em dezembro último [2020], a Inspeção Geral de Atividades em Saúde encerrou as portas da Saluspharma, uma das empresas portuguesas de importação e distribuição de medicaments na Guiné-Bissau. A notícia levou o jornal O Democrata a iniciar uma investigação sobre o braço de ferro entre a Inspeção e a empresa. A nossa investigação estendeu-se às outras pistas e ao contrabando que domina, de forma ilícita, o mercado de medicamentos no país. 

Os motivos evocados pela Inspeção Geral para parar as atividades da Saluspharma prendem-se com o incumprimento dos termos do contrato celebrado, em 2017, com o governo da Guiné-Bissau. Ao abrigo do qual a empresa lusa compromete-se a estender as suas estruturas para todo o território nacional num prazo de 18 meses. Fonte do Ministério de Saúde avançou a O Democrata que para além do incumprimento contratual, o responsável da Saluspharma tem sistematicamente recusado a colaboração com a Inspeção-geral de Atividades em Saúde e essa atitude é vista como uma afronta à instituição vocacionada para ocontrolo de atividades sanitárias no país. A inspecção igualmente atribui responsabilidade à Saluspharma sobre a “recorrente” falta de medicamentos e aumento de preços no mercado.

“A inspeção enquanto órgão competente de controle de atividades sanitárias solicitou ao responsável da empresa, David Peixoto a apresentar documentos, incluindo a licença, cópia de contrato. Essa solicitação não foi atendida”, informou a fonte. Adiantou igualmente que aquele responsável recusou conformar-se com a solicitação, alegando que tais informações poderiam ser encontradas dentro do Ministério de Saúde. A attitude dePeixoto, vista como “desafiadora” e logo merecedora de sanções à luz da lei”, contou a nossa fonte.

SALUSPHARMA PROCURA REFÚGIO NA PRIMATURA PARA CONFRONTAR MINISTÉRIO DE SAÚDE

O Democrata soube que o enceramento das instalações da Saluspharma terá durado apenas algumas horas. As portas foram reabertas por ordens da Primatura, conta a nossa fonte, explicando que o Ministro da Saúde Pública terá sido pressionado pelo Ministro da Presidência de Conselho de Ministros e também vice primeiro ministro, Soares Sambú. O responsável da Saluspharma foi recebido na Presidência da República, e a nossa fonte suspeita que a tal deslocação ao Palácio visava contornar o encerramento da empresa. Peixoto negou essa acusação, explicando que a sua ida ao Palácio tinha outro propósito. 

Outro assunto na origem da “guerra” entre a Inspeção-geral de Atividade em Saúde e a Saluspharma está uma aquisição de materiais médicos pelo Alto Comissariado para o Covid-19, semconcurso público. Fonte do ministério da Saúde Pública indicou que a informação fora comunicada à inspeção pelo próprio responsável da empresa, durante uma reunião na sede da Inspeção. “Quando fora solicitado por escrito a fornecer a lista de medicamentos e materiais comprados pelo Alto Comissariado, a Saluspharma não se dignou a cooperar, alegando que tais informações podiam ser confirmadas junto do interessado, comprador, nesse caso o Alto Comissariado para aCovid-19. 

Entretanto, O Democrata confirmou que a aquisição de medicamentos e materiais de proteção num valor de trezentos sessenta e três milhões e quinhentos dezanove mil e quinhentos (363 519 500) F.CFA junto da Saluspharma. A Alta Comissária, Magda Nely Robalo indicou que a estrutura que dirige não optou pelo concurso público tendo em conta o contexto de emergência em que se encontrava na altura. 

“O que fizemos foi um concurso interno. Convidamos asempresas que nos enviem propostas e entre as empresas sondadas a Saluspharma era a única que reunia as condições para atender às nossas necessidades urgentes. A Ulti Médica Guiné Saúde, SARL não dispõe de medicamentos e materiais requeridos. A empresa Guipharma não tem disponibilidade de medicamentos e sofargui está fechada por decisão judicial”, explicou aquela responsável.

Entretanto, perante às acusações da Inspeção que terão justicado o enceramento temporário da Saluspharma, David Peixoto desmente as mesmas e acusa a Inspeção-geral de Atividades em Saúde de perseguições. Segundo Peixoto, a Inspeção não chegou de apresentar um relatório como resultado de inspeção das atividades da empresa e acha absurda a decisão de mandar fechar uma empresa sem nenhuma inspeção feita previamente. Informou que a sua empresa endereçou várias correspondências sobre diferentes assuntos, mas o Ministério e a Inspeção-geral de Atividades em Saúde não responderam.

Ademais, o responsável da Saluspharma acusa o Ministério de Saúde Pública de violação sistemática de contrato de exclusividade de quatro anos, celebrado em 2017.  Nos termos do referido contrato, o Ministério de Saúde Pública comprometia-se a impedir que as farmácias importassemmedicamentos para o país. Peixoto conta que essa disposição não chegou a ser cumprida. 

“As farmácias e outros agentes continuam a importar medicamentos ilegalmente. Há um mercado paralelo de importação de medicamentos. O atual governo, através do Ministério de Saúde Pública, está para recrutar brevemente mais um grossista o que será mais uma gritante violação do contrato de exclusividade” disse para de seguida, lembrar outros episódios que terão motivado a que a sua empresa apresentasse queixa ao Ministério Público.

Sobre alegada falta e aumento dos preços de medicamentos no mercado, o responsável da Saluspharma afirma que essa estrutura tem neste momento uma reserva de um bilião em medicamentos de que o país precisa. Acusa algumas farmácias de fazer propaganda para denigrir a imagem da empresa por terem interesses em importar medicamentos diretamente de fora. 

“As farmácias continuam a importar medicamentos descontroladamete perante à inércia do Ministério da Saúde Pública”. Peixoto acusa igualmente o atual Inspetor geral adjunto, Domingos Sami, de perseguição contra a sua empresa,numa clara postura de vingança. “Enquanto diretor da Farmácia do Hospital Nacional Simões Mendes, o Domingos Sami recusara receber medicamentos doados pela Saluspharma aquele estabelecimento e nós denunciamos o ato junto do Ministério da Saúdede Pública. Por isso, interpretamos as investidas actuais da inspeção como retaliação”, acrescentou Peixoto.

ALTO COMISSARIADO E MINISTÉRIO EM DISPUTA SILENCIOSA SOBRE A GESTÃO DE FUNDOS DA COVID-19

Outra disputa opõe também a atual liderança do Ministério de Saúde e o Alto Comissariado para o Covid-19. Fonte fidedigna avançou ao nosso jornal que a disputa preende-se essencialmente com a gestão de fundos doados para o combate à pandemia e isto tem alimentado crispação entre as duas entendidas. O Ministro da Saúde Pública emitiu, a 15 de Outubro, um despacho para importação de 20 contentores de medicamentos para o combate àpandemia do coronavírus. Segundo a nossa fonte, o Alto Comissariado para covid-19 não foi consultado na tomada da decisão de importar medicamentos. 

O Democrata apurou igualmente na sua investigação que o mercado de importação de medicamentos na Guiné-Bissau é invadido por agentes sem credenciais que atuam em total informalidade e em conivência com agentes de Estado, nomeadamente Alfândegas e Comércio. A principal porta de entrada ilícita de medicamentos ao país continua a ser a fronteira terrestre com o Senegal e a Guiné-Conacri, mas também por via marítima. 

Os medicamentos são dissimulados e misturados com cargas em camiões e conseguem atravessar a fronteira mediante subornos aagentes alfandegários e de comércio. Fontes de O Democrata confirmam a existência de um contrabando na importação de medicamentos para a Guiné-Bissau. Segundo as mesmas fontes, a empresa Sofargui, terá participado no concurso público para obtenção de licença de grossista de importação de medicamentos, mas não foi selecionada. As fontes informam que a Sofargui tem se envolvido em várias importações de medicamentos por via terrestre e por via do Porto de Bissau. “Em 2019, a Sofargui importou 7 contentores via porto de Bissau e 13 carregamentos de forma ilegal, apesar de não ser um grossista credenciado”, adiantaram as fontes em condições de anonimato.

O proprietário da Farmácia “Salvador” e Médico Tumane Baldé, antigo Ministro da Função Pública e Reforma Administraativa, são sócios da referida empresa atualmente estão sob investigação judicial. A Sofargui seria também aliada de grupo DP de um cidadão espanhol, Jesus que tem introduzido vários contendores de medicamentos no mercado nacional. Fontes contaram ao jornal O Democrata que a importação de medicamentos é feita em nome do Hospital Militar que, segundo a investigação da Polícia Judiciária, não tem conhecimento e nem beneficiou dos mesmos. 

O grupo DP é apontado pela PJ como parte de um contrabando de medicamentos bem conetado e ramificado em diferentes estruturas de Estado. Segundo os nossos interlocutores que requereram anonimato, o DP tem utilizado o nome de Ida Foundation, uma entidade caritativa, para importar medicamentos da China, Índia e Holanda. Os lotes de medicamentos importados são secretamente estocados num armazém atrás do mini mercado Darling em Guimetal. O Democrata confirmou a existência do armazém no local. 

A PJ apreendeu 450 unidades (caixas) de medicamentos que foram encaminhadas para a CECOME, constituída como fiel depositário. As unidades foram entregues pela PJ à Cecome a 2 de Setembro de 2020. De acordo às nossas fontes, os medicamentos apreendidos têm inscrições “Hospital Militar da Força Aérea”. A PJ também descobriu um acordo assinado pelo Comandante da Força Aérea, Brigadeiro General Papa Camará e o dono de DP, Jesus Lançareia. Esse acordo o não é do conhecimento das estruturas competentes do Estado-Maior General das Forças Armadas. 

Notificado sobre o assunto, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Biague Na N’Tan suspeitou da existência de um esquema de corrupção de que o Papa seria o cabecilha e pediu ao Tribunal Militar para iniciar um inquérito. 

Esse negócio, contam as fontes, é um dos motivos de tensão entre o Biague e Papa Camará. 

O Democrata apurou que medicamentos importados são distribuídos a diferentes farmácias a custos mais baixos, um prejuízo grande para as empresas importadoras credenciais, nomeadamente Saluspharma, Guipharma e Cecome. O contrabando é o principal fornecedor e abastecedor das farmácias e postos de venda no país. 

Na realidade, o mercado de contrabando escapa às inspeções e constitui uma porta aberta a entrada e venda de medicamentos ilícitos no mercado, um autêntico golpe à saúde pública.

“É uma mera utopia se pretender ter um mercado nacional de medicamentos de qualidade sem combater a rede de contrabando e criar condições de controle e Inspeção inter institucionais eficazes. Enquanto isso, a população guineense vai consumindo medicamentos, na sua maioria importada por corredores ilícitos, com certificações falsificadas”, critica uma fonte do ministério de Saúde Pública.


Por: Redação

1 thought on “CONTRABANDO DE MEDICAMENTOS: UM NEGÓCIO QUE ENVOLVE POLÍTICOS E OFICIAIS MILITARES

  1. Bom dia,
    Um bom ano para todos!
    Circulam medicamentos nem sempre essenciais… Saúde, centro hospitalar regional, centro hospitalar nacional.
    Autoridades tem que tomar engajamento,Alfândegas, Guarda Nacional, Polícias, Medicamentos falsos provém de Gâmbia, Guiné Conacri para sul do País Quebô… Sem bom tratamento no camião poeiras no caminho etc… Devíamos lutar contra contrabando, para melhorar saúde da nossas populações.

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