
[ENTREVISTA_fevereiro_2021] O ativista cultural, Ector Diógenes Cassamá, um dos impulsionadores da cultura guineense, lembrou aos governantes guineenses e à sociedade em geral, que ainda estamos longe de compreender a importância que a cultura representa para a Guiné-Bissau e exortou todos a apostarem nesse setor, porque “é a única porta para se sair da pobreza”. O também responsável do grupo cultural Netos de Bandim fez essa observação numa entrevista ao jornal O Democrata para falar do futuro da cultura na Guiné-Bissau, na qual deixou claro que sem uma política nacional da cultura será difícil pensar num futuro a curto, médio e longo prazo. Salientou na mesma entrevista que a reconciliação nacional passa necessariamente pela utilização dessa ferramenta, a cultura.
Diógenes Cassamá, que tem representado há vários anos o grupo cultural “Netos de Bandim”, defendeu a introdução do estudo dacultura no currículo escolar guineense, desde o ensino pré-escolar até ao ensino superior, para poder formar homens capazes de ter e assumir a cultura como ferramenta para o desenvolvimento pessoal, assim como o do país.
“As histórias que são contadas ou ensinadas nas escolas não sãoda narrativa guineense, apesar de termos a nossa própria história. Se perguntar a um aluno ou estudante quem foi Okinka Pampa, Nkanande, Oborin Co não saberão dizer praticamente nada, mas essas figuras contribuíram e muito para o nosso país e foram elas que, entre outras, resistiram à opressão colonial e aos abusos do colonialismo para termos a Guiné-Bissau que temos hoje”,enfatizou.
NEGADO ALERTA SOBRE O IMPACTO DO NOVO ACORDO DO PEC NA CULTURA GUINEENSE
Negado, como é conhecido no mundo da cultura, realçou queexiste toda a necessidade de ser disponibilizada uma verbaimportante, no Orçamento Geral de Estado, que possa servir de incentivo para os atores que intervêm no domínio cultural.
“Durante este período da pandemia, a cultura desempenhou um importante papel no combate ao novo coronavírus através damúsica, do teatro, do desenho, das línguas e dos dialetos maternos, entre outros, mas que não foi visto dessa maneira, mesmo a nível dos órgãos da comunicação social”, frisou.
Cassamá frisou que, devido a situação por que passa a cultura,cada vez mais a juventude está a perder-se ou a desassociar-se do mosaico cultural guineense, consumindo em menor número produtos culturais nacionais.
O mentor do grupo cultural Netos de Bandim enfatizou que, dada à interferência de outras culturas na da Guiné-Bissau nas discotecas, as músicas e danças guineenses quase deixaram de existir, porque “a juventude está focado mais no aspeto da globalização e nas culturas importadas”.
Ector Diógenes Cassamá alertou que o novo acordo de Programa Estratégico de Cooperação entre a Guiné-Bissau e Portugal(PEC), que terá um investimento nas áreas de educação e cultura, só será importante e benéfico para os atores culturais guineenses se as linhas destinadas para as áreas de cultura chegarem ao seu destino.
Neste sentido, defende que o programa não deve ser politizado e diz que o programa deve incluir pessoas sensíveis à cultura.
Na sua comunicação, Cassamá disse que o grupo cultural que dirige nunca recebeu nenhum apoio monetário do governo nem no âmbito de formações.
Porém, disse acreditar que o novo PEC pode conseguir ajudas necessárias, uma vez que vai abrir possibilidades para os atores culturais participarem. Neste sentido, chamou atenção à Direção-geral de Cultura para descentralizar os seus serviços, para que os delegados regionais possam, com as suas funções, funcionar devidamente, graça às suas estruturas. Contudo, sublinhou que é importante ter uma cadeia de informação e de recolha de elementos necessários para poder descobrir novos talentos, dar a visibilidade à cultura, garantir incentivos para promover mais e mais a criação nesse setor.
NETOS DE BANDIM DEFENDE ADIAMENTO E NÃO O CANCELAMENTO DO CARNAVAL 2021

Interpelado pela repórter de O Democrata sobre a decisão dogoverno que cancelou a realização do carnaval 2021 na sequência da segunda vaga da Covid-19, o ativista cultural defendeu que o executivo não deveria ter adiado o carnaval 2021, a maior manifestação cultural da Guiné-Bissau, que teria o seu início a 13 e duraria até 16 de fevereiro.
“O desfecho final dessa decisão é único, perdas económicas e da visibilidade do país e das possibilidades de descoberta de novos talentos. Temos consciência da existência da pandemia, mas assistimos também a vários eventos públicos que aconteceramneste período, o carnaval poderia ter sido adiado até vencermos a doença e realizarmos um carnaval extra temporal que permitiriaque, em quatro dias de manifestações, descobríssemos muitasinvocações”, precisou.
O responsável do grupo “Netos di Bandé” lamentou a maneira como a cultura sempre tem sido relegada para o último plano e disse que prova disso é a não premiação dos grupos vencedores do carnaval 2020. Segundo Negado Cassamá, mesmo que o governo não tivesse cancelado a realização do carnaval de 2021, a festa já estava comprometida porque os grupos culturais estavam com algum receio de participar novamente para nãoserem depois premiados novamente.
“Esta é a prova de que a cultura sempre tem sido relegada para o último plano. O que aconteceu criou desmotivação ao não incentivar os intervenientes culturais. Quero realçar uma coisa:para chegarem ao poder, todos os políticos usam a componente cultural como arma”, notou Cassamá.
Para Diógenes Cassamá, o carnaval perdeu qualidade por falta de organização, de incentivos e de motivação da juventude.
“Em todos os lançamentos do carnaval, tanto os ministros quanto o Presidente da República todos usam trajes ocidentais para testemunhar o início da maior festa cultural da Guiné-Bissau, uma festa importante”, criticou.
Para Negado Cassamá, as barracas carnavalescas poderiam ter sido diversas vezes aproveitadas como meio para promover a cultura, sobretudo a componente gastronómica.
“Por que não condicionar os proprietários das barracas para se vestirem de carnaval, como também podemos incentivar, por via de um prémio simbólico, os clientes das barracas a vestirem-semais à carnaval, poderíamos ver a dinâmica e como as pessoas se vestiriam”, questionou.
O ativista criticou ainda o formado que tem sido adotado até aqui, o desfile nas avenidas, para manifestar o carnaval,sublinhando que é o maior desafio que tem levado o carnaval a sofrer “atentados” para a sua desvalorização.
Destacou, por isso, que a realização do carnaval 2020 no estádio nacional 24 de Setembro permitiu mais e maior “comodidade para a sociedade”, tendo defendido também a premiação de “desfiles espontâneos ou individuais”, através de prémios simbólicos, porque seria uma das formas de incentivar e valorizar os trajes nacionais.
O líder de Netos de Bandim pediu união no seio dos atores e intervenientes culturais, porque “só com a união é que vão poder levar adiante a luta pela valorização e preservação da cultura,como também exigir os seus direitos”.
Por: Djamila da Silva