
O presidente da Célula Nacional do Tratamento de Informação Financeira (CENTIF), Justino Sá, afirmou que ausência de uma estrutura competente tecnicamente para monitorizar as ações ou fundos recebidos pelas Organizações Não Governamentais (ONG’s) do país pode tornar essas organizações vulneráveis e suscetíveis de servir de meios para o branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo na Guiné-Bissau.
O jurista que dirige a CENTIF fez esta advertência durante a entrevista (fevereiro de 2021) conjunta concedida ao semanário O Democrata e à Rádio Bantaba, com o intuito de falar sobre o relatório preliminar feito pelos peritos do Grupo Intergovernamental de Ação contra o Branqueamento de Capitais na África Ocidental (GIABA). O grupo esteve no país para realizar os trabalhos da avaliação mútua às autoridades nacionais entre janeiro e a segunda semana de fevereiro, na qual analisaram juntamente com as diferentes estruturas do Estado a eficácia das normais (dispositivos jurídicos) e outras existentes utilizadas pelas entidades competentes para o combate ao branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.
JUSTINO SÁ: “RELATÓRIO PRELIMINAR DE AVALIADORES NÃO É TÃO MALÉFICO PARA A GUINÉ-BISSAU”
A equipa do GIABA, durante a sua estada na Guiné-Bissau, reuniu-se com diferentes estruturas do país e produziu um relatório preliminar da avaliação da capacidade dessas estruturas no combate aos flagelos do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Dentre as instituições avaliadas, a equipa do GIABA, de acordo com as informações, enalteceu, no seu relatório, a capacidade organizativa e de resposta da Polícia Judiciária e da Célula Nacional do Tratamento de Informação Financeira no combate às práticas do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.
O presidente da CENTIF explicou na entrevista que o relatório preliminar de avaliadores do GIABA não é “tão maléfico para a Guiné-Bissau”, porque concluíram que existem algumas estruturas do Estado dotadas de uma grande capacidade organizativa e de resposta, entre as quais, a CENTIF e a Polícia Judiciária (PJ) que, segundo a sua explanação, são as estruturas que estão a “desenvolver excelentes trabalhos em matéria do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.
Notou que os avaliadores sublinharam no relatório algumas falhas registadas no funcionamento destas estruturas, a CENTIF e a PJ. Para Justino Sá, as falhas registadas são passíveis a correcção para melhorar o funcionamento destas estruturas e, consequentemente, torná-las mais eficazes.
“Até aqui estamos um pouco tranquilos por causa do destaque que deram ao nosso trabalho e ao desempenho das outras instituições, mas é preciso aguardar pelo trabalho final. Porque o relatório vai ser submetido igualmente aos comentadores que são técnicos das instituições financeiras e de alguns países da Europa e dos Estados Unidos de América, que emitem opiniões sobre relatórios, tomando em conta o conhecimento da causa, porque na verdade são instituições e países que conhecem muito bem a realidade do país avaliado, neste caso, a Guiné-Bissau”, contou.
Solicitado a pronunciar-se sobre as grandes preocupações levantadas pelos avaliadores no relatório, referiu que uma das grandes preocupações dos avaliadores e das estruturas nacionais do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo foi a ausência de uma estrutura competente para monitorizar as ações e o financiamento recebidos pelas Organizações Não Governamentais que operam no país em diferentes setores, bem como a nível religioso. Enfatizou que as ONG’s são um dos fatores da vulnerabilidade da Guiné-Bissau na luta contra o branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, tendo advertido que as ONG’s podem servir de meios para o branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo na Guiné-Bissau.
“Apresentamos ao ministro da Economia esta vulnerabilidade, porque também não existe nenhum dispositivo jurídico que regula o funcionamento das Organizações Não Governamentais, sobretudo no capítulo do financiamento, ou seja, monitorizar os fundos recebidos por estas organizações. Por exemplo, a Ordem dos Advogados, quem supervisiona as suas ações? A Ordem Supervisiona os advogados, mas tem pouco domínio em matéria do branqueamento de capitais e de outros flagelos. Um dos exemplos a elucidar é advogar um empresário estrangeiro ou nacional que anda com somas avultosas para criar uma empresa para operar no setor caju. Mas de acordo com os procedimentos, seriam os advogados a cooperarem neste sentido e apresentar estes casos à CENTIF que tem a capacidade para usar recursos necessários para investigar a origem do dinheiro”, assinalou.
Justino Sá apontou que a campanha de comercialização da castanha de caju é o período mais fértil na Guiné-Bissau para o branqueamento de capitais. Frisou que durante a campanha, os empresários estrangeiros perdem grandes somas em milhões de francos CFA, e “essas pessoas insistem em trabalhar no país, porque sabem que não estão a perder nada ou aquilo que perdem é insignificante, tomando em consideração uma grande quantidade do dinheiro que conseguem fazer circular no mercado nacional”.
Questionado se o relatório preliminar oferece a confiança de que é possível avaliar positivamente a Guiné-Bissau, respondeu que até ao momento os dados existentes no país sobre grandes operações do combate ao tráfico e outros crimes organizados indicam que é apenas a apreensão feita pela PJ no âmbito da “Operação Navarra”.
“Infelizmente é isso que temos e o processo ainda não acabou, porque até agora não se fez nenhuma confiscação dos imóveis resultantes desta operação”, frisou e lembrou que o Tribunal de Relação quase deu sem efeito a sentença do Tribunal Regional, ou seja, o Tribunal de Relação pediu que fossem devolvidos todos os materiais de suposto traficante apreendido naquela operação.
“Felizmente a outra parte recorreu à decisão do tribunal da relação, mas se a justiça decidiu acatar a decisão do Tribunal da Relação, e será um balde de água fria nas nossas cabeças”, alertou.
Frisou que o país não tem dados concretos de apreensões e confiscos dos bens dos eventuais branqueadores recuperados pela justiça, tendo acrescentado que isso demostra que há muita coisa por fazer em termos da eficácia das normais existentes no combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.
Por: Assana Sambú
Foto: A.S