[ENTREVISTA_março/2021] O escritor e ensaísta guineense, Jorge Otinta, defendeu que a literatura pode ser o espelho da Guiné-Bissau e um motor importante para impulsionar o desenvolvimento. Contudo advertiu que para isso acontecer é preciso que haja um investimento pesado e muito sério no setor da cultura, em particular na produção literária. O escritor acrescentou que se as verbas anunciadas para o setor da cultura, em particular a nível da formação, no âmbito do novo Programa Estratégico de Cooperação entre a Guiné-Bissau e Portugal, se forem bem aplicadas e controladas, a literatura de muitos países africanos de expressão portuguesa ficarão atrás da literatura guineense.
O crítico literário fez estas afirmações durante uma entrevista ao semanário “O Democrata” para falar da produção literária na Guiné-Bissau, na qual defendeu a criação de um fundo que visa essencialmente apoiar a produção literária. Sublinhou que o fundo permitiria uma concorrência entre os escritores para a produção da melhor obra literária.
OTINTA: “TODA A ÁFRICA CONSIDERA A GUINÉ, UM VAZIO EM TERMOS DE PRODUÇÃO LITERÁRIA”
Jorge Otinta assegurou que se o executivo conseguir criar uma verba para a produção literária, não só vai impulsionar o setor, como também vários países do PALOP ficarão atrás da Guiné-Bissau em termos da literatura, porque “conheço muitos bons escritores que têm obras e que até hoje não conseguiram publicá-las por falta de meios para suportar os custos da produção”.
“Conheço poetas que nunca publicaram nenhuma obra, escritores que nem um conto nem um capítulo de romance conseguiram publicar, mas que são verdadeiramente originais e são extraordinários! O dia em que essas pessoas tiverem a oportunidade de beneficiar de um fundo e lançarem as suas obras, tem gente que vai tirar seus livros do mercado, e vai dizer, eu ainda não fiz nada” referiu, para de seguida frisar que não quer com isso desvalorizar as obras já feitas.
“Se houver, na verdade, esse fundo e se conseguirmos um especialista com sensibilidade e que encoraje a produtividade, tenho a certeza que a Guiné-Bissau sairá do vazio que como é visto um pouco por todo o lado em termos da produção literária, porque toda a África considera a Guiné, um vazio em termos da produção literária.
Questionado sobre o que é preciso fazer para relançar ou promover a literatura guineense no estrangeiro, Jorge Otinta respondeu que o governo deve começar por um investimento sério no setor desde a mais tenra idade até o fim do primeiro ciclo universitário.
“É preciso investir pesado na literatura, na leitura, na literacia e no bom sistema do ensino sem greves. Pode haver greves, mas que não perturbem o normal funcionamento das aulas”, notou.
Indagado se chegou a beneficiar de algum financiamento para a publicação das suas obras, Otinta explicou que nunca recebeu nenhum financiamento para a publicação das suas obras. Enfatizou neste particular que se tivesse recebido algum financiamento teria publicado dez livros de uma só vez, porque “já tenho obras prontas há vários anos”.
“Os guineenses carregam a bandeira de forma solitária muitas vezes no exterior e com o intuito de representar a Guiné-Bissau, mas com nenhum apoio do Estado” criticou para de seguida acrescentar que é preciso que os guineenses saiam do hábito de não leitura e passarem a ter uma cultura de leitura para que a Guiné-Bissau possa ganhar reconhecimento a nível da literatura.
Lamentou o reduzido número de livrarias no país ou senão mesmo quase de nenhuma, se compararmos com a densidade populacional da Guiné-Bissau. Lembrou que “quando as pessoas lêem pouco, pouco também pode se esperar das obras, por isso as livrarias e as bibliotecas tornam-se em bens de luxo para a população”.
Jorge Otinta disse que as pessoas sempre atribuem a culpa à colonização devido a abertura tardia da escola na época colonial, como também por a potência colonizadora não ter investido seriamente na educação e afirmou que esta situação influenciou negativamente o arranque do desenvolvimento do país em diferentes setores.
Interrogado ainda se é possível viver da produção literária na Guiné-Bissau, respondeu que se os escritores guineenses tivessem que viver apenas das suas obras, todos morreriam a fome. Frisou que ele, por exemplo, não vive da literatura, porque não há uma cadeia onde os escritores possam ganhar pelos seus trabalhos.
Informou que em 2007 teve a oportunidade de publicar uma das suas obras e acabou por desistir, mas com a insistência da editora autorizou em 2013 a publicação, porém voltou a desistir.
Otinta acredita que o imaginário dos escritores guineense ainda não foi explorado nem a dois por cento de suas criatividades ou de inventividade no domínio das artes, literatura e da ciência, contudo sublinhou que é imperativo que haja a paz social, como ferramenta que possa contribuir para a exploração do imaginário dos escritores.
“É necessário que haja diálogo entre os produtores da literatura e escritores literários, leitores e os editores. Se funcionar bem esse quarteto, poder-se-á, sim, projetar a imagem da Guiné-Bissau, “, notou.
Por: Djamila da Silva
Foto: D.S