PSIU!
Foi assim que tudo começou. Na cidade em que se esperava por liberdade, ao exaustão, porém que nao fosse confundida com a libertinagem em vertigem, tudo acabou por mudar-se transformando-se a vida dos cidadãos num mutismo que corrói a alma por dentro, e os estafa por fora.
Ninguém, mas ninguém mesmo em sã consciência tinha previsto isto. Em tempos de imprevisibilidade o imprevisível é sempre o que nos parecerá o mais possível de ser; e quiçá, o mais passível de acontecer.
Eis, no entanto, a coisa querida, há muito desejada, e talvez mesmo almejada sem que, cada um de nós, curassem em saber se este camisa cabia-nos ou não no corpo, já, de si, de lassos movimentos, de fome e de miséria – laços que nos unem e nos nutrem simultaneamente.
Os fatos, estes, há muito os há, embora nunca déssemos de conta o que a situação poderia recrudescer, e até mesmo, fugir ao controlo. Brincadeira, todos brincam; porém em demasia, só loucos o fazem. Ou o tentam. Desvairadamente, é claro!
- As sementes do medo
De repente instaurou-se o caos total. O medo tomou conta dos transeuentes. E os cidadãos, atónitos, a perguntarem um para o outro, que troço de vida é esta que estamos a viver?
A resposta? Está incerta. Senao mesmo não sabida por qualquer que seja a cidadã ou o cidadão.
Assim confessa um dos visados:
Tive tanto medo que quando saí da sala do Interior não pensei em ir queixar-me à Polícia, seja ela da Ordem, seja da Júdice. Denunciar? Para quê? Ainda tenho medo. Pois neste de calabouço, por dias a fio, na solitária, uma pessoa não sai igual, transforma-se. Ou melhor, transtorna-se. Sai-se outra pessoa, desigual, distinto de conceito de pessoa na sua acepção mais original e autêntica.
O meu carrasco avançava para cima de mim, empurrava tudo o que via para frente; e, eu, tentava fugir, sem logro; pois estava eu sob seu controlo, física e emocionalmente. Eu estava muito nervoso.
Tinha imensa vontade de fumar, pois desenvolvi, sem que tenha me apercebido nesta solidão uma vontade enorme de fumar como se fosse uma dependência pelo tabaco, pelo fumo. Tinha sempre vontade de pedir ao policial de ir ao pátio fumar, dar um trago.
Rebelar-se? Nem pensar, pois corria o risco de ser trancado na cela, e por isso mesmo podia ficar dias em fumar. E esta abstinência não há queriam para mim, na medida em que os nervos subiam a solto…
Várias vezes fui surrado na cela. Buscavam-me à força a cama, à noite, na sua calada mais recôndita possível para endireitar-me. Andava muito rebelde.
Os outros também recebiam os castigos deles. Sabia-o por quantidade de surras que via marcada nos seus corpos, nos gritos estonteantes que ouvia no alvorescer do dia – como sendo o café da manhã. Pancadas sobre pancadas como se fossem tijolos de uma casa em construção.
- A surra
Apanhava-se o tempo todo. Dia após dia, o corpo já de si cansado, ensanguentado, não aguentava. E será que havia tempo para se pensar nisso? Era surra sobre surra; o corpo sob a surra contínua; e constante.
Os presos apanhavam sempre. E eu não era diferente. Mesmo os que se fingiam de indiferentes, arregalavam os olhos antes as marcas indeléveis que estavam à mostra nos corpos castigados.
Todos vinham ter comigo; e mostravam-me a mim onde os vigias os tinham batido. O mais grave das surras eram as dos inspetores. Parece que houve mudança na definição do conceito de inspetor para o de torturador-mor.
Às vezes dava-me avontade de ir embora; não queria ficar preso àquela cela, nem àquela situação num lugar que eu julgava ter nascido para viver em liberdade como cidadão do bem.
Sempre que nos levavam a uma sala especial, ironizavam os inspetores que íamos à sala dos remédios, pois o chicote é o melhor remédio do mundo. Só que, até ao momento, não foi recomendado para curar a Covid-19.
Apanhava-se tanto, mas tanto, que muitos de nós saíam a coxear, a mancar a maus tratos.
Estamos todos condenados pela escolha feita. A bem, e a mal. Escolhas são escolhas.
Eles, os da governança maltratam, ofendem, riem-se de nós, ao escárnio, desdenham-se de nós; troçam-se da nossa ignorância insistente na escolha de os de sempre, os mesmos da nossa famigerada Praça.
- A Polícia
Ela maltrata. Bate mão na mesa. Grita. Ostenta a macheza. Ofende. E solta, enfim, palavrões; antes de começar a sessão de tortura, física e psicológica.
A palavra de ordem é: `sim, sim, sim` a tudo quanto nos dizem. É só aceitar, aceitar, aceitar.
Era como se nos dissessem este país não é vosso. Zarpem-se para outro. Emigrem-se, seus sabichões de merda!
Quem quiser que assine o papel da deportação. E nao!!!!!!!
Confinar é preciso. Fá-lo|a, caro|a leitor|a de O Democrata, que salvar-te-ás da Covid-19.
Bissau, 19 março de 2021.
Por: Jorge Otinta