[REPORTAGEM maio_2021] As recorrentes ondas de paralisações decretadas pela União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Central Sindical (UNTG-CS) estão a ter impactos desastrosos no setor de saúde, com consequências diretas na vida da população. No interior do país, por exemplo, a greve foi fatal, porque algumas pessoas que tentaram procurar os hospitais para tratamento médico e acabaram por perder a vida a caminho do hospital ou mesmo nos hospitais por falta de atendimento, porque os técnicos apenas prestam serviços mínimos.
Sobre os efeitos das sucessivas paralisações no setor da saúde, o Semanário O Democrata encetou contactos com os diferentes responsáveis dos hospitais regionais para se inteirar melhor da situação real que a população enfrenta no terreno. Na sequência dos contatos efetuados, os relatos que nos chegaram das regiões indicam que os populares residentes nas zonas rurais não têm acesso à saúde de qualidade, bem como não existem, em algumas delas, clínicas que possam servir de alternativa em tempos de greve. Contudo, nem todos os responsáveis aceitaram colaborar com O Democrata, por não terem autorização do Ministério da Saúde Pública.
Relatos em diferentes regiões indicam que, se a paralisação continuar como está, poderá ter consequências graves não só a nível da população como do próprio funcionamento dos hospitais regionais, em termos de recursos humanos.
DIRETOR CLÍNICO: “SEIS PACIENTES COM PROBLEMAS GRAVES MORRERAM DEVIDO À GREVE“
Em entrevista telefónica à redação de O Democrata, o diretor clínico do hospital Regional de Catió, Germano António Sanca, confirmou que a greve em curso está a afetar muitos serviços daquele hospital, agravado com a situação da Covid-19, “prova disso, seis doentes que chegaram tarde ao hospital acabaram por morrer porque estavam numa situação grave e complicada”.
Germano António Sanca informou que o hospital regional de Catió funciona apenas em regime de serviços mínimos no banco de socorros (urgências) e na maternidade, para atender grávidas e caso se justifique, submetê-las à cirurgia “cesariana”, bem como outros casos graves. Adiantou que, para além dos dois serviços que estão a funcionar em serviços mínimos, todos outros os serviços como medicina, pediatria, vacinação, consulta pré-natal e cirurgias estão praticamente parados.
O responsável explicou que, nos serviços mínimos atendem apenas doentes graves para não deixá-los morrer, “de maneira que não temos nenhum óbito por falta de atendimento, desde que o paciente chegue a tempo ao hospital ” não houve situações de perda de vida de doentes que tenham chegado ao hospital sem serem atendidos.
“Os óbitos registados até aqui são casos de doentes que chegam ao hospital em situação grave, por não terem procurado a tempo os serviços de saúde. Só procuram serviços de saúde já na fase em que já há pouca coisa a fazer”, explicou.
“Podemos confirmar que durante vigência de greve 6 doentes que chegaram ao hospital nessa situação acabaram por falecer, porque estavam numa situação grave e complicada. Chegaram tarde ao hospital, devido à greve em curso”, assinalou e disse que a greve está a afetar muito os serviços de saúde do hospital regional “Musna Sambú”, uma situação agravada pela pandemia da Covid-19 e pela greve da equipa de resposta rápida.
Perante esta situação, Germano António Sanca apelou ao governo para sentar-se à mesa e negociar com os sindicatos, porque “o silêncio do executivo não vai ajudar e quem paga a fatura são os cidadãos que não têm meios financeiros para realizar exames médicos nas clínicas privadas ou no exterior”.
“ÁREA SANITÁRIA DE BUBA FUNCIONA APENAS COM SERVIÇOS MÍNIMOS ” – PONTO FOCAL DA UNTG
Por seu lado, o responsável da Área Sanitária de Buba e Ponto Focal da UNTG na região, Gaudêncio Armando Quadé, informou que no hospital regional de Buba apenas funcionam os serviços mínimos para atender casos graves, mesmo assim nem sempre os pacientes recorrem ao hospital, devido à falta de informação sobre o funcionamento dos serviços mínimos, “só quando estão numa situação grave e complicada é que procuram o hospital, o que às vezes acaba por ser fatal porque muitos não resistem”.
Questionado sobre se houve casos de doentes que nesse período de greve chegaram ao hospital em situação complicada e que acabaram por morrer, Gaudêncio Quadé confirmou que houve casos de doentes que chegaram ao hospital muito cansados. Contudo, apesar das “ginásticas” dos técnicos que estavam a prestar os serviços mínimos, não foi possível salvá-los. Porém não revelou o número de óbitos registado na sequência da greve.
“Quero apelar ao governo para resolver a situação da greve em curso, porque está a ter consequências na vida dos cidadãos a nível do interior do país, que vivem muito carenciados. Não conseguem deslocar-se à cidade de Bissau para efetuar consultas médicas especializadas, o que às vezes leva-os a recorrer a medicamentos tradicionais”, sublinhou.
Gaudêncio Armando Quadé frisou que o governo não está interessado em ajudar a população guineense, porque “se estivesse interessado, resolveria com os sindicatos essa situação de greve há muito tempo “.
DG HOSPITAL DE CANCHUNGO: “HOUVE UMA PARALIZAÇÃO DE 80 POR CENTO DOS SERVIÇOS”
Ao contrário do que tem acontecido nas regiões sanitárias de Catió e Buba, o diretor-geral do Hospital regional de Canchungo, Albat Domingos Ndam, afirmou que todos os casos que deram entrada naquele hospital, desde o início da greve, foram atendidos e que os mais graves estão a ser acompanhados pelos técnicos. Albat Ndam acrescentou que houve óbitos resultantes da greve, por serem casos de doentes que ficaram muito tempo na tabanca e que chegaram tarde ao hospital e em menos de 24 horas ou algumas horas depois acabaram por falecer, sobretudo na maternidade. Contudo, não avançou o número exato de pessoas que morreram durante a greve, mas assegurou que não houve casos de óbito por falta de atendimento.
Segundo o diretor-geral do Hospital regional de Cacheu em Canchungo, desde que entrou em funções em março de 2021, os serviços mínimos têm funcionado normalmente na urgência e na maternidade e estão a ser assegurados por médicos. As consultas externas, as salas de internamento, a pediatria, a medicina e a cirurgia não têm funcionado, isto é, “houve uma paralisação de 80 por cento dos serviços afetos a hospital de Canchungo, devido à greve decretada pela UNTG”.
Albat Domingos Ndam lamenta, no entanto, o “comportamento negativo” de alguns médicos e enfermeiros que, às vezes, “recusam atender doentes”, fundamentando que só atendem casos graves durante o período de greve. Adiantou ainda que nem todos os médicos têm a capacidade técnica para avaliar casos críticos.
“É DIFÍCIL SUPORTAR UMA GREVE DE NOVENTA DIAS” – DIRETOR CLÍNICO DE BAFATÁ
Interpelado pelo repórter de O Democrata, o Diretor Clínico do Hospital Regional de Bafatá, Ndafa Binalu, disse que é difícil uma instituição hospitalar suportar uma greve de 90 dias e que neste momento o funcionamento do hospital regional de Bafatá está a ser afetado consideravelmente. Contudo, assegurou que apesar das paralisações, a direção tem estado a trabalhar, na medida do possível, para controlar certas situações, sobretudo para garantir os serviços mínimos.
O responsável clínico do hospital regional de Bafatá informou que todos os casos graves que deram entrada naquele hospital foram atendidos, porque as populações daquela zona “estão sensibilizadas e recorrem sempre ao hospital e a triagem funciona consideravelmente”.
“O diretor do hospitalar recorreu à Rádio Comunitária de Bafatá para informar à população que o hospital está em greve, mas os serviços mínimos para atender casos graves estarão assegurados e os médicos estão a colaborar no atendimento desses casos”, disse.
“Queremos pedir ao governo para assumir a sua responsabilidade, como também a parte sindical para assumir a dela e devemos continuar a reivindicar enquanto sindicato contra tudo o que acharmos irracional e injusto “, indicou e frisou que é difícil uma instituição suportar uma greve geral de mais 90 dias, sem entrar em colapso.
No caso dos hospitais, lembrou que estes vivem apenas dos rendimentos dos serviços prestados aos doentes, nomeadamente, as consultas. Mas com esta greve interminável não vamos conseguir garantir a energia elétrica para o funcionamento e compra de consumíveis, pagamento de salários aos médicos e o pessoal menor. Isto é impossível. Portanto estamos numa situação lamentável, “de maneira que deve haver solução para acabar com a greve em curso”.
GREVE NOS HOSPITAIS CORTA AFLUÊNCIA DE DOENTES AO HOSPITAL REGIONAL DE GABÚ
Entrevistado pelo jornal O Democrata sobre a situação dos hospitais regionais na vigência da greve da UNTG, o Administrador do Hospital Regional de Gabú, Aladje Fode Cissé, disse que o hospital regional de Gabú, à semelhança de outros hospitais, está a funcionar apenas com os serviços mínimos, mas nos últimos tempos não tem havido afluência de pacientes ao hospital, devido à greve e quando aparecem casos graves são atendidos normalmente ” mas os casos normais estão fora de atendimento praticamente”.
Aladje Fode Cissé confirmou que, na sequência da greve da UNTG, o hospital registou três óbitos de doentes que chegaram ao hospital muito cansados, devido aos constrangimentos criados na sequência da greve e a distância que tiveram de percorrer, entre a aldeia e o centro hospitalar.
“Devido à distância e às condições de mobilidade dos doentes, muitos acabam por chegar em estado crítico e os médicos tentam tudo o que lhes é possível para salvá-los, mas às vezes não conseguem e com esta greve interminável, a tendência é de o número de casos aumentar, portanto até nesse preciso momento apenas temos três óbitos”, notou.
Nesse sentido, o administrador do hospital regional de Gabú aconselhou o executivo no sentido de mostrar vontade para negociar com os sindicatos, porque os populares que vivem nas regiões, principalmente em Gabú, estão a enfrentar enormes dificuldades em termos de acesso à saúde de qualidade. Destacou, por isso, a situação das grávidas que devem ter seguimento rigoroso dos técnicos.
“Isto é muito arriscado, de maneira que deve haver engajamento forte do governo para negociar com os sindicatos para ultrapassar esta greve que está a criar enormes problemas aos cidadãos”, sublinhou.
Aladje Fode Cissé informou que atualmente o hospital de Gabú está a enfrentar enormes dificuldades em termos financeiros e no diz respeito ao funcionamento do centro, ao pagamento de salários ao pessoal contratado. Neste sentido, alerta que se a greve continuar, poderá ter consequências não só a nível da população como do próprio funcionamento do hospital e recursos humanos.
Por: Aguinaldo Ampa