[ENTREVISTA_0utubro 2021] O presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, Técnicos de Saúde e Afins (SINETSA), Yoio João Correia, acusou o governo da Guiné-Bissau de falta de seriedade para o estabelecimento de diálogo que ajude no cumprimento dos pontos imediatos do caderno reivindicativo e consequentemente, o levantamento da greve no setor de saúde. Na entrevista, Yoio João Correia explicou que muitos profissionais de saúde nas diferentes áreas, colocados recentemente, trabalham há mais de 15 meses sem receber salários, acrescentando que “se fizermos as contas, são cerca de 1500 técnicos de saúde que estão no sistema, mas que não recebem, há mais de um ano, os respetivos salários”.
O sindicalista fez essas revelações em entrevista ao jornal O Democrata para falar do processo de negociação solicitada pelo executivo, bem como dos pontos imediatos que devem ser cumpridos para o levantamento da greve que, há mais de um ano, decorre no setor de saúde.
SINETSA DEFENDE A APROVAÇÃO DOS ESTATUTOS DA CARREIRA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E SUA PROMULGAÇÃO
“O governo criou uma comissão negocial que se reúne conosco sem quaisquer poderes de decisão, portanto isso demonstra claramente a falta de seriedade deste governo. O problema é muito sério que afeta gravemente o setor social, por isso achamos que deveria haver o engajamento das pessoas com poder de decisão para enfrentar o sindicato nas negociações, de formas a encontrarmos uma solução”, disse o sindicalista.
Yoio João Correia defendeu o estabelecimento de um diálogo franco entre as partes, acrescentando que o governo deve assumir a sua responsabilidade neste processo que passe pela criação de uma comissão negocial com personalidades capazes de tomar decisões e compromissos sérios.
Questionado sobre os pontos de constrangimentos que, se forem cumpridos, poderão contribuir para o levantamento da greve, explicou que o sindicato, numa das negociações, entregou ao governo uma lista dos pontos imediatos , cujo cumprimento na íntegra exige.
Informou que um dos pontos é a aprovação dos estatutos da carreira dos profissionais de saúde no Conselho de Ministros e a sua consequente promulgação. O sindicato pediu também ao governo a redução da dívida aos técnicos de saúde, bem como o pagamento dos ordenados de centenas de técnicos recém-colocados, mas que nunca chegaram a receber seus salários.
“Estes são os pontos imediatos para o governo cumprir, o que infelizmente não conseguiu cumprir até agora. De resto, decidimos que, em conjunto com o próprio executivo, vamos fiscalizar o processo da efetivação dos técnicos de saúde”, explicou.
Sobre as condições de trabalho, disse que o sindicato propõe ao governo a criação de uma comissão conjunta que vai trabalhar no processo de levantamento, a nível nacional, das reais necessidades dos hospitais em termos de condições laborais.
“Enquanto profissionais de saúde, juramos salvar vidas, mas também é preciso que haja condições de trabalho. Estamos a trabalhar nos hospitais sem condições técnicas mínimas para salvar vidas, por isso deixa-nos impotentes”, referiu e acrescentado que o Estado guineense tem de criar as condições de trabalho para os técnicos e depois exigir resultados.
“Ouvimos o primeiro-ministro a dizer que estão a ser cobradas as dívidas de 2003. É bom lembrar que antes de chegarmos nesta situação, havia um pré-acordo entre o governo e o sindicato que visava o levantamento da greve”, referiu, sublinhando que isso aconteceu antes de o Presidente da República ordenar o governo e os ministros a não negociarem com o sindicato.
O sindicalista reconheceu que o governo não está em condições de pagar todas as dívidas de salários que tem com os trabalhadores, por isso disse que a solução apresentada ao executivo e que deveria constar no pré-acordo com o governo é a reposição dos descontos feitos aos funcionários públicos e priorizar as dívidas a pagar de imediato, depois calendarizar o pagamento das outras dívidas.
“Este era o entendimento chegado e assumido pelo primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, na altura. Depois ao retomar a negociação para finalizar tudo, fomos surpreendidos pela comissão negocial do governo a dizer que não seria possível a reposição dos descontos e também não estaria em condições de pagar as dívidas”, disse, avançando que o sindicato até continua ao momento apenas a pedir ao governo o cumprimento dos pontos imediatos para o levantamento da greve no setor de saúde.
FALTA DE RESPOSTA CLARA DO GOVERNO OBRIGA PROFISSIONAIS DE SAÚDE A OPTAREM POR BOICOTE
Relativamente à situação das dívidas que o executivo tem com às diferentes categorias dos profissionais de saúde, o presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, Técnicos de Saúde e Afins explicou que o setor de saúde depara com grandes problemas, para além das dívidas, sobretudo no que concerne à questão dos estatutos da carreira profissional para organizar o setor bem como de um regulamento interno.
Lembrou, neste particular, que a greve no setor de saúde já leva um ano, porque o SINETSA, que representa a maior parte dos profissionais de saúde, iniciou a sua paralisação antes da convocação da mesma pela União Nacional dos Trabalhadores da Guiné – Central Sindical (UNTG-CS).
“A falta de respostas claras sobre as exigências do sindicato levou os técnicos de saúde a revoltarem-se contra o governo e ficarem em casa “, referiu, exortando o governo a assumir a sua responsabilidade para evitar que a situação volte acontecer, porque “até agora temos profissionais de saúde a trabalhar sem receber salários. Que condições terão esses técnicos, se não recebem os seus ordenados”, questiona?
Revelou que entre os pontos que o sindicato está a reivindicar está: a aprovação dos estatutos da carreira de profissionais de saúde; a conclusão do processo da efetivação dos técnicos de saúde; o pagamento das dívidas e a melhoria das condições de trabalho.
“Há muitas dívidas no setor de saúde! Temos uma dívida de subsídio de isolamento que, desde 2015, não foi liquidada. O subsídio de vela também não está a ser pago. Temos retroativos de profissionais de saúde que tinham saído do sistema e depois retomaram os seus serviços. Há um grupo de profissionais colocados em 2018 e que contam com um mês de salário em atraso”, esclareceu.
Acrescentou que existe também a dívida sobre a reclassificação dos profissionais de saúde que agora têm outro nível em virtude do grau académico, cujos processos já se encontram na função pública, mas não recebem os seus retroativos.
“Temos também um grupo de 62 médicos que trabalharam no projeto “Médicos Sem Fronteiras”. Havia um acordo entre o governo da Guiné-Bissau e o projeto “Médicos Sem Fronteira”, em como os profissionais seriam enquadrados na função pública pelo governo depois de terminarem a sua missão no projeto, bem como assumiria os seus salários. Este grupo está já há 15 meses sem receber salários”, contou.
Para além dos 62 médicos, o presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, Técnicos de Saúde e Afins revelou ainda que há um outro grupo de 84 profissionais de saúde recém colocados que trabalham há cerca de um ano sem receber salário.
“Temos ainda outro grupo de 1300 técnicos de saúde que trabalham há nove meses sem receber os seus ordenados”, indicou.
“Contabilizando todos esses profissionais de saúde, contamos com cerca de 1500 profissionais de saúde que estão no sistema, mas que não recebem os seus salários já há um ano “, salientou, advertindo que nessas condições é difícil controlar os técnicos de saúde e muito menos exigir que prestem os serviços mínimos.
Por: Assana Sambú
Foto: A.S