O tema da democracia é um dos temas mais abordado pelos nossos políticos Africanos durante as campanhas eleitorais sobretudo a partir da década de 1990. É importante abrir aqui uma parentese para explicar que em 1989 acabava a Guerra fria, que viu a vitória da democracia liberal sobre o socialismo e os EUA iniciaram uma ofensiva mundial para o fim dos regimes ditatoriais e a implementação da democracia no mundo inteiro. Uma ofensiva referida como a terceira vaga da democracia.
É neste quadro que em 1990, o então presidente da França, François Mitterrand, convocou todos os chefes de Estados, das antigas colonias Francesas para uma conferencia na cidade Francesa, La Baule, onde ele anunciou que a partir desta data a França, ia ajudar somente os países que adotariam a democracia como principio de governação. Do lado Inglesa, os Estados Unidos com seus aliados Britânicos também puseram pressões para a implementação da democracia, através dos instrumentos oficiais, como o FMI, BM e a diplomacia, e outros instrumentos oficiosos, tais como estimular tomadas de poder por vias ilegais, nos países de expressões inglesas.
O que deve se perceber, é que tanto a democracia definida na cidade de La Baule como aquela definida por Washington e Londres, é definida num mesmo quadro de neocolonização e dominação do continente Africano. Com a situação unipolar causada pelo fim da Guerra fria, as elites Africanas no poder, foram obrigadas desde então, a transformar-se em democratas circunstanciais, sem perceber os requisitos do jogo democrático. Todos se reclamaram de democratas e em todo lado começaram a prometer aos eleitores o estabelecimento do sistema democrático de governação. O que se verifica na realidade, no terreno é que o tema é mais falado só durante as campanhas eleitorais, mas depois da vitoria, o tema incomoda os vitoriosos e nunca mais querem ouvir de democracia.
Qual é a razão deste comportamento pelos nossos políticos? Das duas uma, ou não sabem o significado do que é a democracia ou não acreditam na sua implementação nos seus respetivos países. É mesmo comum ouvir os governantes a dizer a democracia não é para Africa, sem argumentos convincentes. Centramos a reflexão deste artigo nesta pergunta, com finalidade de encontrar uma resposta que poderá alimentar o debate neste assunto de suma importância, sendo a democracia hoje utilizado como o benchmark para o progresso de cada nação, mas antes definimos, o que é a democracia hoje em dia?
O que é a democracia?
“Demos” significa o povo, e “Kratos”, significando de outro lado o poder. È a combinação destas duas palavras gregas que deu origem da palavra, democracia que significa o poder de povo. Mas como no mundo tudo evolui, o sentido semântico da palavra democracia, ao travessar a fronteira grega para outros países, e particularmente para o ocidente ganhou outro sentido. Segundo, o economista Joseph A. Schumpeter, na sua obra, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, definindo o sentido clássico de democracia no seculo XVIII disse que: “O método democrático é o arranjo institucional para se chegar a decisões politicas que concretiza o bem comum fazendo com que o próprio povo decida as questões através da eleição de indivíduos que são reunidos para implementar a sua vontade.”¹; escrevendo, na mesma obra, sobre o mesmo processo democrático acrescentou que: “O método democrático é esse arranjo institucional para se chegar a decisões politicas em que os indivíduos adquirem o poder de decidir por meio de uma luta competitiva pelo voto do povo.”² Tanto o bem comum como a luta competitiva caem dentro do quadro operacional da democracia.
Numa recente obra, ainda por traduzir, intitulado: “Imperio da Democracia, a reconstrução do ocidente desde a Guerra Fria: 1971- 2017”, o cientista politico Americano, Simon Reid-Henry, citando o jurista Hans Kelsen escreveu que: “A democracia moderna é a restrição da liberdade pela lei perante a qual todos os sujeitos são iguais” ³ O que Hans queria nos mostrar nesta citação é o carater de igualdade perante a lei nos regimes democráticos mas também que nos regimes democrático ninguém pode fazer aquilo que quiser, se faz aquilo que é permitido pela lei. Simon nos ensinou, na sua obra, da evolução semântica do conceito da democracia nestes termos: “Reconhecer que a democracia poderia ser uma coisa diferente em tempos diferentes, é reconhecer que é ambos recente e mais frágil que podemos o imaginar. A nossa democracia liberal não tem quase nada em comum com a democracia clássica de Atena. … Mas se a democracia muda de acordo com o tempo ela muda também de um lugar ao outro” ⁴.
Em 2002, a Organização das Nações Unidas, disseram que: “A democracia proporciona um ambiente de respeito dos direitos humanos e em que a livre expressão da vontade do povo é exercida. O povo tem a palavra na tomada de decisões e pede contas aos decisores. Homens e mulheres têm iguais direitos e livres de descriminação”.⁵ As NU ainda acrescentaram que: “Os seguintes elementos são essenciais numa democracia: respeito dos direitos humanos, dos direitos fundamentais da liberdade; liberdade de associação; liberdade de expressão e de opinião; acesso ao poder e ao seu exercício de acordo com as regras do direito; organização de eleições periódicas livres e transparentes; através de sufrágio segredo e universal como expressão da vontade popular; o sistema pluralíssimo de partidos políticos e organizações; separação de poderes; a independência da justiça, transparência na administração publica e uma imprensa livre, independente e pluralista.” É esta definição do conceito da democracia, usada como padrão da boa governação que queremos que os nossos lideres adotam. É esta definição que os políticos do ocidente desejam para os seus povos que nós também almejamos, não aquela definida em la Baule nem aquela dos USA. A questão agora é de saber se a democracia que temos é conforme com as definições em cima citadas? Duvido-eu!
A democracia deve ser um princípio que se inicia internamente no individuo, com um conhecimento sólido do seu sentido, adicionado com uma firme convicção dos seus princípios e valores para poder exteriorizar e viver como democrata. Falar da democracia é uma coisa, aceitar e pratica-la é outra. A maioria dos políticos que temos que se reclamam de democratas, são democratas circunstanciais, ou são fabricados pelo ocidente para defesa dos seus interesses. De todo isso segue-se o raciocínio seguinte, como temos uma democracia esvaziada do seu sentido clássico que os ocidentes reservam para os seus povos, temos também políticos vazios de democracia, daí que concluímos que temos uma democracia sem democratas.
Por: Abdou Jarju
Docente nas Universidades Jean Piaget e Colinas de Boé
Uma análise muito bem conceptuada baseado nos exemplos seculares, e no actual exercício da dita democracia em que o poder do povo está sendo posto em causa a essência da própria Democracia,.
Julgo que em África faltam estadista que comungam a essência da democracia para pôr em prática o seu instrumento, sob pena de estar a pôr outro sistema de governação que nada tem com a verdadeira democracia.
Fiquei hyper satisfeito vendo um académico a explicar o conteúdo da democracia e sem democratas.