[ENTREVISTA dezembro_2021] O deputado e porta-voz do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), João Bernardo Vieira, afirmou que a iniciativa de o líder do partido vier a apresentar-se para um terceiro mandato não será benéfico para o partido, muito menos para o próprio presidente do partido, Domingos Simões Pereira, que deve ser preservado para outros desafios. João Bernardo Vieira disse que cabe ao partido determinar esses desafios, dado que têm outras metas a atingir, os próximos embates eleitorais por exemplo, para decidir como vai trabalhar.
João Bernardo Vieira fez essas afirmações em entrevista exclusiva ao semanário O Democrata para falar da sua intenção de concorrer à liderança do partido libertador ou se vai apoiar a candidatura de Domingos Simões Pereira para o terceiro mandato, bem como da situação interna do partido, análise da situação política e governativa do país.
“Sou parte de uma reflexão coletiva dos dirigentes e militantes do PAIGC sobre o futuro do nosso grande partido para os próximos anos e muito em breve farei um posicionamento claro e inequívoco sobre esse assunto. O PAIGC é um partido sério, com uma ideologia muito forte e um projeto de sociedade que visa proporcionar o desenvolvimento aos guineenses”, disse, defendendo que o partido precisa de um diálogo permanente que possa mobilizar as bases para que o PAIGC atinja os objetivos que vierem a ser definidos.
Vieira fez duras críticas sobre a forma como o país está a ser governado neste momento, tendo afirmado que está-se perante uma “catástrofe de governação” que vai levar este país à ruína total, porque “cada dia que passa os guineenses reconhecem que viver já não faz nenhum sentido no nosso país. Os protagonistas políticos que estão no poder estão num concurso de quem consegue destruir mais rápido este país!”
O Democrata (OD): João Bernardo Vieira candidata-se à liderança do PAIGC no próximo congresso que se realiza no mês de fevereiro. Fala-nos da sua motivação e linhas mestras da sua candidatura.
João Bernardo Vieira (JBV): Estando a dois meses do Xº Congresso é natural que qualquer militante ou dirigente que se sinta preparado e que preencha os requisitos previstos nos estatutos se apresente como candidato à liderança do partido. Se eu sou candidato ou não, os militantes e dirigentes do PAIGC devem ser os primeiros a serem informados na medida em que considero que não deve ser necessariamente uma decisão individual, mas sim coletiva.
A verdade é que sou parte de uma reflexão coletiva dos dirigentes e militantes do PAIGC sobre o futuro do nosso grande partido para os próximos anos e muito em breve farei um posicionamento claro e inequívoco sobre esse assunto. O PAIGC é um partido sério, com uma ideologia muito forte e um projeto de sociedade que visa proporcionar o desenvolvimento aos guineenses.
É meu entendimento que, qualquer subscritor de uma moção de estratégia ao congresso, deverá trabalhar mais afincadamente para um PAIGC unido e para todos e desse modo federar os militantes e dirigentes em torno de uma visão que possa catapultar o partido para os lugares mais cimeiros deste país.
OD: Não tendo uma posição clara se vai ou não candidatar-se à liderança do partido, ainda pensa apoiar a candidatura de Domingos Simões Pereira para um terceiro mandato no partido?
JBV: Permita-me em primeiro lugar dizer-lhe uma nota pessoal sobre isso. Eu tenho uma grande estima e consideração pelo presidente do partido, Eng. Domingos Simões Pereira. Devo dizer que cresci politicamente ao lado do Eng. Domingos Simões Pereira e jamais me esquecerei disso… Ele é meu irmão ontem, hoje e será sempre o meu irmão mais velho.
A mesma motivação que me levou a participar na fundação de um projeto político que ele liderou há sensivelmente dez anos. A mesma motivação é que me leva a afirmar que um terceiro mandato não será benéfico para o partido e muito menos para Domingos Simões Pereira. Penso que o nosso presidente deve ser preservado para outros desafios…
OD: Quais são estes desafios que, doravante, o Eng. Domingos Simões Pereira deve encarar ?
JBV: Caberá ao partido determinar esses desafios. Temos outras metas a atingir. Temos ainda os próximos embates eleitorais e mediante isso o partido determinará como fazer.
OD Qual é a sua opinião sobre a situação interna no PAIGC. Que avaliação faz da liderança de Domingos Simões Pereira?
JBV: Como eu disse, tenho uma grande admiração por ele. Penso que tendo a possibilidade ou não de vir ser candidato, devo dizer que os problemas que o PAIGC tem vivido não são diferentes daqueles que os outros partidos vivem. Mas a verdade é que quando acontece com o PAIGC, ganha proporções maiores por se tratar do maior partido político na Guiné-Bissau e um dos maiores da África.
É normal que um partido com a dimensão do PAIGC conheça muitas vicissitudes, contudo entendo que é obrigação de qualquer chefe de fila trabalhar para promover permanentemente o diálogo entre todos os seus militantes no estreito respeito e cumprimento das regras do próprio partido.
OD: De 2015 a esta parte o PAIGC tem vivido crises internas. Em caso de vitória, como pensa fazer a reconciliação interna no PAIGC?
JBV: Penso que é fundamental promover o diálogo entre as partes. O partido precisa de um diálogo permanente que possa mobilizar as bases para que o PAIGC atinja os objetivos que venha definir.
OD: Há quem diga que o fracasso do partido nas eleições legislativas e presidenciais deveu-se à falta de empenho e dedicação dos dirigentes do PAIGC. Qual é a sua opinião? E o que deve ser feito para transformar o partido numa estrutura de massa como outrora era considerado?
JBV: É normal que se façam interpretações diversas sobre os resultados que o partido teve nos últimos embates eleitorais, mas também é preciso mencionar que o PAIGC nunca deixou de ser um partido de massas, a prova disso é que o partido foi vencedor das últimas eleições legislativas e continua a ser o partido com maior expressão popular na Guiné-Bissau.
OD: O partido caiu muito nos últimos tempos em termos de resultados nas eleições legislativas. Com a liderança de Domingos Simões Pereira, o partido saiu de 67 mandatos para 57 e depois desceu para 47. Que comentário oferece-lhe fazer sobre este assunto?
JBV: Isso é uma realidade política e o PAIGC até agora tem estado a trabalhar para encontrar respostas relativamente à esta situação. Mas temos que admitir que é o resultado das opções que nós fizemos. É o resultado das opções que o partido fez, portanto temos que aceitar as consequências das nossas ações.
OD: O partido não teme que a existência dos partidos como MADEM e PTG, criado recentemente, possa criar dificuldades ao PAIGC e levá-lo a perder mais deputados nas próximas eleições?
JBV: Acredito que o PAIGC depende única e simplesmente de si. Depende como vamos encarar os novos desafios, como vamos reorganizar o partido e sobretudo se as pessoas estão dispostas a rejuvenescer o partido. Penso que isso é extremamente importante para que continuemos a ser aquele partido que é a esperança e o farol do povo guineense.
OD: Enquanto porta-voz do partido, não tem tido um papel de destaque neste segundo mandato de Domingos Simões Pereira. Como explica esse seu afastamento, porque se remeteu ao silêncio?
JBV: Não houve afastamento nenhum. Houve sim crescimento. Penso que tenho estado ativo no parlamento a mandar corrente elétrica aos detentores do poder no país. Estou sempre disponível para quando for chamado pela comissão permanente do partido para defender as posições do partido e tecer considerações sobre a vida política e social do país. Portanto, não o interpreto como afastamento.
OD: Há quem diga que a sua relação com DSP não está boa. Tudo começou na indicação de dirigentes para a lista de deputados, onde ficou na terceira posição. Que comentário faz?
JBV: Eu, por princípio, não alimento especulações. Reconheço que cada um tem a liberdade de pensar da forma como bem entender! No entanto, devo dizer que estou na política e no PAIGC por convicção, não por este ou aquele cargo. Nós estamos para servir o partido e não para nos servirmos do partido.
Eu não faço parte daquelas pessoas que, quando não são opção da direção superior do partido, fazem uma tempestade num copo de água e arranjam trinta por uma linha. Nos últimos cinco anos não fui opção da direção superior do partido nos vários governos e nem fui cabeça de lista ao cargo de deputado, mas nunca ninguém me ouviu a reclamar.
Respeitei sempre a decisão da direção superior do partido. No entanto, penso que é importante realçar que no momento da conclusão da lista de deputados no Comité Central eu pronunciei-me, sim, nos órgãos do partido, e não foi debaixo de nenhuma mangueira. Alertei para os riscos de inelegibilidade que incorria o porta-voz do partido tendo em conta a posição difícil que ocupava na lista de candidatos a deputado.
Achei estranho que a pessoa que fala em nome do partido e de todos os militantes e dirigentes fosse relegada para uma posição de quase impossível eleição na lista, mesmo sabendo do contexto de promiscuidade entre a política e a justiça em que estávamos a viver colocando assim o porta-voz à mercê dos devaneios do detentor máximo da ação penal.
Toda gente sabia que o PAIGC, nos últimos anos, não elegeu mais do que um ou dois deputados no círculo nove. Ainda assim, trabalhei na região de Biombo de uma forma determinada tendo mobilizado todos os meios financeiros e humanos ao meu alcance.
OD: O que PAIGC os militantes do partido podem esperar nos próximos anos?
JBV: Penso que é importante que o PAIGC retome o seu devido lugar no cenário político nacional, ou seja, na Presidência da República, que continue na Presidência da Assembleia Nacional Popular e que reconquiste a chefia do Governo.
Para isso, esperamos um PAIGC rejuvenescido, com uma coesão interna reforçada, firmeza na defesa dos princípios democráticos e que valorize ainda mais o capital humano existente no seu seio. Não podemos continuar a usar as mesmas estratégias e esperar um resultado diferente. Temos que continuar a ser aquela esperança, aquele farol do povo guineense.
OD: PAIGC está atualmente na oposição. Que mecanismo pretende usar para levá-lo à vitória nas eleições legislativas para governar com tranquilidade até o fim do mandato?
JBV: A reconquista do poder depende única e simplesmente da nossa determinação e coesão interna no partido. Penso que é preciso ter coragem para rejuvenescer o partido, trazendo novos protagonistas com maior determinação e energia que lhes permita uma permanência mais assídua nas bases do partido.
A população precisa sentir o calor e a confiança que o PAIGC transmitiu outrora e que se foi desvanecendo. Por outro lado, há todo um trabalho que deve ser feito para se adotar um discurso político que se enquadre à realidade atual. Por fim, é necessário fazer alianças com outras forças políticas que defendem os princípios do estado de direito, da justiça e da democracia.
OD: Qual é a sua opinião sobre a atual situação política do país?
JBV: Estamos perante uma catástrofe de governação que vai levar este país à ruína total. Cada dia que passa, os guineenses reconhecem que viver já não faz qualquer sentido no nosso país. Os protagonistas políticos que estão no poder estão num concurso de quem consegue destruir mais rápido este país!
De repente dá impressão que este país está pior do que no início da abertura política. Muita gente perdeu a esperança de que um dia este país poderá ver o sonho de Amílcar Cabral realizar-se.
Temos que reconhecer que a Guiné-Bissau está a sangrar e todos nós temos a obrigação moral de estancar esta hemorragia.
Por: Assana Sambú
Foto: A.S
Meu caro, vc falou tudo. Um terceiro mandato não será benéfico para o partido nem para o próprio presidente em exercício. DSP, precisa de um repouso, contudo continua a ter uma massa significativa dos eleitores, mas o sistema ñ está disposto a colaborar, portanto, para dar razão a si e ao partido precisa de sacrificar a si mesma uma vez mais.
O PAIGC tem assuntos mais importantes a discutir e para se encontrar boas soluções neste momento. De importância nacional primeiramente e depois, para o Partido. Isso, para quem conhece a noção de “Saliência” política emprestada nas ciências políticas e sociologia política à psicologia cognitiva (Cif.: Bernard MANIN, 2012: 182-184, Príncipes du Gouvernement Représentatif, Champs/essais 347 p.); esse ‘quem’, não estaria cá a ter estes propósitos do género aqui tido pelo nosso jovem João Bernardo Vieira. Mesmo sendo candidato.
Porque estes propósitos só valem e levam ao reforço daquilo que se descreve nossos dias, nas ciências politicas ou sociologia política, etc., pelo conceito de efeitos perversos intrínsecos aos Regimes do Estado do Direito Democrático, realizados via atribuição da autoridade política pelas eleições. Efeitos perversos, que é: CLIVAGEM PARTIDÁRIA, decorrente da fragmentação/polarização pelo facto da imperatividade da realização de atos de competições eletivas, nestes Regimes, sempre baseadas em condições e normas da pluralidade dos concorrentes; que se desembocam sempre na criação, constituição e alimentação de grupos separados de votantes, muita das vezes, tornando-se perenes. Muito nocivo, se mal gerido (e é o que o camarada João Bernardo Vieira procede aqui nesta alocução; após camarada Lesmes na JAAC) a atual situação nacional e aos embates que a missão história do PAIGC confere a este Partido, exatamente, nesta atual situação e contexto que o nosso país se encontra.
Obrigado.
Que reine o bom senso.
Amizade.
A. Keita
Na minha modesta opinião gostaria que o próprio presidente DSP, toma- se está decisão de não se candidatar para o terceiro mandato, o terceiro mandato em qualquer organização traz bagunça. Obrigado
Mas o que é terceiro mandato no contexto partidário?
O terceiro mandato dentro de um partido político não é antidemocrático desde que os estatutos o permitissem.
No entanto, não devemos associar terceiro mandato num partido aos nossos interesses pessoais
Eis os exemplos: Angela Merkel, José Maria Neves no PAICV…
Portanto, é perfeitamente normal se os militantes acharem que o DSP reúne condições para defender o Partido.