
[REPORTAGEM 8-março-2022] As ativistas apontam o fator económico como um dos fatores de estrangulamento na vida política, económica e social das mulheres guineenses e exigem a revisão da lei de paridade aprovada que instituiu o teto de 36% para mulheres em lugares importantes de toma de grandes decisões. Criticam a discriminação que a mulher continua a enfrentar no campo político, derivado da forma como uma menina e um menino são educados na família guineense, o que acaba por refletir na vida matrimonial, social e política das mulheres.
“As mulheres trabalham duro quanto os homens, mas muitas vezes são discriminadas. Os pais criam os filhos de forma discriminatória, desde a infância, o que acaba por refletir na vida matrimonial, social e política das mulheres”, disse uma das ativistas.
Para a ex-combatente e dirigente partidária Francisca Pereira, não é fácil ser mulher e desempenhar grandes responsabilidades. Contou à repórter de O Democrata a sua experiência vivida na altura que desempenhava a função de Ministra do Interior nos anos 90.
“Podes ser bom quadro, ter capacidades para certas responsabilidades, mas vais ser sempre mal vista entre as mulheres ao invés de te apoiarem”, notou, revelando que já foi alvo de perseguição política como qualquer homem e presa por cumprir a sua responsabilidade política, mas não por ser uma mulher.
As ativistas afirmam que os homens guineenses não estão preparados para partilhar o poder com as mulheres e denunciam que o dever ou direito que uma menina goza numa comunidade não é o mesmo que um menino goza.
“HOMENS NÃO ESTÃO PREPARADOS PARA PARTILHAR PODER COM AS MULHERES” – PRESIDENTE DE RENLUV

Em entrevista ao jornal o Democrata, a presidente da Rede Nacional de Luta Contra a Violência Baseada no Género e Criança na Guiné-Bissau (RENLUV-GB), Aissatu Camará Injai, insurgiu-se contra essa atitude e disse que desde a luta da libertação nacional as mulheres deram provas de que são capazes de fazer o que os homens fazem em todos os aspectos.
“As mulheres trabalham duro quanto os homens, mas muitas vezes são discriminadas. Os pais criam os filhos de forma discriminatória, desde a infância, o que acaba por refletir na vida matrimonial, social e política das mulheres”, disse.
“O dever ou direito que uma menina tem ou goza não é o mesmo que um menino, mas somos nós que educamos assim os nossos filhos, porque assim fomos educados. Mas essa separação precisa ser banida, porque todos gozamos dos mesmos direitos e deveres aos olhos do Estado”, anotou.
Para Aissatu Camará Injai, essa discriminação faz com que a mulher sofra de vários tipos de violências sem se dar conta e julga que tudo é normal, o que realmente se passa em relação à separação dos gozos dos direitos e deveres.
“Há mulheres que acham que é normal o marido bater nela porque assim foi criada”, disse.
“Na política, a mulher batalha em pé de igualdade com os homens, mas quando se fala de nomeações são prejudicadas. Na escolha de candidatos a deputados nas bases, os homens alegam que as mulheres não têm competência para tal e são discriminadas”, criticou e disse que os homens não estão preparados para partilhar o poder com as mulheres, porque ” pensam que são os únicos que podem liderar e comandar”.
Para Aissatu Camará Injai, é possível ultrapassar essa barreira criada pelos homens, pela sensibilização, embora reconheça que os homens continuam, no campo político, a utilizar a mesma estratégia para travá-las.
A ativista criticou também a postura que as mulheres têm assumido contra os homens, tentando excluí-los às vezes das suas atividades. Realçou a importância da presença dos homens nas atividades das mulheres, principalmente quando se discutem situações de desigualdade e de discriminação, de forma a conscientizá-los de que têm os mesmos direitos e deveres e gozam das mesmas oportunidades.
Aissatu Camará Injai frisou que a mulher não acende muito no aspeto económico, porque para ascender nas atividades económicas a mulher precisa de um crédito bancário.
“Outro estrangulamento nítido é que a mulher não tem garantias ou outros bens para hipotecar, porque os bens estão sempre em nome do marido, razão pela qual as mulheres não têm conseguido fazer grandes negócios”, sublinhou.
Revelou que, de acordo com os dados estatísticos da sua organização, a violência mais frequente contra as mulheres é a psicológica, a física fica na segunda posição e na terceira a sexual que, segundo ativista, muitas vezes não é levada tão a sério, mas que está a ganhar força a cada dia na Guiné-Bissau.
Realçou a importância de a justiça funcionar face a essas violações contra as mulheres, caso contrário só vai continuar a incentivar e a promover a violência.
Aissatu Camará Injai considerou “fraca” a participação da mulher guineense na esfera de tomada de decisões e disse que a representação parlamentar das mulheres nas últimas legislativas é de 13 %, o que faz com que a mulher não esteja bem representada na esfera de tomada de decisões, acabando por obstaculizar a promoção do direito da mulher.
Por isso, a ativista defendeu que seja revista a lei da paridade, que institui a taxa de 36% dos 40% solicitados porque, segundo disse, a lei da paridade sem alternância fica fraca.
Pediu às mulheres a auto-afirmarem-se na política ativa, com responsabilidade e dar conta do recado para que não recebam tudo de bandeja, só pelo facto de serem mulheres, mas para merecerem e conquistar qualquer cargo de grande responsabilidade na esfera de tomada de decisões
EDINEUSA DA CRUZ CONSIDERA “POSITIVO” O DESEMPENHO DA MULHER GUINEENSE NA ESFERA POLÍTICA

Edineusa Lopes da Cruz, uma das vice-presidentes do Partido da Renovação Social (PRS), considerou “positivo” o desempenho da mulher guineense na esfera política, tem estado sempre ativa e porque também tem desempenhado funções de destaque e de grandes responsabilidades com firmeza e determinação, lutando sempre ao lado dos homens na conquista duma posição merecida.
Edineusa Lopes da Cruz destacou que desde a implantação da democracia na Guiné-Bissau tem-se registado muitas mudanças, com aderência de várias mulheres às diversas formações políticas, conquistando lugares cimeiros.
“Nós, as mulheres, da Guiné Bissau empenhamo-nos na conquista da igualdade de género. Demos o primeiro passo positivo em novembro de 2018, o parlamento da Guiné Bissau aprovou a lei da paridade de 36 %, mas deixou de incluir o princípio da alternância do Género”, informou. Contudo, enfatizou que os 36% constituem uma “mudança progressiva” da mulher guineense, mas não é uma mudança merecida.
“A mulher guineense precisa saber que não pode chegar à esfera de tomada de decisões só porque é mulher. Deve, sim, empenhar-se nas atribuições que lhe são confiadas para conquistar lugares cimeiros”, afirmou, para de seguida frisar que na política, as barreiras que enfrentam, vêm de todos os lados, uma situação que disse ser compreensível, porque “ter uma posição na esfera de tomada de decisões sem ter prós e contra, não faz sentido”.
“O importante é não desviar do seu objetivo”, disse e descreveu como interessante a sua caminhada política, porque é apaixonada por política e sua opção partidária.
FRANCISCA PEREIRA ORGULHOSA DO LUGAR CONQUISTADO PELA MULHER NO PAÍS

Francisca Pereira, veterana da guerra, disse estar orgulhosa da posição que a mulher guineense tem conquistado na esfera política e social, apesar de persistir ainda algumas tradições que constituem barreiras, para fazer valer a sua opinião e mostrar sua capacidade e responsabilidade nas esferas de decisões.
A combatente da liberdade da pátria lembrou que no início da mobilização das bases de guerrilhas, Amílcar Cabral demonstrou a importância da mulher para os objetivos da luta e depois dela.
Face aos desafios, disse Pereira, a algumas mulheres [incluindo a própria] foram incumbidas a responsabilidade de ajudar outras meninas e mostrá-las que a prioridade não era apenas os meninos, por isso foram formadas, capacitadas e foi-lhes atribuídas bolsas de estudo em diferentes áreas.
“A mulher é um suporte, é como pilar de uma casa porque é quem sofre com todo o peso, ela cuida dos filhos e do marido”, enfatizou.
Para a combatente e dirigente partidário, não é fácil ser mulher e desempenhar grandes responsabilidades. Contou à repórter de O Democrata a sua experiência vivida na altura em que desempenhava a função de Ministra do Interior nos anos 90.
Explicou que foi difícil fazer cumprir as ordens que dava aos comandantes e oficiais afetos ao ministério com patentes superiores ao dela e o mais difícil foi a guerra civil de 1998 que derrubou o governo.
Lembrou também que, quando foi a primeira Vice-presidente da Assembleia Nacional Popular depois da independência, enfrentou grandes desafios. Sublinhou que esses desafios não são iguais aos que as mulheres na política enfrentam atualmente, particularmente no aspeto económico, para a mobilização da sociedade e dos seus eleitorados.
“Agora o que conta mais na mobilização dos eleitores é dinheiro. Se não há financiamento, então a mulher acaba enfrentando grandes problemas para se eleger. Nós na altura o que mais pesava era a moral da mulher e a sua capacidade”, contou.
Francisca Pereira também não deixou de criticar as posições de algumas mulheres perante o empenho e determinação das suas colegas.
“Podes ser bom quadro, ter capacidade para certas responsabilidades, mas vais ser sempre mal vista entre as mulheres ao invés de te apoiarem”, notou, revelando que já foi alvo de perseguição política como qualquer homem e presa por cumprir a sua responsabilidade política, mas não por ser uma mulher.
A veterana de guerra frisou que na política, nem todos têm a mesma opinião e essas opiniões às vezes, acabam por criar desânimo, principalmente quando se põe em causa o bom nome da mulher e a sua capacidade e responsabilidade, o que faz com que muitas, por vezes, deixam de assumir alguns cargos de grande responsabilidade.
“Na altura aceitei assumir o cargo da Ministra do Interior com responsabilidade, porque tinha noção do que ali me esperava, não é nada fácil uma mulher assumir cargos que, por tradição, são ocupados por homens ou que à luz do pensamento da sociedade é para homens”, notou.
AMAE CONSIDERA ENCORAJADOR O EMPENHO DAS MULHERES NA ATIVIDADE ECONÓMICA

A presidente da Confederação de Mulheres da Atividade Económica, Antónia Adama Djaló, considerou encorajador o empenho das mulheres na atividade económica em comparação com alguns anos atrás. Esse impulso, segundo Antónia Adama Djaló, foi possível graças à sensibilização feita junto das mulheres, porque ” temos mulheres por quase todo o país a abrir pequenos negócios e a encará-los de forma mais séria”.
“As mulheres empreendedoras estão a expandir os seus negócios de forma séria e mais organizada, apesar das dificuldades que enfrentam no dia-a-dia e com falta de empréstimos bancários para impulsioná-las”, precisou, para de seguida sublinhar que antes, a mulher não se interessava pelos negócios, devido à influência cultural, onde o marido é quem sustentava a casa por ser sua responsabilidade e a mulher era limitada a cuidar apenas da casa, do marido e dos filhos.
“Mas essa realidade foi mudando, porque o homem, sozinho, não consegue garantir o sustento da família e a mulher como mãe começou a recorrer às pequenas vendas de mancarra, milho, sorvetes etc. E os anos foram passando a mulher ainda mais ousada a alargar o negócio, a procurar outro com maior lucro, o que lhe torna cada vez menos dependente do marido”, relatou Antónia Adama Djaló.
A ativista frisou que a maioria das jovens mulheres implicadas nas atividades económicas são estudantes ou formadas, enfatizando que as mulheres guineenses provaram suas importâncias no crescimento económico nacional, porque apesar de a maioria fazer comércio informal, pagam impostos ao Estado.
Neste sentido, realçou a importância de o Estado guineense investir nesse setor para garantir que as empreendedoras possam enfrentar os desafios que acabam por fazer com que desistam dessas atividades geradoras de rendimento.
“Por exemplo, nas diferentes prateleiras de grande número de lojas podemos ver produtos transformados localmente por mulheres, mas essas mulheres que transformam esses produtos pagam aos proprietários das lojas para vender os seus produtos. Pagam impostos e a comissão do dono da loja e se vão tirar todos esses custos, incluindo do próprio produto, vê-se que o investimento é maior que o lucro por isso os produtos às vezes são caros” explicou.
António Adama Djaló acusou o Estado de falta de sensibilidade em relação aos assuntos das mulheres e das organizações femininas. Tanto na busca de financiamento como na construção de fábricas de transformação de matéria prima como na produção de produtos derivados, um défice também verificado na disponibilização de meios para o abastecimento nacional em pescado, porque “são as mulheres que colocam e vendem o peixe no mercado”.
“A mulher é uma gestora, que se ocupa dos maiores encargos da casa e sustenta a família. Ela é sinónimo de sacrifício e às vezes sem querer acaba por abrir as mãos de muitas conquistas”, disse, enfatizando que é difícil conciliar a gestão de uma casa e um cargo de decisão e de muita responsabilidade.
Segundo Antónia Adama Djaló, a organização que lidera está a trabalhar na busca de fundos para a atualização dos dados relativamente às mulheres que fazem atividades geradoras de rendimento que, de acordo com os dados estatísticos, estão acima de 8 mil mulheres e duzentas associações, tendo exortado, no entanto, mais determinação da mulher para mudar o paradigma.
Por: Epifânia Mendonça