[REPORTAGEM_abril_2022] A escassez de combustíveis no país está a gerar uma “saga” nas bombas de abastecimento, desde o passado dia sete de abril. Há mais de uma semana que o país se vê confrontado com o problema da escassez de combustíveis, sobretudo a gasolina. Para se inteirar da situação e do que realmente se passa, uma equipa de O Democrata desceu ao terreno e registou, nos últimos dias, em diferentes estações, por onde passou, longas filas de viaturas e outros meios de transporte parados em direção às bombas à espera para abastecer.
Há mais de dois anos que a Guiné-Bissau não enfrenta o problema da falta de combustíveis no mercado, além de serem vendidos a preços acessíveis, sobretudo a gasolina que se vende no valor de setecentos (700) Francos CFA por litro.
TAXISTA: “CONSEGUIR COMBUSTÍVEIS TEM SIDO DIFÍCIL QUE NEM CAVAR OURO NA MINA”
Apesar de não se registar ainda uma subida dos preços dos combustíveis no mercado nacional, conseguir combustíveis, especialmente a gasolina, tem sido muito difícil. Alguns proprietários de transportes urbanos (toca-tocas e táxis) decidiram parar as suas viaturas por algumas horas ou até mesmo dias, já que perdem horas e horas nas filas para conseguir o produto.
“Nos últimos dias, conseguir combustível tem sido difícil que nem cavar ouro na mina”, disse um dos nossos entrevistados numa das estações de combustíveis de Bissau.
No interior do país, relatos indicam que a situação parece ser bem mais complicada, já que em Bissau o abastecimento de carros ocorre a conta gotas, embora corram rumores de que há orientações específicas dadas pelos gerentes aos funcionários dos postos de venda de combustíveis para restringirem a venda. As orientações, segundo um confidente de O Democrata, é que a venda não deve ultrapassar os dez mil francos CFA por viatura e foi proibida a venda a retalho ou 4 vasilhames.
Nos postos mais frequentados na cidade visitados pela repórter do nosso semanário, não havia gasolina em grande quantidade, apenas estavam a atender os clientes que queriam abastecer-se em gasóleo.
A estação da PETROMAR, situada ao lado das antigas instalações da RTP-África, frente aos Armazéns do Povo, não tinha gasolina disponível, apenas o posto ao lado do Ministério das Finanças estava abastecer gasolina para uma longa fila de viaturas. Com a “saga” de combustível, a PETROMAR restringiu a venda ao valor máximo de dez mil francos CFA, que corresponde a quinze litros de gasolina, e proibiu a compra em vasilhames externos, apenas servem os depósitos dos veículos.
Perante esta situação que persiste há mais de uma semana na Guiné-Bissau, as opiniões divergem entre gerentes, funcionários das estações de abastecimento de combustíveis e clientes quanto à origem da “crise”.
Alguns apontam a guerra entre a Ucrânia e a Rússia como origem do problema, outros nem por isso e dizem acreditar que a crise na Europa de Leste não tem nada a ver com a escassez do produto no mercado.
A nível da Europa, por exemplo em Portugal, já se regista também a escassez de combustíveis.
O gerente da PETROMAR de praça, Osvaldo Vieira, teve opinião contrária e garantiu que a sua estação está a funcionar e a vender normalmente o combustível, apesar do aumento da procura.
Osvaldo Vieira disse ao jornal O Democrata que o seu posto não corre nenhum risco de fechar as portas, porque está em condições de continuar a abastecer o mercado.
Vieira revelou ter dado instruções aos seus homens de posto para vender combustível com contenção para que o seu posto continue a ter a capacidade de abastecer os veículos que estejam nas filas e ainda poder vender nos dias seguintes, sem grandes constrangimentos.
“Por isso restringimos a quantidade. Dez mil francos CFA no máximo por cliente”‘, precisou.
No que tange à venda de gasolina em vasilhames, Vieira disse que é uma ordem expressa para vender apenas no depósito, porque tinham informação de que havia “pessoas – intrusas” que estavam a aproveitar-se da situação e compravam para revender a um valor de dois mil francos CFA por litro, nas periferias.
Outro gerente entrevistado pelo jornal O Democrata da estação Elton de Bandim, Leonel da Silva, frisou que apesar da escassez que está a assolar a Guiné-Bissau, o seu posto também não corre risco de fechar as portas, tendo assegurado que na próxima semana irão encher todas as cisternas de gasolina para servir os clientes.
Paradoxal ou não, quase todas as estações visitadas garantiram que não fecharão as portas por causa da escassez de gasolina, mas curiosamente estavam apenas a vender o gasóleo.
Da Silva afirmou que as tarifas estabelecidas pelo governo para o mercado nacional ainda continuam intatas, mas alertou que o mercado internacional poderá constituir futuramente um problema e condicionar o mercado nacional a inverter a tendência.
Neste sentido, o gerente defendeu que é preciso fazer um pequeno aumento do preço de venda dos combustíveis, devido às dificuldades que têm tido em obter combustíveis no mercado internacional.
CONSUMIDORES TEMEM QUE ESCASSEZ DOS COMBUSTÍVEIS AFETEM A ECONOMIA DOS CIDADÃOS
Interpelado pela equipa de O Democrata durante, o taxista Lamine Camará disse temer que a escassez de combustíveis venha a ter impactos maiores e imprevisíveis na dinâmica da economia do país, porque os combustíveis não servem apenas para abastecer os carros.
“Esta situação começou nos dias 5 e 6 de abril. Nesses dias, nas Bombas só atendiam pessoas que tinham senhas para abastecer e a situação foi se arrastando até chegarmos a este ponto”, explicou, para de seguida lamentar que a falta de combustíveis tenha prejudicado as suas atividades.
“Esta situação está a ser uma grande dor de cabeça para nós. O meu táxi está parado há três dias sem combustível, porque das vezes que vou às estações de venda de combustíveis para abastecer o meu carro, dizem que não há combustível”, lamentou o motorista, aflito.
Lamine Camará denunciou que algumas pessoas estão a aproveitar-se da situação para comprar combustíveis depois revendê-los ao preço de mil e quinhentos ou dois mil Francos FCF por litro. Camará contou que permaneceu mais de duas horas na fila sem conseguir combustível.
O taxista denunciou ainda ter visto, durante o tempo que permaneceu na fila de espera, alguns fardados aparecerem nas com jerricans, alegando que eram para carros dos comandantes.
“Chegam e estacionam os carros num sítio e depois dirigem-se às estações com jerricans para abastecer e depois revender o combustível aos terceiros”, denunciou.
Fábio António Gomes da Silva, um cliente daquele posto de combustível, alertou que se a situação prevalecer, irá quebrar o ritmo económico das pessoas e do país, porque “os combustíveis não são usados apenas para os carros. Há trabalhos e máquinas que dependem exclusivamente de combustíveis”.
Fábio António da Silva alertou ainda que se diligências não forem acionadas, a escassez poderá provocar o “caos”, já que diariamente as pessoas não se entendem e fez-nos o seguinte relato:
“O meu carro estava atrás na fila de espera, mas quando fui ver o que realmente se passava junto ao posto de venda, dei conta que havia confusão entre clientes por causa da gasolina e a situação era tensa, que ninguém queria voltar a parar com o depósito vazio ou com o carro na reserva”, contou.
Fábio da Silva confirmou a O Democrata que os gerentes restringiram aos clientes a quantidade que podiam comprar, que não ultrapassar os dez mil Francos CFA e nem se podia vender a gasolina em bidões.
“Alguns estão a ser vítimas de jogos dos funcionários do posto de abastecimento. Estão a vender o produto com base no conhecimento, já não estão a respeitar a ordem de chegada nem a vez de cada. Cheguei bem cedo juntamente com alguns, mas fomos desprezados em detrimento de conhecidos”, afirmou.
Por seu turno, Udja Sanca, que também é um cliente, é da opinião que a escassez de combustíveis poderá constituir um problema à vida dos cidadãos e tornar vagarosa a dinâmica económica do país, tendo sustentado que é um dos elementos fundamentais no processo do desenvolvimento.
“Se não tivermos combustíveis, não poderemos falar do desenvolvimento” acrescentou, lamentando que tenha ficado quatro dias sem gasolina.
Sanca aproveitou a ocasião para denunciar que nos mercados clandestinos de combustíveis já aumentaram o preço da gasolina para mil quinhentos francos CFA por litro. Contou também que um dia destes ficou na fila à espera sua vez por mais de três horas sem conseguir o combustível para o seu carro.
GOVERNO ANALISA COM “URGENCIA” PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS E BENS DE PRIMEIRA NECESSIDADE
Enquanto as opiniões divergem, o primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Nuno Gomes Nabian, esteve reunido na terça-feira, 12 de abril de 2022, com alguns ministros e outras entidades para analisar o aumento do preço dos combustíveis e dos produtos de primeira necessidade.
Em comunicado, divulgado na sua página oficial no Facebook, o primeiro-ministro refere que o Governo está atento “às consequências que podem advir da particular conjuntura internacional, como a guerra na Ucrânia e outros aspetos ligados ao comércio internacional.
Segundo o primeiro-ministro, o Governo tudo “irá fazer para atenuar a subida dos preços dos combustíveis, assim como vai tomar um conjunto de medidas para regular os preços dos principais produtos de primeira necessidade.
O presidente da Associação dos Consumidores de Bens e Serviços da Guiné-Bissau, Bambo Sanhá, alertou na semana passada que um eventual aumento dos preços dos combustíveis no país podia causar um “caos social”, depois dos aumentos dos preços dos bens de primeira necessidade.
Desde o início da pandemia da covid-19 que os preços dos bens alimentares têm vindo a aumentar na Guiné-Bissau, nomeadamente o peixe, a carne, a fruta, os vegetais, o pão, o óleo, o açúcar, a farinha e o arroz, a base alimentar dos guineenses.
A Guiné-Bissau importa quase tudo e está dependente das variações dos preços praticados nos mercados mundiais, que têm aumentado devido à crise energética e à guerra na Ucrânia.
“ESCASSEZ DA GASOLINA TEM A VER COM GUERRA ENTRE RÚSSIA E UCRÂNIA” – ECONOMISTA
O economista guineense, Santos Fernandes, afirmou que a causa principal e imediata da escassez da gasolina na Guiné-Bissau deve-se ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, argumentando que a Rússia é um dos maiores produtores do gasóleo, a nível mundial.
“Esse conflito poderá influenciar o abastecimento do petróleo no mercado internacional, e em consequência disto, termos também a rotura no abastecimento da gasolina. Se tomarmos em conta que estamos em plena campanha de comercialização da castanha de caju, eu penso que o efeito é imediato e transversal”.
O economista sustentou que o resultado será, porque “faltando a gasolina no mercado nacional, isso traz implicações imediatas em toda a dinâmica comercial, não se podendo falar do comércio sem a mobilidade e sem o transporte”.
Santos Fernandes lembrou que se regista uma inflação no país, ou seja, a subida generalizada de preços de bens essenciais no mercado.
Para Santos Fernandes, a inflação no país é “contra cíclica”, na medida em que, havendo a inflação o preço aumenta, o que vai reduzir as poupanças das famílias e que, havendo a redução nas poupanças das famílias, isso impacta no seu poder de compra e traz efeitos quer para as empresas, assim como para a capacidade de o Estado arrecadar.
Segundo Santos Fernandes, quer a escassez da gasolina quer a inflação que se verifica neste momento no país são reflexos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
“Repare que a nossa inflação é importada, porque nós não produzimos, não somos autossuficientes em termos de bens essenciais, de forma que, havendo crises a nível internacional, acabamos por importar essa inflação que acaba por refletir-se na nossa dinâmica económica, se bem que há mais de 20 anos que temos a inflação controlada, porque cumprimos a política de convergência da UEMOA que não permite que a inflação ultrapasse os 3%” insistiu.
Por: Djamila da Silva/ Tiago Seide
Foto: D. S