SAUDANDO 25 DE ABRIL E UM APELO À SOLIDARIEDADE

A(os) democratas de Portugal, aqueles e aquelas que hoje celebram 48 anos da histórica vitória revolucionária sobre o regime fascista e colonialista que durante outros 48 anos manteve o povo português e os povos das colónias sob as suas ordens ditatoriais, as minhas saudações fraternais e votos que não faltem forças pela preservação e reforço dos valores da LIBERDADE conquistada num dia como este, em 1974.

Já não é pouco o que se escreveu e se disse sobre o papel determinante que a derrota do colonialismo português em África, particularmente na Guiné(-Bissau), teve para o triunfo da Revolução dos Cravos. Não venho reclamar qualquer retribuição do povo português ao povo guineense por esse feito. 

Mas tal como Amílcar Cabral, que acreditava na importância das resistências ao fascismo em Portugal para o fortalecimento da luta pela independência na Guiné, acredito na genuína preocupação que muitos/as portugueses e portuguesas manifestam sobre cada acontecimento das recorrentes instabilidades políticas na Guiné-Bissau.

O meu país vive, hoje, a era de maiores ameaças às parcas conquistas do seu povo em três décadas de democratização. 

Adversários e partidos políticos opostos ao regime perseguidos; sujeitos com vozes contrárias aos desejos de instauração  de autoritarismo raptados e espancados; uma rádio com linha editorial que privilegia a opinião de cidadãos e cidadãs sobre a vida do seu país destruída por rajadas de tiros duas vezes em menos de dois anos; instituições de justiça usadas para perseguição de partidos e adversários políticos. Tudo isto justificado pelo regime de terror instaurado na Guiné-Bissau como sendo “actos isolados” de “pessoas desconhecidas”, contrariando relatos das inúmeras vítimas destas ondas de violência gratuita, que informam terem sido agredidas por gente fardada com uniformes de instituições com responsabilidade de garantir segurança à população. Aliás, algumas destas agressões aconteceram no quintal do Palácio da Presidência da República, afirmam algumas vítimas perante o silêncio total dos responsáveis da instituição, o que só reforça a certeza de estarmos em tampos de assombro e de insegurança total no nosso país.

São as liberdades democráticas expostas ao mais profundo sentido de perigo e que visam a eliminação do contraditório e de livre opinião sobre a nossa vida, no nosso país. Porém, entre as estratégias do regime instalado no poder na Guiné-Bissau para confundir a opinião pública nacional e, sobretudo, internacional, conta o que os seus agentes chamam de “diplomacia agressiva” e para o sucesso da qual contam muito com a colaboração das autoridades políticas portugueses, cujas principais figuras, infelizmente para a democracia guineense, têm assegurado esse papel a um regime com muitas características semelhantes daquele que portugueses/as celebram hoje o seu derrube.

Tenho a noção de que a complexidade de factores que caracterizam as disputas políticas na Guiné-Bissau podem dificultar as mais genuínas intenções de solidariedade internacional a se expressarem. Por isso, caras e caros portuguesas/es que se revêem nas conquistas de Abril de 1974, o meu apelo não é no sentido de tomarem partido de uma ou outra das alas em disputa no meu país. 

Nem é para substituição do povo guineense que tem resistido aos desejos de instituição de medo no país dentro das possibilidades que o contexto lhe permite. É, sim, um apelo no sentido de interpelarem as autoridades políticas portuguesas, em cada ocasião possível, por todos os meios necessários e ao vosso dispor, a não se limitarem a visitar a Guiné-Bissau para discursos que se inscrevem na lógica de fortalecimento da ditadura a ser forjado pelo regime no poder, mas para sobretudo condicionarem as suas relações com o mesmo regime pelo respeito à dignidade humana e às liberdades democráticas aceites pelo Estado da Guiné-Bissau e que hoje Portugal celebra. Que o Presidente da República e Primeiro-ministro de Portugal não se limitem a condenar alegadas tentativas de golpe de Estado contra os protagonistas do regime de terror na Guiné-Bissau, mas que se lembrem igualmente de condenar actos de mesma natureza de gravidade praticados pelo mesmo regime que conta com as suas colaborações diplomáticas para a sua propaganda populista no país e fora dele.

Àqueles/as que têm expressado essa solidariedade para com o povo da Guiné-Bissau de várias formas, quero dirigir o meu singelo agradecimento e recordar que esses gestos são importantes para a denúncia das atrocidades que têm acontecido no meu país e para a construção do caminho pelo fortalecimento da sua democracia. Àquelas/es que se sentem hesitantes em fazer o mesmo, o meu apelo é único: cada gesto a questionar as autoridades políticas de Portugal sobre o que pensam do seu regime amigo que na Guiné-Bissau distribui violência de forma gratuita a cidadãos indefesos, é uma grande ajuda para o desmantelamento da “diplomacia agressiva” com que tenta ofuscar a agressão que exerce sobre as vozes que não se alinham na sua lógica absolutista.

Lisboa, 25 de abril de 2022

Por: Sumaila Jaló – ativista e professor 

que só não volta para a Guiné-Bissau para continuar a servir pelo seu progresso social, porque se expressa contra a ditadura que nele é instaurado pelo regime a ser denunciado aqui e porque o seu destino seria igual a de muitos guineenses: raptado e espancado por “pessoas desconhecidas”, mas fardadas e armadas.

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