Covid-19: EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL LAMENTAM “QUEDA BRUSCA” EM MAIS DE 50 POR CENTO DAS RECEITAS DE PUBLICIDADES

[REPORATAGEM_maio-2022] A pandemia da covid-19 que faz dois anos que assola a Guiné-Bissau e o mundo, não afetou apenas o setor sanitário, como também os setores socioeconómicos, em particular as empresas de comunicação social privadas guineense.

Relatos recolhidos pelo jornal O Democrata revelam que, pelo menos, registou-se uma baixa em mais de 50 por cento nas receitas de publicidade, anúncios e outros serviços, o que agravou ainda mais a situação financeira desses órgãos, criando mais dificuldades no seu funcionamento, na produção de conteúdos noticiosos e informativos, no pagamento de salários e até na contratação de analistas ou ativistas para dar suporte aos programas emitidos nesses órgãos.

De acordo com os dados fornecidos pelo Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social (SINJOTECS), há, por outro lado, um registo de jornalistas infetados pela Covid-19.

Sobre esta matéria, O Democrata esteve nas Rádios Jovem, Voz de Quelelé, Sol Mansi, Pindjiguiti e no Jornal Última Hora para se inteirar do impacto da doença, da liberdade de imprensa e de expressão. Nas opiniões recolhidas, a maior parte disse que a situação dentro das empresas que era “desastrosa” agravou-se ainda mais, tendo em conta os sucessivos estados de emergência, de calamidade e de alerta decretados pelas autoridades do país.

RÁDIO JOVEM: “SITUAÇÃO FINANCEIRA AFETA PRODUÇÃO E RECURSOS HUMANOS  DA RÁDIO JOVEM”

O administrador da Rádio Jovem, Olívio Mendonça, revelou que a Covid-19 afetou financeiramente a Rádio Jovem, o que acabou por refletir-se na produção e na dinâmica dos recursos humanos.

“Antes da Covid-19, arrecadávamos um valor que assegurava a produção, mas depois esse valor baixou e afetou toda a produção. As rádios funcionam apenas com recursos humanos temporários, que também foram vítimas da pandemia, razão pela qual baixamos o preçário dos nossos serviços”, frisou e disse que a emissora só não parou porque conseguiu manter a sua linha e porque também funciona num regime de voluntariado.   

Apesar dos constrangimentos vividos em tempos da pandemia, Olívio Mendonça assegurou que a sua instituição não mandou ninguém para casa.

“Todos os funcionários são voluntários. Quando há algum incentivo, partilhamo-lo. Não temos vínculos contratuais, mas se tivéssemos a situação seria muito mais complicada, também porque optamos por uma administração transparente, o que acabou por ajudar muito a gerir as consequências da covid-19, especialmente a componente financeira” contou.

Para Olívio, a situação das rádios da Guiné-Bissau é o reflexo da situação desestruturada da sociedade guineense, porque “quando se tem uma sociedade muito evoluída acabamos por sermos exigentes e isso obriga qualquer instituição a rever as suas ações”.

Segundo Olívio Mendonça, em termos estruturais, os órgãos continuam a ter grandes dificuldades, porque não há descentralização dos departamentos.

“Por exemplo, na rádio jovem, o departamento de marketing continua a ser da responsabilidade exclusiva da administração” notou, defendendo que fosse desmembrado e que passasse a funcionar como parte da redação ou a direção de programação, etc.

“O incentivo de que falei varia de acordo com a receita recolhida, e não é dado com regularidade, porque o mercado é pobre”, disse.

Em relação à decisão do governo, que exigiu a renovação das licenças de radiodifusão, Olívio confirmou que a rádio jovem tem conhecimento do despacho do governo emitido em 2017, que determinava a renovação das licenças de radiodifusão, contudo, admitiu que a rádio não cumpriu o pagamento mensal de 250 mil francos CFA, para a categoria da rádio jovem, por isso ficou três dias sem emitir.

Defendeu que é necessário rever o despacho do governo, porque o Estado não subvenciona os órgãos de comunicação social privados, embora estas “prestem serviço público”.

“Assim que tomamos conhecimento das exigências, através de uma notificação de encerramento num prazo de 72 horas, caso não cumpríssemos a nossa obrigação, procuramos informações que nos tinham dado, no prazo de 72 horas, agilizamos o processo de pagamento, agora estamos regularizados de acordo com o despacho”, afirmou.

Relativamente a situação da liberdade de imprensa e de expressão no país disse que estes são um dos pilares essenciais da democracia e do estado de direito, que  não são dados, mas sim direitos que cada cidadão deve gozar.

“Na Guiné-Bissau, a liberdade de imprensa e de expressão não é observada, porque o nível de avanço do Estado guineense dificulta que os dirigentes aceitem vozes críticas, o que leva às restrições”, salientou, para de seguida afirmar que “não podemos compararmo-nos aos outros países da sub-região, devido ao nosso nível de desenvolvimento, o que nos coloca cada vez mais numa posição de um país muito pequeno”.

Segundo Olívio Mendonça, os guineenses apenas conseguem expor as suas ideias , sentimentos ou fazer críticas nas redes sociais, porque também não há uma lei que controla as plataformas digitais no país.

DIRETOR DA VOZ DE QUELELÉ CLAMA POR APOIO ÀS RÁDIO COMUNITÁRIAS

 O diretor da rádio Comunitária Voz de Quelelé, Mamadu Mané, considerou “precária” a situação dos órgãos de comunicação social da Guiné-Bissau, particularmente as rádios comunitárias.

Mamadu Mané defendeu que é necessário apoiá-las, caso contrário as comunidades e as regiões ficarão às escuras, porque não têm meios financeiros e recursos humanos para a sua sustentabilidade, razão pela qual muitas já encerraram as suas portas.

“Muitas rádios comunitárias fecharam as suas portas porque não têm emissoras e outros materiais. Vivem apenas de pequenos projetos”, lamentou e disse que a rádio Voz de Quelelé está a funcionar a meio gás.

Mamadu Mané disse a pandemia da covid-19 piorou a situação em que se encontravam as rádios comunitárias, salientando que no período da pandemia, a Voz de Quelelé ficou quase paralisada, sem pessoal e a direção foi obrigada a suspender alguns programas que até ao momento não forma retomados.

“Graças a parceria com o Alto Comissariado para Covid-19, conseguimos sustentar programas de sensibilização sobre o coronavírus. A rádio tem apenas uma motorizada, que foi dispensada para do boletim epidemiológico da Covid-19”, contou.

Segundo disse, as receitas nem sequer conseguem cobrir a despesa da eletricidade, reportagens e outros setores.

Para Mamadu Mané,  a liberdade de imprensa e de expressão está “muito ameaçada” na Guiné-Bissau,  devido à implementação de um novo sistema pelo atual governo.

“Quando o Estado ordena encerramento até das rádios comunitárias, é uma tentativa de limitar a imprensa, condicionando assim a liberdade de expressão”, referiu.

JORNAL ÚLTIMA HORA: “COVID-19 VEIO APENAS PARA AGRAVAR UM PROBLEMA DETERIORADO”

O administrador do Jornal Última Hora, Sabino Santos, considerou a imprensa guineense “parente pobre”, por ser desvalorizada devido à “ignorância e à incompetência” de algumas pessoas, principalmente a classe política.

“É  tida como  último plano. A Covid-19 veio apenas agravar um problema que já se encontrava deteriorado”.

“Temos que aceitar que a situação dos órgãos de comunicação proliferou, devido ao modelo de fazer política de baixo nível que inclui tratar a imprensa de uma forma pejorativa. A Covid-19 não é o principal motivo de a imprensa guineense afundar-se, apesar de ter contribuído para agravar a situação”, disse, apontando a falta de subvenção aos órgãos da comunicação social, a falta de materiais para produção dos jornais como alguns dos fatores de estrangulamento ao desenvolvimento do setor.

Para Sabino Santos, além dos políticos, algumas instituições desvalorizam também o papel da imprensa, particularmente os jornais, ignorando algumas regras básicas estabelecidas na lei, lembrando que até 2010, os jornais eram a via mais utilizada para a veiculação de informações, mas foram substituídos pelas vitrines institucionais e redes sociais, sendo que os anúncios oficiais já não publicados nos jornais.

O jornalista disse ser difícil sobreviver de um jornal privado na Guiné-Bissau, por isso exigiu o Estado a criar condições,  valorizar os órgãos de Comunicação Social e subvencioná-los para a sua sustentabilidade

“A imprensa escrita guineense está numa morte paulatina, porque apenas funcionam dois, dos doze  registados oficialmente. A escrita é saber. É preciso resgatar a imprensa escrita e tornar a leitura um hábito”, realçou Sabino Santos.

Disse que as vendas dos jornais reduziram-se drasticamente, concluindo que, a nível nacional, dos três jornais que funcionam atualmente, não ultrapassam duzentos exemplares.

“O Democrata, por exemplo, chegou a vender exemplares a 100 francos CAF, mas o volume de venda não aumentou, se calhar diminuiu. O que demonstra um desinteresse por saber e pela leitura. E esse desinteresse trará consequências no futuro”, disse.

Para Sabino, uma pessoa que lê jornais tem mais ideias concebidas dos que as que não leem, contudo, admitiu que ainda há uma pequena compensação, caso contrário todos os jornais em ativo estariam fora das bancas

“A compensação pode não ser na dimensão esperada, mas há, porque ainda há instituições que continuam a procurar os serviços dos jornais. Como se sabe os jornais vivem de anúncios e publicidade”, disse.

Segundo Sabino Santos, na produção do jornal Última Hora, semanalmente a despesa é de aproximadamente cento e doze mil francos CFA. E a sua massa salarial não ultrapassa os 750 mil, de um total de 12 funcionários e varia entre trinta e 150 mil francos CFA.

Para Sabino, isso revela uma paixão pelo trabalho da parte dos funcionários, porque o trabalho não tem rentabilidade, embora os pagamentos sejam recorrentes.   

“Não há liberdade de imprensa e de expressão, porque há perseguições e agressões aos jornalistas, ataques às rádios orquestrados pelo atual poder político. No passado fui uma das vozes que dizia que havia liberdade de imprensa, mas hoje digo o contrário, pelo facto de agora a forma de contrariar um jornalista é atentar contra a sua pessoa”, disse.

Para Sabino Santos, o despacho que exige renovação de licença é uma forma de restringir a liberdade de imprensa.

“Não é sério, é deliberadamente para restringir a liberdade e há alvos selecionados. E o mais triste veio de uma pessoa que conhece a real dificuldade que os órgãos de comunicação social enfrentam”, disse.

RÁDIO PINDJIQUITE: DEFENDE DEFINIÇÃO DE NOVAS ESTRATÉGIAS PARA TORNAR SETOR ATRATIVO

“O diretor de informação da rádio Pindjiquite, Tiano Badjana, defendeu a definição de novas estratégias   para mudar a situação e condições de trabalho e tornar o setor mais atrativo para garantir um “jornalismo profissional”.

Para Tiano Badjan, manter uma rádio em funcionamento exige muito trabalho, porque as despesas assumem quase tudo, nomeadamente as deslocações dos repórteres, a eletricidade, o arrendamento, os salários e outras despesas.

Para Badjana, a pandemia de covid-19 piorou ainda mais a situação da rádio Pindjiquite. Principalmente no período do estado de emergência, afetando o setor publicitário, consequentemente, o funcionamento da rádio.

“No nosso caso, a parceria com o Alto Comissariado para a Covid-19 ajudou-nos, razão pela qual não tivemos dívidas com os nossos funcionários. Não é nada rentável, mas trabalhamos mesmo por paixão”, disse.

COVID-19 OBRIGADA SOL MANSI A BAIXAR O SEU PREÇÁRIO EM 60 POR CENTO

O diretor da rádio Sol Mansi, Casimiro Jorge Cajucam, considerou “grandes patriotas as empresas de comunicação social na Guiné-Bissau”, particularmente as privadas, porque a maioria dos profissionais que trabalha nos órgãos de comunicação social, fá-lo por paixão.

“Os órgãos da comunicação social deparam-se com grandes dificuldades, porque o mercado é muito fraco para sustentar uma empresa desse cariz e porque também quase todos eles têm os mesmos parceiros que solicitam os seus serviços”, precisou e disse que esses fatos tornam as empresas e seus profissionais “vulneráveis” à manipulação política.

“Porque se uma pessoa não conseguir deixar algo para refeição em casa e lida quase todos os dias com políticos, facilmente será manipulada”, salientou

Questionado sobre o impacto da Covid-19 no seu órgão, Casimiro explicou que com a pandemia a situação ficou mais uma agravante. O mercado de publicidade e de anúncio fechou, o que fez com que alguns órgãos não conseguissem garantir a segurança dos seus profissionais perante à doença da covid-19.

“Os nossos governantes gostam de ver os órgãos a viverem na situação de precariedade, para poder manipular os profissionais de imprensa, mas esquecem-se que isso vai contribuir apenas para uma sociedade mais intoxicada, ameaçando a paz e a estabilidade”, frisou.

Casimiro explicou que sua instituição sentiu o impacto da Covid-19, mas numa proporção menos agressiva em comparação com as outras rádios, graças à sua política de resiliência junto dos parceiros internacionais, através de projetos que acabaram por assegurar as suas despesas, apesar de terem registado uma queda na angariação normal das receitas internas, numa ordem de 7,3 por cento, no primeiro ano da Covid-19 e no segundo trimestre do segundo ano.

“Tivemos sete jornalistas infetados, mas graças à parceria internacional conseguimos assegurar a alimentação e outras assistências. Conseguimos também assegurar o salário e as regalias. Sentimos mais o impacto psicossocial, baixa considerável na produção de conteúdos noticiosos e informativos e a baixa na recolha das receitas internas”, disse.

Contou que, das autoridades guineenses, o único apoio recebido foram kits de máscaras, no quadro da solicitação feita pela sua instituição ao alto comissariado para Covid-19 e também estabeleceram uma parceria de prestação de serviço com o AC, lamentando que tenha sido obrigado a baixar tarifários até 60 por cento, durante os momentos mais críticos da pandemia.

Relativamente ao despacho que exige a renovação de licenças, Casimiro informou que a Rádio Sol Mansi, a cada ano recebe uma notificação de renovação de licença e neste ano receberam uma notificação de pagamento de renovação de licença num prazo de sete dias.

“Ignorar uma exigência do Estado não é a melhor maneira de resolver problemas e até porque tem poder de mandar fechar”, notou, sublinhando que a intenção do governo não era apenas exigir o pagamento, mas controlar e fazer uma seleção das rádios que quer que funcionem

Para Casimiro Cajucam, a liberdade de imprensa na Guiné-Bissau está ameaçada porque exige acesso à informação.

O diretor da Rádio Sol Mansi pediu mais tolerância, união no seio dos jornalistas, e evitar veicular formações “de blocos” de pros ao regime, bloco contra ao regime e os blocos de “os acima do muro” que, segundo disse, está a ser bem notável, a cada dia no país através dos programas.

“É um fato muito perigoso para o futuro da profissão na Guiné-Bissau”, alertou.

Por. Epifânia Mendonça

Foto: E.M

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