O Parlamento Nacional Infantil da Guiné-Bissau (PNI) pediu a atualização do currículo escolar para adotar o país de novos conteúdos que possam permitir aos estudantes guineenses acompanhar a evolução dos países da sub-região e do mundo. O pedido foi avançado por Leoni Dias, presidente do Parlamento Nacional Infantil, que defendeu também o aumento da carga horária nas escolas públicas, das 08 horas às 18 horas.
O presidente do PNI Considera “alarmante” a situação dos direitos das crianças no país, tendo revelado que nos últimos tempos têm vindo a aumentar os casos de violência sexual contra as meninas. Denunciou que de janeiro a abril de 2022, foram submetidas ao casamento precoce e infantil 22 meninas menores na região de Gabú.
LEONI DIAS: “ESTADO É O MAIOR HIPÓCRITA E INFRINGIDOR DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS GUINEENSES”
O ativista responsabilizou os políticos guineenses pelo aumento de violência contra as crianças e disse que deveriam ser os primeiros a desencorajar atos que violam os direitos dos menores, mas “são eles que promovem esses atos”. Exortou neste particular que é preciso o engajamento da sociedade em geral para fazer face às problemáticas que assolam os menores.
Na entrevista ao jornal O Democrata, denunciou que as recomendações que o PNI tem produzido em relação a diferentes situações e formas de violência contra menores e entregues ao Estado da Guiné-Bissau, nomeadamente a educação, saúde e proteção das crianças não são levadas em consideração.
O presidente do parlamento infantil acusou os sucessivos governos de falta de vontade em criar políticas para garantir os direitos das crianças guineenses. Foi ainda mais longe, afirmando que os deputados da nação não se interessam em discutir as problemáticas que assolam os menores.
Dias sublinhou que é dever do Estado dar proteção às crianças. Lamentou neste particular que o Estado seja o maior hipócrita e infringidor dos direitos das crianças, bem como não tem aplicado a lei contra pessoas que violam os direitos das crianças.
“Uma pessoa comete crime e o caso é levado à judicial, a justiça não funciona. Temos vários casos em que os acusados foram condenados e os processos transitados em julgado, mas continuam a andar livres” exemplificou, para de seguida acrescentar que a educação precisa estar munida de um ambiente escolar que facilite a aprendizagem dos alunos, tenha professores qualificados e promova a construção de novas infraestruturas escolares.
“Depois da independência, o país não foi capaz de construir escolas e as infraestruturas escolares que temos foram construídas por organizações parceiras” lamentou, manifestando a sua tristeza no que tange à ignorância de muitas crianças guineenses da data de 16 de junho, em que se comemora o dia internacional de criança africana.
O ativista frisou que 16 de junho não deve ser apenas uma data de festa, mas também uma data que deve servir para o Estado, as organizações da sociedade e a sociedade em geral pensarem novas políticas que possam ser adotadas para que as crianças tenham efetivamente os seus direitos em pleno gozo.
“Devemos, todos em conjunto, procurar soluções para alguns comportamentos que põem em causa o futuro e o bem-estar das crianças guineenses”, defendeu.
Leoni Dias aconselhou os pais e encarregados de educação a investirem mais na educação e cultura africana, para que isso possa criar um sentimento de pertença nas crianças às suas raízes.
O presidente do Parlamento Nacional Infantil disse que as crianças são abandonadas, porque em grande parte não existe uma lei de paternidade que obrigue o pai ou a mãe a cuidar dos menores em situação de divórcio.
REDE DE CRIANÇAS JORNALISTAS DIZ QUE A SITUAÇÃO DOS MENORES PIOROU
O presidente da Rede de Crianças Jovens Jornalistas, Vladimir Cuba, disse em entrevista ao jornal O Democrata que a situação das crianças guineenses está pior e frisou que o contexto da crise que se vive a nível mundial tem afetado a vida das crianças no país.
O ativista indicou que a crise alimentar sempre fez parte da vida das crianças guineenses e que nos últimos tempos tem-se aumentado a subida “drástica” de preços dos produtos da primeira necessidade no mercado nacional, sem nenhuma estratégia do governo para diminuir o seu impacto.
“Temos um mercado falhado. O país admitiu a economia de mercado com sujeitos económicos com base no jogo entre a oferta e procura. O Estado ficou de fora, vendo tudo isso acontecer sem reagir, o que acaba por refletir na vida das crianças cujos pais não têm um salário mínimo sustentável”, frisou.
Cuba alertou que todos esses problemas podem deixar muitas as crianças passar fome e as consequências recaem mais nas meninas, que são enganadas e seduzidas por mais velhos, por terem meios financeiros ou melhores condições de vida em troca são abusadas sexualmente, tal o fenómeno “catorzinhas”.
“Muitas pessoas más usam o termo catorzinha para esconder o que fazem, o mais triste de tudo isso é que a sociedade tornou legal o termo e foi normalizado, quando na verdade é resultado de pobreza multidimensional que enfrentamos dia a dia. Isto, sim, é uma situação de assédio sexual contra as meninas”, criticou.
Vladimir Cuba referiu que a educação continua a ser um problema na Guiné-Bissau, defendendo que é preciso repensar o sistema educativo, a começar pela criação de condições aos professores para que possam garantir um normal funcionamento das aulas, sem interrupções nem greves.
No que tange à saúde, o ativista disse que nos últimos tempos os preços de medicamentos têm subido nas farmácias, tudo por desculpa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas “o Estado não tem feito nada para que isso não afetasse ou não tivesse, pelo menos, menor impacto na vida da população”.
De acordo com Vladimir, o Estado deveria baixar as taxas e os impostos para permitir que os preços sejam adequados aos produtos, frisando que o setor dos transportes é uma prova de que muitas crianças podem não continuar a estudar, porque “as que gastavam 400 Francos CFA diários no transporte, agora vão passar a gastar 800 Francos CFA.
“Imagine um pai de quatro ou mais filhos que tem um salário de 50 mil Francos CFA como é que pode garantir educação aos filhos, sem contar com a subsistência e saúde? Isso pode repercutir-se nas taxas do abandono escolar”, disse.
O presidente da RCJJ afirmou que daqui a mais anos, se a situação se mantiver, a sociedade guineense terá um grande número de pedintes, sobretudo de crianças.
Vladimir Cuba disse que a ideia ou a lógica de celebração da data 16 de junho foi de criar um espaço de chamada atenção à liderança africana sobre a realidade tradicional africana e os continuadores dos projetos de desenvolvimento da África.
Vladimir Cuba disse que a responsabilidade da divulgação desta data de 16 de junho cabe a todos, mas sobretudo ao Ministério da Educação, porque deve fazer parte do currículo escolar. Disse que a divulgação desta data deve constituir uma agenda das organizações que trabalham no domínio dos direitos das crianças.
Criticou as autoridades que tornaram a data numa festa de propaganda, para comprar presentes para as crianças.
Para Vladimir Cuba, um dos desafios que deve ser superado para acabar com a situação de violência contra as crianças é fazer funcionar o setor da justiça e equipar as entidades colaboradoras do sistema judicial.
“Se as pessoas que violam os direitos das crianças ou menores não são traduzidas à justiça, essa omissão acabará por servir um incentivo para outras pessoas. Até um certo ponto a repressão é um meio de prevenção” afirmou.
Vladimir Cuba disse que é preciso criar um dispositivo de segurança forte em todas as regiões do país que seja suficiente para dar respostas às necessidades da problemáticas face à violência contra as crianças.
O presidente da RCJJ revelou que a sua organização acompanhou um caso de violação que envolveu um militar, mas num dado momento o tribunal informou-nos que o processo perdeu-se, ainda assim “continuamos a trabalhar até recuperarmos o número do processo, mas infelizmente até ao momento não conseguirmos ter nenhuma resposta”.
“Acompanhamos vários casos de violação até ao tribunal, mas poucos foram solucionados”, lamentou.
No que se refere à situação das crianças abandonadas ou que vivem fora dos lares dos pais, Vladimir Cuba disse que a sua organização trabalha mais na identificação das crianças nessas condições, contudo, afirmou que a Rede mantém contatos pontuais com os lares de acolhimento, sobretudo AMIC e a Casa Amparo.
“Se há uma situação dessa natureza que possa interessar as partes, procuramos estabelecer contatos com os lares de acolhimento, mas praticamente não existe nenhum acordo formal com nenhum desses lares de acolhimento”, explicou.
Segundo Vladimir Cuba, os trabalhos realizados pela Rede permitiram o acolhimento de algumas crianças pelos lares de acolhimento. O ativista afirmou que a RCJJ tem uma comissão que dá seguimento, duas ou três vezes por ano, à situação das crianças nos lares.
“As visitas são relâmpagas para não permitir que as crianças sejam higienizadas e bem arrumadas. Aliás, isso permite-nos ter informações reais do dia a dia dessas crianças”, disse.
“As crianças chegam ao ponto de serem abandonadas pelos próprios progenitores mais por fenómeno de criação. Muitas vezes os pais que estão no interior acreditam que as oportunidades de vida só se encontram na cidade e acabam por deixar os seus filhos sob responsabilidade de alguns parentes, que nem sempre os trata bem”, afirmou.
Por: Djamila da Silva
Foto: D. S