
O desenvolvimento é um conceito que envolve a ideia de progresso. E, o progresso, por sua vez, afigura-se efetivamente como desenvolvimento apenas quando é gerado ou impulsionado pela mudança de mentalidade das pessoas numa sociedade/comunidade, no sentido de transformar coletivamente as suas condições de vida, num estado quantitativa e qualitativamente superior.
Na prática, trata-se de um processo interminável e, por isso, muito complexo e dependente de vários fatores, cujo conhecimento (formalmente transmitido), sem qualquer dúvida, tornou-se, de longe, o fator mais importante, tendo em conta a sua intrínseca ligação à inovação, fenómeno sobre o qual reflete toda a narrativa de progresso moderno.
Tecnicamente falando, o pregresso das nações, assente no crescimento económico acelerado, dado pelo aumento real de produtividade, regra geral, exige qualificação da força de trabalho, o que sugere uma série de investimentos no conhecimento, sobretudo, nos domínios de educação, formação e I&D.
Jonathan Haskel e Stian Westlake captaram esta realidade com extrema clarividência no livro Capitalismo sem capital. Após uma longa jornada de investigação sobre o impacto da economia intangível no mundo atual, constataram que o sucesso das nações, principalmente numa perspetiva sustentável, assenta em atividades de carater intangível, isto é, atividades por intermédio de bens que não podem ser vistos nem tocados, como por exemplo, pesquisa e desenvolvimento, programação e software, gestão e base de dados, design, entre outras atividades que requer a aplicação intensiva de conhecimentos.
Por esta lógica, várias figuras proeminentes da economia contemporânea como Joseph Stiglitz (prémio Nobel de Economia 2001) têm advertido sistematicamente, que a prioridade das nações em relação ao desenvolvimento deve consubstanciar-se na promoção de conhecimentos, inclusive nas nações onde as atividades económicas situam à margem dos progressos científicos e tecnológicos. Este propósito, segundo Stiglitz e Greenwald (2015), passa tanto pela promoção de investimentos público na produção de conhecimentos (educação, formação e investigação) quanto na criação de estruturas para potenciar a repercussão destes conhecimentos na economia nacional, ou seja, implica a necessidade de empregar tais conhecimentos em prol da nação, evitando que estes sejam aproveitados por outras nações, para lá dos interesses e benefícios (económicos e sociais) nacionais.
Realmente esta advertência faz todo o sentido na medida em que, hoje em dia, mais do que propriamente a qualificação da força de trabalho, é a sua debanda que, em maior escala, atrofia o progresso das nações. Eis seguramente o maior problema com que a nossa Guiné tem confrontado cada vez mais no seu processo de desenvolvimento: a incapacidade de reter no país boa parte dos seus melhores (ou potenciais melhores) quadros, os quais constitui o principal vetor de progresso e, consequentemente, de desenvolvimento.
Em 2018, o investigador guineense, Professor Carlos Cardoso, realizou um estudo sobre o empreendedorismo juvenil na Guiné-Bissau. Nessa obra, o autor faz uma alusão que espelha com muita precisão o quadro alarmante desta realidade no país: “A Guiné-Bissau estava entre os países com maior percentagem de emigração de cidadãos com um nível académico universitário, o chamado “brain drain” (“fuga de cérebros”, em português), tendo 70,3% dos guineenses acima de 15 anos com um grau universitário emigrado para países da OCDE, em 2000.”, escreve.
Cientificamente é uma tradição associar esta situação a dois fenómenos: i) – fragilidade económica do país; ii) – restrição da liberdade de pensamento e de expressão, já que o país não se encontra em situação de guerra. Relativamente a este último, considera-se normalmente que os intelectuais são os mais visados, devido à influência das suas opiniões na formação de uma opinião pública mais exigente e inconformada.
Pelo exposto, se os guineenses concordarem comigo, certamente não discordarão que a postura de tentar controlar o poder – através de atentados a liberdades de imprensa e de opinião, raptos, espancamentos, chantagens e perseguição de opositores – por parte do atual regime na Guiné-Bissau, não é nada mais nada menos do que um balão de oxigénio para o problema em causa.
Por esta ordem de ideias, a nossa perspetiva do conceito de desenvolvimento, tal como a aprendemos em Desenvolvimento como liberdade, do Filósofo e Economista Indiano Amartya Sen (prémio Nobel de Economia 1998), é inerente à liberdade de ação (nomeadamente de pensamento e expressão) das pessoas. Nessa perspetiva, aprendemos que o potencial de cada um de nós, de cuidar de si próprio e de inspirar o mundo à sua volta, melhora/deteriora em função da liberdade de que dispõe, razão pela qual corroboramos a tese de que, a avaliação do êxito das sociedades, conforme Sen, deve basear-se nesta lógica – de liberdade.
A ética é, provavelmente, o aspeto mais importante de se destacar neste debate, pois ela compreende os fundamentos pelos quais se acredita que o respeito à liberdade deve constituir a obrigação moral de qualquer ser humano. Isso traz à colação, no âmbito do presente artigo, a necessidade de compreendermos as seguintes questões: porque é que todos nós (Bissau-guineenses neste caso) devemos ter a obrigação moral de pugnar pelo respeito à liberdade, principalmente, no que tange o pensamento e expressão? e, como é que isso pode influenciar a captação de recursos humanos, uma vez que a precária condição económica do país não proporciona otimismo neste sentido?
Ora, se a nossa convicção estiver certa, então significa que o desenvolvimento jamais poderia ser alcançado sem uma profunda mudança de mentalidade, isto é, sem construção de uma consciência coletiva do bem e do mal no seio da sociedade Bissau-guineense, quer seja no país, quer seja na diáspora. Por exemplo, se todos nós tivéssemos a capacidade de colocar no lugar dos deputados Agnelo Regala e Marciano Indí, ou dos jornalistas Maimuna Bari, Adão Ramalho e António Aly Silva, ou ainda do advogado Sana Canté e analista político Dr. Rui Landim (para citar apenas algumas das vítimas de rapto, espancamento e tentativas de assassinato, protagonizados supostamente por atual regime de Bissau), certamente cada um de nós iria sentir-se na obrigação moral de valorizar e respeitar a liberdade de expressão alheia, por mais que seja contra os nossos interesses e, com certeza, ninguém em perfeito juízo estaria desprovido de bom senso e pudor, ao ponto de transformar estes assuntos em matérias de diversão e piada nas redes sociais, como tem acontecido.
Por outro lado, também é nossa convicção, que a liberdade de pensamento e de expressão é capaz de impactar positivamente o stock de capital humano de qualquer nação (principalmente da Guiné-Bissau, neste caso), independentemente do fator económico. Embora o definhamento da economia implica naturalmente diminuição de stock do capital humano (brain drain), no entanto, boa parte de estudos recentes sobre a mobilidade internacional de recursos humanos qualificados (emigração qualificada) reconhece forte probabilidade de inversão desta tendência a médio e longo prazo, predominando cada vez mais, o carácter provisório do que definitivo.
A respeito disso, parece haver consenso de que a força da globalização e da evolução tecnológica, em consonância com outros fatores de natureza não monetária (o patriotismo por exemplo) têm impulsionado esta tendência de tal forma que, o progresso ao nível dos direitos humanos, nomeadamente a liberdade de expressão, tornou-se um fundamento indispensável em torno do debate sobre repatriamento dos recursos humanos qualificados e dos seus benefícios para o progresso das nações.
Portanto, importa realçar que, a intenção aqui não é causar impressão de que a liberdade (por si só) seria capaz de estancar a hemorragia de capital humano na Guiné-Bissau, ou de trazer de volta todos os seus quadros que se encontram fora do país. Em vez disso, tentei demonstrar, em primeiro lugar, que a maior riqueza de uma nação, tal como canta Sidónio Paes, “antes di uro ou diamante, antes di petróleo ou bauxite, i pecaduris ku xta lá”. E como tal, deve ser rigorosamente protegida, o que requer, acima de tudo, a construção de um clima de liberdade.
Por: Teodomiro Correia,