Opinião: COMO COMPREENDER A VISITA DO PRESIDENTE FRANCÊS EM ÁFRICA E NA GUINÉ-BISSAU

Alguns dias antes da chagada em Bissau do Presidente Francês, Emmanuel Macron, tinha publicado na minha página Facebook uma reflexão intitulada: “Macron em Bissau Porquê?

A seguir a esta publicação dei uma entrevista ao jornal “O Democrata” onde voltei a abordar o mesmo assunto da vinda do Macron em Bissau. Em todas estas comunicações não consegui elaborar de forma extensa a minha opinião sobre esta questão, devido ao carater circunscrito das perguntas do jornal e da limitação da pagina Facebook. A linha editorial estava preocupada de saber os potenciais ganhos que a Guiné-Bissau poderia tirar da visita de um presidente de uma potência mundial com o direito do veto, se de ganhos poderia se falar.

Na presente reflexão, logo que já passou a visita, queremos voltar a abordar a questão de forma mais profunda para analisar em diferentes perspetivas, isto é, vendo os aspeitos económicos, políticos e geoestratégicos, por ser na realidade os aspeitos fundamentais que motivaram a visita do presidente Francês em Africa. Para o efeito antes de analisar os três aspeitos que já enunciamos temos que ver o contexto em que se encontra o Presidente Macron em França, o resultado do seu mandato a frente da União Europeia (janeiro- Junho 2022) e apreciar o estado da relação de cooperação da França com a Africa, particularmente do moribundo e contestado instrumento da politica Africana Francesa, uma instituição colonial e neocolonial da cooperação Francesa com a Africa que promove a ingerência da França nos assuntos internos dos países Africanos, fundado pelo General De Gaulle e o seu braço direito Jacques Foccart, com o objetivo de uma dominação sempiterna das antigas colonia Francesas, a famosa, “Françafrica”. Estas considerações antecedentes nos trazem algumas perguntas fundamentais para a compreensão dos motivos da “tournée Africaine” do Macron. Não estará o presidente Francês a caminho da Africa para refundar a “Françafrica”? A procura de uma alternativa à crise alimentar, provocada pela Guerra de Ucrânia, não estará na agenda do primeiro Magistrado Francês em Africa? A crise do Mali, a penetração da Rússia no continente Africano todo isso constituem uma preocupação para a antiga metrópole, não estava o Macron a procura de novos aliados ou tentar frustrar as ambições Russas? São estas questões que vamos tentar elucidar nesta reflexão.

Os Antecedentes

Para analisar de forma cientifica qualquer situação é imperial que sejamos munidos de elementos que sustentam os nossos argumentos de outro lado para nós intelectuais Africanos fazer estes tipos de analises requerem que os efetuamos munidos de elementos fatuais e históricos que comprovam o que dizemos. Em primeiro lugar nós Africanos temos que compreender que o Presidente Macron é leito por 58.2% dos Francês para resolver os problemas francês e do povo francês. Ele tem contas a prestar com a França e o seu povo. E nós Africanos ou melhor Bissau-guineenses tínhamos eleito o nosso presidente para que ele soluciona os nossos problemas, daí torna fácil compreender que não se deve esperar da visita do Presidente Macron como uma visita para resolver os nossos problemas. Ele estará aqui a procura de como resolver os problemas da França e dos franceses. Sabemos que em França o Macron perdeu a maioria na Assembleia Nacional Francesa; a passagem do Macron na presidência rotativa da União Europeia foi marcada por uma Guerra na Europa; endividamento; pela expulsão dos militares e diplomatas europeus do Mali; pela inflação, pelas sanções a Rússia; pela subida dos preços do gaz e dos produtos petrolíferos e do custo da vida; pela perda progressiva, daquilo que é conhecido sob a denominação do “pré carré” francês, isto é, a comunidade Africana francófona; pela subida da influência Russa naquela zona; pela crise alimentar provocada pela Guerra em Ucrânia, uma guerra que poderia ser evitada se a França foi capaz de implementar os acordos de Minsk, uma guerra que o Vaticano confirmou  que é provocada pelo ocidente. A luz de tudo aquilo que acabamos de mencionar é evidente que não se deve esperar de muita coisa da visita do Macron.

A “Françafrica”

O Presidente Francês estava em Africa para refundar o instrumento da politica Francesa em Africa, os seus discursos do Camarões em Bissau passando por Benim confirma esta tese. Uma “Françafrica” que ele mesmo em 2017 na Universidade José Kizerbo em Burkina Fasso proclamou o fim perante os estudantes daquela universidade. No seu discurso em Camarões, Macron tratou os Africanos de hipócritas por não se posicionarem perante a Guerra em Ucrânia, mas o que a Africa tem a ver com uma guerra provocada pelo ocidente e que ele qualificou de uma guerra expansionista. Os Africanos estavam à espera de uma explicação sobre a ocupação ilegal Francesa das ilhas “parses” que pertencem a Madagáscar que Paris recusa de abandonar. Que ele nos fala a quando a independência da Polinésia que a ONU tinha inscrito desde maio de 2013 na lista dos territórios a ser descolonizados. Entre 2018 e 2020 os militares Francês combateram lado a lado com o grupo Wagner em Líbia na ofensiva do General Haftar, na altura a França não se incomodou do grupo, mas hoje se incomoda da presença do mesmo grupo no Mali e na Republica Centre Africana. Não está aqui a clara hipocrisia? O carater de duplicidade da politica ocidental e da França em Particular, que sempre evocamos? A politica de dois pesos duas medidas. Nós Africanos temos ainda connosco a memoria histórica da escravatura, do colonialismo, do neocolonialismo que a França recusa de reconhecer e pagar compensações, mas a França quer que nós tratamos o seu inimigo como o nosso. A Rússia não colonizou nenhum país Africano, ela é um aliado antigo dos países Africanos no processo de autodeterminação. Tratar a Rússia de inimigo será igual a ser ingrato.  Não podemos ver o mundo com os olhos da Europa, mas pelos nossos próprios olhos.

A agenda económica da visita do Macron

O presidente Francês estava em Africa para promover o projeto, “iniciativa mulher”, de Agricultura apoiado pela União Europeia e G7, o objetivo deste projeto é de encontrar uma alternativa para a União Europeia à crise de segurança alimentar para substituir a Ucrânia, e tornar Africa o celeiro da Europa. A prova disso é que mais dois milhões de hectares de terras Africanas foram vendidas às multinacionais ocidentais. Uma prova adicional é a oferta de bolsas de estudo em agronomia para quinze jovens Bissau-guineenses e a composição do grupo de bolseiros demonstra que é iniciativa de mulheres. (10 meninas e cinco rapazes). Um outro objetivo da agenda geoeconómico da visita é que as multinacionais Francesas estão cada vez a perder os mercados públicos dos países Africanos perante a concorrência da Rússia, da China e da Turquia e obviamente isso preocupa a França. Um estudo realizado nos Camarões revelou que às multinacionais Francesas detinham 40% dos mercados públicos duas décadas atrás, hoje elas têm somente 10% naquele país.

A agenda politica da “tournée Africaine” “Macroniano

Muitos pontos de vistas de vários analistas verão nesta visita como um apoio aos regimes dos países visitados embora nos Camarões, onde o Presidente Francês teve encontro com alguns partidos políticos, e a sociedade civil, tratava se de procurar uma alternância geracional ao topo do Estado. Este argumento é sustentado pela publicação do jornal “Jeune Afrique” que revelou que o filho do presidente do Camarões, Paul Biya foi recebido no Palácio Francês Elysée sem precisar a data. A mesma compreensão de apoio aos regimes “en place” se aplica para o Benim e Guiné-Bissau onde o Macron condenou a tentativa do golpe de estado de 1 de fevereiro 2022.

A agenda geoestratégica da viagem Africana do Macron

Durante o seu primeiro mandato como presidente da Republica Francesa, o discurso do Macron concernente a politica da França para Africa, foi caracterizado pela insistência nos valores ocidentais da democracia, de direitos humanos e do estado de direito. Como ele mesmo o disse, em resposta a interpelação de um binacional de camarões, em 24 de fevereiro 2020 no salão de agricultura de Paris: “A França é um estado de direito e trabalhará só com os presidentes Africanos democraticamente eleitos”. Mas hoje confrontado com a realidade internacional, o discurso mudou e o Macron voltou para o discurso do Realpolitik. Todos os países visitados estão em carência de democracia, de direitos humanos e estado de direito. Isso nos faça entender que na cena internacional as grandes potências não levam em conta os valores como democracia, direitos humanos, ou estado de direito. Estes são instrumentos em suas mãos para utilizar quando servem os seus interesses. Se em Camarões a agenda do Macron foi entre outros assuntos a questão da sucessão do Paul Biya, o relance da empresas Francesas e questão da Centre Africa; no Benim e na Guiné-Bissau agenda foi o problema do Mali, Guiné e Burkina e de tratar da questão da participação das forças Francesas no combate a luta contra o terrorismo, que permitirá a presença Francesa em Africa para aproveitar dos nossos recursos naturais. A agenda comum nos três países era de frustrar a influência da Rússia e procurando aliados Africano na condenação deste ultimo, o que ele conseguiu em Bissau. E na procura de convencer os Africanos para se aliar ao ocidente, o discurso do Macron foi de nos dizer que a Rússia está a usar o gaz e os alimentos como instrumentos de guerra e nos os Africanos respondemos que o ocidente, incluindo a França utiliza a democracia, os direitos humanos, a agenda dos homossexuais, como instrumentos de guerra para punir os países Africanos recalcitrantes.

Conclusão

Em consideração final, dizemos que a visita oficial de um presidente de uma potência nunca mudou o futuro de um país, sobre tudo quando se trata de uma potência colonial. “No parente no pega tesso na escola, pa intendi, no trabadja duro pa no densenvolvi. Ninguim casta na outro lado pa fassi quila na no lugar.”

Por: Abdou Jarju

Docente nas Universidades Colinas de Boé e Jean Piaget

Bissau 31/7/22

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