REPOUSO BIOLÓGICO DO RIO CACHEU CORRE RISCO DE SER VIOLADO

[REPORTAGEM_agosto de 2022] O Parque do rio Cacheu é considerado o maior bloco contínuo de mangais (tarrafes) da África Ocidental por acolher um grande número de aves migratórias que invernam no seu interior. O Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu consegue criar um ambiente propício para que os peixes possam enredar e desovar. Tem uma superfície de oitenta e oito mil e seiscentos e quinze (88.615) hectares, dos quais 68% apresentam é coberto de mangais.

Dados apurados pelo jornal O Democrata indicam que não é garantido totalmente o seu estado de conservação, devido ao aumento do número da população na zona, tanto no norte quanto no sul do Parque.

“O processo de conversão na Guiné-Bissau está baseado no enfoque da governação partilhada, onde todos os atores estão envolvidos, mas quanto ao estado de conservação não podemos garantir que seja a cem por cento favorável. Muitas pessoas estão à procura da sobrevivência, embora existam três zonas de conservação”, disse o diretor adjunto do Parque Natural de Cacheu, António da Silva.

Segundo António da Silva, neste momento o Rio Cacheu está sob pressão, em consequência do decreto sobre o repouso biológico de três meses para permitir a reprodução de peixes nesse período, porque é um lugar, na Guiné-Bissau e na Costa Ocidental de África, para onde  os peixes se dirigem para desovar, sobretudo o barbo e a bicuda. 

António da Silva frisou que a sua instituição não está a conseguir fiscalizar o Parque, por estar a enfrentar dificuldades, sobretudo a falta de materiais, tipo vedetas e motores para dar sustentabilidade ao processo de fiscalização do Parque na zona insular.

Informou que no período de repouso, os pescadores são obrigados a pescar com armadilhas e anzóis, uma pesca seletiva que consegue capturar um peixe por armadilha e autorizada pelo IBAP por ser mais propício e consistente com a segurança ambiental. 

Para a pesca no rio, há um certo número de malhas da rede que devem ser usadas para pescar. Segundo um estudo realizado pelo IBAP – Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, a regra para malhagem da rede de pesca é de 30, no mínimo, para evitar a captura de peixes menores. Mas esta regra tem sido violada por alguns pescadores do rio Cacheu.

Augusto Djatá, presidente da Associação dos Pescadores do Rio Cacheu (APESCA), que junta 109 associados, salientou que é “expressamente proibido o uso da rede para a pesca no Parque do Rio Cacheu, incluindo redes com as malhas mais finas para a captura de peixes mais pequenos, sobretudo no período em que todos devem cumprir e respeitar os três meses de repouso.

Neste sentido, alertou que se o IBAP não tomar diligências para a recuperação das vedetas e continuar a fiscalização, não podem contar com a continuidade de repouso biológico.

Augusto Djatá criticou o IBAP e disse que os pescadores nacionais são a maior vítima do período de repouso que não está a ser fiscalizado, lembrando que, as zonas onde as autoridades e entidades fiscalizadoras do rio não conseguem chegar estão a ser exploradas por pescadores estrangeiros, disse, para de seguida revelar  que alguns pescadores estrangeiros têm licenças para pescar no mar da Guiné-Bissau, mas estão a fazê-lo abusivamente nas zonas proibidas.  

“No ano passado, a fiscalização correu a meio gás. Se a fiscalização falhar de novo este ano, significa que o repouso biológico em curso não terá sentido”, advertiu e disse que   a associação trabalha em conjunto com a equipa de fiscalização do IBAP para constatar as ações irregulares de alguns pescadores que “não querem deixar o rio de Cacheu sustentável para as gerações vindouras”.

“Estamos a trabalhar com o IBAP para ajudar na conservação do meio ambiente, porque temos consciência disso. Quando os nossos colegas pescadores são flagrados a pescar com a malha da rede proibida, às vezes não contam o que realmente aconteceu, por isso estamos a trabalhar com o IBAP para testemunhar o que acontece e ajudar na aplicação das medidas punitivas” disse.

Augusto Djatá afirmou que os recursos do mar do rio Cacheu diminuíram “drasticamente” e a fama que tinha de ser uma das regiões da Guiné-Bissau com abundância de peixes caiu. O pescador disse que 75% da população de Cacheu é pescador, e a maioria dos pescadores não são locais, mas sim de outros pontos do país.

“A única vantagem que o período de repouso tem para os pescadores é que quando termina, as mães-peixes crescem e aproveitamos para pescá-los e os peixes pequenos ficam nos mangais, por isso é proibida a pesca com redes de menos 30 malhas.

Apesar do decreto de repouso biológico no rio Cacheu, o Augusto Djatá  disse que não está a ser garantido um crescimento saudável aos peixes, devido à avaria das vedetas de fiscalização do IBAP. O pescador disse duvidar se os peixes vão poder crescer consideravelmente. Enfatizou que a atividade de pesca continua a ser a maior atividade praticada na região.

O presidente da associação dos pescadores da região de Cacheu manifestou a vontade de colaborar com o IBAP, mas destacou a falta de meios como um dos estrangulamentos para dar continuidade aos trabalhos de fiscalização do IBAP.

“As vedetas estão paralisadas todas e para nos fazermos ao rio vamos precisar de canoas a motor para fiscalizar as zonas proibidas”, lamentou.

Djatá disse à reportagem de O Democrata que a parceria com o IBAP é rentável para a associação, mas criticou a direção central da instituição por esta não ter respondido às várias solicitações da sua organização.

“O problema de saneamento básico na cidade de Cacheu não é diferente das outras regiões. É um assunto que tem estado a merecer a preocupação dos pescadores porque estão a matar os mangais com sacos de plásticos. Temos muitas dificuldades. O rio Cacheu não tem um porto de desembarque de pesca, o porto que existe é de comércio”, referiu e sublinhou que “ser pescador na Guiné-Bissau é muito desencorajador.

“Já reclamamos e exigimos melhores condições e um porto de pesca, mas até ao momento ninguém se dignou a atender às nossas exigências”, lamentou.

Para dar resposta às problemáticas do meio ambiente, o pescador defendeu o cumprimento de pesca com armadilha, malhas da rede recomendada, motores recomendados de 15 cavalos e que os pescadores evitem deitar peixes mortos na água e pescar nas zonas autorizadas pelo IBAP.

Denunciou que o pescado da região de Cacheu não é consumido a nível local, é comercializado nos mercados de Bissau, Bula, Ingoré, Gabú, Bafatá e nas outras localidades do país.

“GOVERNO GUINEENSE É MAIOR INCENTIVADOR DOS POMARES DE CAJÚ” – DIRETOR ADJUNTO DO PARQUE

Nos últimos tempos, a saga da plantação de cajú ganhou uma dimensão incontrolável e a tendência tende a infertilizar terras por gerações, ou seja, a prática não pode garantir a sustentabilidade.

O governo, disse António da Silva, tem estado a incentivar a cada dia que passa mais plantações de cajueiros por toda a Guiné-Bissau, devido ao preço estipulado para a comercialização da castanha. 

“O produto virou uma solução para os agricultores guineenses, um campo de ganha pão para o sustento familiar. Pode-se notar o incentivo do governo por essa prática através das receitas para os cofres do Estado”, afirmou. 

O diretor Adjunto do Parque profetiza que se um dia o mercado de cajú tiver problemas, certamente que os cofres do Estado também terão enormes problemas.

António da Silva denunciou que o Parque Natural dos Tarrafes do rio Cacheu está aberto e vulnerável aos interesses dos países que fazem fronteiras com a região norte da Guiné-Bissau, como também o crescimento da população que está a criar fortes pressões nas áreas protegidas.

“O Parque sofre ameaças com o avanço das atividades agrícolas, sobretudo com a plantação de cajueiros, que constitui uma dor de cabeça para o IBAP”. Segundo as informações, antes a população do Parque de Cacheu cultivava mais arroz, mas atualmente estão a plantar apenas pomares de cajú.

António da Silva, salientou que a monocultura de cajú não é sustentável, mas as pessoas insistem.

“O regulamento do Parque não permite o surgimento de novas tabancas nem de novas quintas, apenas as que já existiam, mas isso tem sido violado e estão a surgir novas coisas no interior do parque”, revelou.

António da Silva frisou que é preciso uma sinergia forte nesse processo, tendo alertado que, se o governo não se engajar fortemente, a estrutura do IBAP não poderá dar conta, porque quando denunciam, deve haver a continuidade do processo, mas em alguns casos já assistiram a impunidade e falta de conclusão dos processos.

“É preciso que outras estruturas, sobretudo a justiça, funcionem. Nós apenas denunciamos. Na Guiné-Bissau, todos gostam de atingir resultados por vias ilegais. Todas as instituições devem estar envolvidas nessa questão de ambiente porque é transversal”, advertiu.

Na sua opinião, o governo deveria procurar um mercado para outros produtos que a Guiné-Bissau tem e incentivar a sua produção, dessa forma haveria maior equilíbrio porque o cajú estraga o solo por muitos anos, o que pode complicar o futuro das novas gerações.

O diretor adjunto do Parque de Cacheu defendeu que é preciso modernizar a agricultura na Guiné-Bissau, definir espaços vocacionados para certos tipos de produções agrícolas.

“A exploração do cibe tem criado muitos problemas  ao IBAP no Parque. Esse produto está ameaçado em todo o país. O cibe que existe no interior do Parque tem uma procura incontrolável. A cidade de Canchungo está a aumentar a cada dia e a procura do cibe também tem aumentado”, disse.

O diretor adjunto advertiu que é preciso continuar com a educação ambiental, na sua componente de sensibilização para que as pessoas possam mudar a mentalidade e reduzir a pressão sobre certos recursos de que a Guiné-Bissau dispõe e que devem ser protegidos. 

Relativamente à problemática do repouso biológico no rio Cacheu, António da Silva disse que neste momento o repouso vai sofrer grande pressão, razão pela qual foi decretado o repouso biológico, exatamente porque é um período de reprodução dos peixes, mas também porque o mar está sem fiscalização.

“Se os pescadores descobrirem que estamos sem vedetas para fiscalizar o mar, vão pescar. O IBAP está de mãos atadas porque não está em condições de fazer muita coisa”, afirmou, para de seguida denunciar que alguns pescadores estrangeiros têm licença para pescar no mar guineense, mas fazem-no de forma abusiva, nas zonas proibidas do Parque por isso neste momento que estamos sem vedetas é provável que violem as regras de conservação”.

António da Silva afirmou que durante os três meses do período de repouso, isso vai permitir que os peixes cresçam. “Estamos a trabalhar num ambiente minimalista” disse para de seguida defender que é preciso fazer uma zonagem agroecologia para definir em que zona da Guiné-Bissau um certo produto pode ser plantado.

Advertiu que é necessário proteger todas as zonas costeiras para dar resposta ao problema da alteração climática na Guiné-Bissau, tendo denunciado que há zonas onde as pessoas estão a cortar os mangais.

GESTOR DO PARQUE DIZ QUE COBIANA É REFERÊNCIA EM MODELO DE CONSERVAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU

Por sua vez, Albino Mendes Moreira, um dos membros do Conselho de Gestão do Parque Natural dos Tarrafes do Rio de Cacheu, afirmou que, por mais incrível que pareça, apesar de a Guiné-Bissau estar a enfrentar graves problemas ambientais, a cidade de Cobiana, que também faz parte das zonas de conservação do Parque Natural do Rio Cacheu, é a definição do perfeito em matéria de conservação ambiental.

Albino Mendes Moreira disse que desde o surgimento do Parque, Cobiana não violou as regras de proteção do meio ambiente como antes se fazia naquela localidade. 

“Não há nenhum registo de aparecimento de novas tabancas ou criação de novas quintas, apenas os naturais de Cobiana é que têm plantações de pomares de cajú para a sua subsistência, porque hoje em dia os pomares são riqueza na Guiné-Bissau. Sem pomares de cajú, não se pode fazer nada.

Albino Moreira disse que nas matas apenas os ocupantes tradicionais têm o direito de fazer o uso de terras.

“Nas matas de Cobiana, temos gazelas, cabras de mato, macacos de todas as espécies, javalis e porco-espinho. Os caçadores são todos filhos de Cobiana e caçam só para alimentação. Estão em extinção a gazela de lala, o javali e porco-espinho”, disse.

Segundo Albino Moreira, a população de Cobiana é muito atenta à proteção de mato, por isso queimar o mato para a produção de carvão não faz parte da sua tradição, aliás, há vinte anos essa prática vem sendo proibida pelo Conselho de Gestão e pelos populares do próprio Parque.

Cobiana, para alguns ambientalistas, pode servir de referência em modelo de conservação para sustentar estudos.

Albino Moreira lamentou que a perfeita cidade de conservação ambiental tenha sido isolada pelo governo, sem escolas e nenhuma rede de telecomunicações funciona na pequena localidade. Neste sentido, Mendes Morreira apelou à intervenção das autoridades para tirá-la desse isolamento.

Apenas as tabancas de Djopa e Caringui não fazem parte do Parque, mas estão num raio de dois quilómetros da zona sul do parque e todas as suas atividades são feitas dentro do parque.

“Essas duas tabancas são campeãs em queimar lenhas, corte e comercialização de cibe, o surgimento de novas pontas e plantações de cajú. Na tentativa de regular as atividades no Parque, a população local ameaçou atacar os agentes do IBAP”, denunciou.

Por: Djamila da Silva/António Nhaga 

Foto: D. S

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