[REPORTAGEM_agosto_2022] O mercado de distribuição de combustíveis constitui uma parte significativa do desenvolvimento sócio-económico da Guiné-Bissau. A cada dia que passa, regista-se a abertura de novas estações de combustíveis em todo o território nacional. Contudo, a maioria delas funciona com défice de autorizações legais que permitam que a Autoridade de Avaliação Ambiental Competente (AAAC) acompanhe de perto todas as suas atividades.
Uma parte considerável das estações de combustíveis que operam no país não possui todas as condições legais, o que constitui um constrangimento para os ambientalistas que gostariam de, pelo menos, acompanhar as condições do seu funcionamento, sobretudo as mais conceituadas em todo o território nacional.
Em declaração à Rede dos Jornalistas sobre o mercado ilícito e economia ilícita da Guiné-Bissau (REJOMEI-GB), o especialista em hidrocarbonetos José Nicu Djú garantiu que é necessário e urgente que o mercado de distribuição de combustíveis na Guiné-Bissau seja regulamentado para poder corresponder, legalmente, às expetativas de todos os intervenientes no mercado de hidrocarbonetos e também de todas as necessidades dos cidadãos guineenses.
O especialista explicou que na Guiné-Bissau, a importação de combustível pode ser apenas por via marítima. No seu entender, foi esta forma de importação de produtos petrolíferos que desencorajou as grandes empresas de combustíveis e de derivados de petróleo a continuarem a intervir no mercado de hidrocarbonetos.
Na opinião de José Nicu Djú, a situação levou o Estado da Guiné-Bissau a perder toda a receita de impostos de importação de combustíveis.
“A perda de receita de impostos deve-se às vendas clandestinas generalizadas de combustíveis em todo o mercado guineense”, explicou o especialista, lamentando que “os operadores das estações de combustíveis não estão a cumprir as exigências formais necessárias para vender gasolina e gasóleo na Guiné-Bissau”.
“A importação de combustíveis exclusivamente por via marítima, por barco, levou muitos operadores económicos com grandes capacidade financeira para fazer funcionar legalmente o mercado de combustíveis no nosso país a optarem por via clandestina” disse José Nicu Djú, reconhecendo, em seguida, a existência de uma enorme ilegalidade no funcionamento do mercado de distribuição de hidrocarbonetos na Guiné-Bissau.
PAPEL DA ARSECO NO MERCADO ILÍCITO DE COMBUSTÍVEIS
O especialista em hidrocarbonetos lamentou igualmente a fragilidade do país em controlar o mercado de combustíveis. O que, no seu entender, levou, nos últimos anos, a proliferação de estações de vendas de gasóleo e de gasolina em todo o território nacional.
Como solução para controlar o mercado José Nicu Djú defendeu a necessidade de o governo reativar a Autoridade Reguladora do Setor de Combustíveis e Derivadas do Petróleo, e do Gás Natural (ARSECO) para servir de parceiro essencial e indispensável ao Ministério da Energia e Indústria no combate às ilegalidades que se verificam atualmente no mercado de circulação e de distribuição de combustíveis.
Por seu lado, o meteorologista Iaia Djaló, defendeu, na entrevista, a necessidade da criação de uma lei que permite aos técnicos e especialistas em meteorologia acompanharem as operações da venda de combustíveis para acabar, de uma vez por todas, com as dúvidas que pairam sobre as supostas legalidades e ilegalidades na aquisição da gasolina e do gasóleo pelas gasolineiras da Guiné-Bissau.
O meteorologista assegurou que é imperativo o governo criar uma lei específica que permita aos meteorologistas fiscalizarem, no terreno, todo o processo de operação, de medições e de venda de combustíveis nas estações em todo o território nacional.
“As pistolas que se utilizam para medir combustíveis devem ser calibradas porque depois de cinco mil disparos começam a não refletir os valores reais dos preços” explicou Iaia Djaló, exemplificando: “fizemos uma experiência numa das estações de combustíveis da nossa capital e constatamos que, na operação de venda, os operadores ganham mais, porquanto as pistolas não espelham os valores reais. Por exemplo, numa aquisição de vinte litros, a pistola pode não espelhar o valor real de 20 litros de combustível”.
Reconheceu que essa descalibração de pistolas se verifica-se sobretudo, em relação à venda do gasóleo. Enfatizou que na bomba onde fizeram a experiência para verificar a capacidade real da medição das pistolas, o operador perdia alguns litros de gasóleo na medição.
O meteorologista acredita que a mesma situação pode acontecer também nas outras estações.
“Disseram-nos que mediram 20 litros de gasóleo, mas quando verificamos percebemos que não correspondia na realidade aos 20 litros” esclareceu, acrescentando que se baseiam em simples observação visual as inspeções feitas pelos inspetores do Ministério da Energia e Indústria, pessoas que não possuem competências técnicas e científicas para fazer uma real inspeção aos operadores de hidrocarbonetos.
No seu entender, só os meteorologistas possuem a real competência técnicas e científicas para acompanhar de perto e inspecionar os operadores económicos no mercado dos combustíveis na Guiné-Bissau.
“Nós estamos interessados em vestir a camisola de árbitro para arbitrar este jogo entre os operadores económicos das estações de combustíveis e os compradores de gasolina e de gasóleo. Mas para isso, é necessário e urgente que o governo crie uma nova lei de inspeção técnica e científica para que os meteorologistas possam inspecionar de forma científica e legal o mercado de combustíveis na Guiné-Bissau”, concluiu o meteorologista.
ATUAÇÃO ILÍCITA ABRIU PORTA A FUGA AO FISCO
A circulação ilícita no mercado da distribuição de combustíveis no nosso país abriu também a porta para os operadores fugirem do fisco. O que leva o Estado da Guiné-Bissau a não conseguir gerar receita necessária para a Função Pública e fazer investimentos no setor público nacional.
“A atuação ilícita no mercado de distribuição de combustíveis levou os empresários que atuam nesta área a fugir ao fisco e o Estado consequentemente, perde receita”, defendeu o economista guineense Serifo Só, durante a entrevista para falar da circulação ilícita no mercado da distribuição de combustíveis.
“Se não fosse a circulação ilícita de combustíveis que afeta significativamente uma grande parte do mercado de distribuição de combustíveis, o desenvolvimento sócio-económico da Guiné-Bissau poderia hoje ter uma nova perspetiva no horizonte das novas economias africanas, em particular, nas economias dos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)”, assegurou o economista.
Ouvido pela equipa de reportagem da REJOMEI-GB para falar sobre combustíveis derramadas nas bolanhas, o especialista em agricultura biológica, José da Silva, disse que a cidade de Bissau está completamente cercada por combustíveis derramados nas bolanhas de Peré, situadas entre o bairro de Chão-de-Papel e Varela e Bairro de Bandim, bem como nas bolanhas de Coqueiro no Bairro de Cupelum de Baixo e bolanhas de Contum Madina e das outras zonas húmidas que existem a volta de Bissau.
Para o especialista, o derramamento de combustíveis nas bolanhas tem consequências graves na saúde humana, sobretudo quando consumimos peixe, arroz, e legumes em geral, que se cultivam naquelas zonas húmidas inundadas por combustíveis derramados nas bolanhas dos referidos bairros.
“O Estado da Guiné-Bissau deveria proibir a produção orizícola e de horizículas em todas as zonas húmidas da cidade de Bissau inundadas por combustíveis derramados pelas empresas que operam no mercado de hidrocarbonetos” disse.
Instado a pronunciar-se sobre o impacto de combustíveis com metais pesados tem para o consumo humano, José da Silva disse que existem três tipos de combustíveis fósseis (o gás, e o petróleo), que, segundo a sua explicação, não impedem a plantação e o crescimento de produtos agrícolas, mas prejudicam gravemente a saúde humana e o ecossistema.
“Os componentes excessivos de petróleo no solo provocam chuvas ácidas, que têm como componentes monóxidos de carbono e enxofre que criam câncer de pele e conjuntivite” explicou, para em seguida garantir que “felizmente a Guiné-Bissau ainda está longe de chuvas ácidas” porquanto não possui grandes fábricas que possam provocar as referidas chuvas e a conjuntivite em território nacional.
Por: Mamudo Danso
Vice-Coordenador da REJOMEI-GB