Opinião:A CRISE UCRANIANA: A LOUCURA COLECTIVA

O conflito na Ucrânia já causou milhares de mortos entre civis e militares e destruições materiais incomensuráveis, e arrisca-se a ser o conflito que mais colocou a Rússia e o ocidente à beira de colisão frontal.

Tudo começou quando o então Presidente ucraniano, o Viktor Yanukovych, cancelou a assinatura de um acordo de parceria estratégica com a União Europeia, a favor de uma maior aproximação à Rússia de Putin, que lhe ofereceria o gaz a preços baixos e lhe compraria títulos de tesouros em valores avultados.

Os pró União Europeia reagiram saindo para as ruas de Kiev contra a decisão do Presidente Yanukovych, exigindo o seu abando do poder, o que veio a culminar na destituição deste. Em seu lugar, assumiu o poder o então Presidente do Parlamento, que formou um governo pró ocidental e organizou eleições ganhas pelo actual Presidente, o bilionário Petro Poroshenko. Mas a destituição do Viktor Yanukovych não ocorreu sem a violação de um acordo com os manifestantes, nos termos do qual seria remodelado o governo e convocadas as eleições antecipadas.

Entretanto, apesar da violação do acordo; apesar de Yanukovych ter sido eleito democraticamente; e enquanto a Rússia tentava a nível do Conselho de Segurança da ONU obter uma Resolução que obrigasse ao respeito da ordem democrática e constitucional e do acordo firmado com os manifestantes, as potências ocidentais, com os EUA e a UE à cabeça, reconheceram as novas autoridades amigas de Kiev.
Naturalmente que não consideraram a situação como um golpe de Estado, ainda que tenha havido uma tomada do poder com recurso à força e fora do quadro constitucional. Mas até aqui nada de novo. Aliás, por exemplo, a tomada do poder no Egipto pelo General al Sissi também não era considerado golpe pelo ocidente.

Ora com o reconhecimento e consolidação no plano internacional do novo governo pró ocidental, a Rússia não se fez esperar: promoveu e apoiou o referendo da declaração unilateral da independência de Crimeia, maioritariamente russa, seguida de associação (integração) à Federação Russa. A Crimeia hoje está de facto integrada na Rússia e com forças russas a manter o controlo das suas fronteiras soberanas. Com isso, outras províncias pró russas iniciaram um processo igualmente independentista muito violento, nomeadamente Donetsk, Lugansk.

Mas o que mais intriga e estranha no meio disto tudo não é a assunção de posições diferenciadas por parte de diferentes potências em função de interesses domésticos ou de bloco. Estranha e intrigante é a forma como a loucura colectiva invadiu um país da dimensão da Ucrânia ao ponto de se colocar na situação que se encontra hoje; ou a forma como as potências ocidentais admitiram que uma viragem pró ocidental, nos termos em que foi conseguida, seria possível sem derramamento de sangue naquele país tão dividido e vital para a Rússia!

A Ucrânia é um país soberano, com interesses próprios que não se confundem com os de nenhum outro país ou bloco. Faltou claramente visão, bom senso e sentido de interesse nacional à classe política ucraniana. Por mais interesses que tenham em manter uma relação estreita com um dos lados que lhe disputam a influência, nunca poderia perder de vista que quando começasse a cheirar à pólvora, naturalmente que seria no território ucraniano e tendo ucranianos como vítimas. Independentemente de concordar ou não com a opção do Yanukovych ou com a forma como os manifestantes se apoderam do poder, quando se consumou a queda do Yanukovych, a classe política ucraniana devia saber que a única forma de evitar o pior era accionar mecanismos diplomáticos de resolução da crise. Nesse sentido deveriam ser úteis aos ucranianos os dirigentes de países ocidentais amigos do actual poder de Kiev. Infelizmente nada disso aconteceu. Do meio da loucura colectiva protagonizada por manifestantes em fúria não emergiram vozes avisadas suficientes para evitar o caos em que a Ucrânia está hoje mergulhada.

Numa outra perspectiva, o conflito ucraniano evidencia a fragilidade da liderança mundial sobre a qual assenta um arsenal bélico e destrutivo jamais visto na história. Infelizmente o nível de distração de algum eleitorado conduziu a que critérios para obter mais votos sejam boa aparência física, uso de boas gravatas ou andar desengravatado, peso e silhueta de manequim, sorriso estudado perante as câmaras da televisão, melhor selfie (autofotografia), etc.. Tudo isso em detrimento de líderes com sentido de Estado e capacidade de manter o discernimento para fazer opções políticas difíceis mas que salvam nações e poupam os cidadãos de sofrimentos inúteis. Por exemplo, a Europa actual não foi forjada por estadistas de boa aparência e que posam bem para as câmaras da televisão.

A liderança mundial da nova geração semeou conflitos em diferentes quadrantes do mundo sob pretextos diversos. Substituiu o Iraque de Saddam pelo caos reinante hoje neste país do médio oriente; entregaram a Líbia às milícias e a diferentes bandos armados; a combinação da desordem no Iraque, na Líbia e a situação na Síria, entre outras perturbações pelo mundo fora, saldou no autoproclamado Estado Islâmico.

Na Ucrânia, depois de a conduzir até a beira de colapso total, alguém se lembrou que o conflito não tinha solução militar e que era preciso se sentar com Putin e com as outras partes no conflito para procurar uma solução equilibrada.
Ora se isso é verdade hoje, era igualmente evidente que, quando o Yanukovych se inflectiu para o lado da Rússia em detrimento da União Europeia e causou a fúria dos pró ocidentais, a única via para encontrar o ponto de equilíbrio era negociar a sério e cumprir os termos dos acordos assumidos. Ou seja, os dirigentes ucranianos, sobretudo, e os seus amigos de um lado e do outro, deviam saber que a única via segura de encontrar o equilíbrio era abrir o espaço para o diálogo o mais cedo possível. Deviam saber que a Ucrânia é apetecida porque tem a capacidade de desequilibrar em função do lado para que pender. Se pender para o lado da Rússia ou para o lado da União Europeia, criaria uma situação de desequilíbrio que potencia radicalismos. E não há como encontrar um ponto de equilíbrio fora do quadro negocial.

A fuga para frente conduziu à guerra fratricida entre irmãos e criou um quadro novo, que será marcado durante muitos anos por ódio e desconfianças entre os diferentes grupos em confronto. Agora não se trata apenas de fazer sentar à mesma mesa irmãos desavindos e conseguir um abraço fraterno que resolva uma simples desavença.

Trata-se de encontrar agora uma plataforma de entendimento capaz de sarar as feridas abertas pela guerra, devolver o orgulho ferido aos “derrotados” e abrir caminho para que o tempo trate de neutralizar o cheiro da pólvora que uma elite política fraca deixou pulverizar no solo ucraniano por interesses estrangeiros.
Como foi possível estupidamente pensar que o juízo estava nas ruas de Kiev e não na mesa das negociações?
Por: Pedro Rosa Có

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