
O sociólogo Tamilton Teixeira insurgiu-se contra o “status quo” da Guiné-Bissau e criticou a geração pós-independência, que herdou um Estado com respeito, dignidade e honra política e diplomática e que agora está a deixá-lo sem prestígio.
Solicitado para falar dos avanços e recuos da Guiné-Bissau aos 49 anos da independência, TamiltonTeixeira disse que não se pode falar de avanços nem de recuos, porque depois da independência o país apenas viveu “catástrofes” e que ninguém precisa consultar dados para ter a noção do elevado índice de pobreza que o país enfrenta e do aumento exponencial do número de vendedeiras nos “becos” de Bissau, relegando o povo à “política de um tiro” – uma refeição diária.
O sociólogo afirmou que não houve nenhum progresso e falta um documento estratégico, que ilustre uma visão do Estado, não a dos partidos políticos, sobre o progresso e que seria um instrumento com orientações políticas, económicas e diplomáticas da Guiné-Bissau.
“Qual é a ambição do Estado? Hoje , todos os Estados estão a falar de documentos para horizontes até…, ou horizonte 2030 ou 2050. E nós? Portanto, não temos conquistas nem avanços. Temos uma história bonita e intocável, conseguimos a nossa independência de forma exemplar e podemos orgulharmo-nos da luta que fizemos, porque é digna de se orgulhar. Mas depois disso vivemos de catástrofe em catástrofe”, disse.
Muitos guineenses fazem de conta que a Guiné-Bissau é um Estado que se preocupa com coisas que os outros Estados encaram também como desafios, mas não é verdade, porque quem pensa assim não está a falar da visão que Amílcar Cabral tinha sobre o futuro do país, que projetou no processo de luta de libertação nacional, no qual as mulheres estariaminseridas em quase todas frentes da luta, um país no qual haveria corporações na área de educação com países como Argélia, Cuba, China.
“Amílcar Cabral já estava a pensar na política de desenvolvimento e na visão futura daquilo viria a ser a Guiné-Bissau. E hoje quem é que projeta este país e qual é o documento estratégico e a ambição de desenvolvimento?”, questionou.
Na sua análise, Tamilton Teixeira começou por problematizar aquilo que muitos pensam terem sido avanços, nomeadamente conseguir um Estado, um hino, uma bandeira e umanacionalidade. Para o sociólogo, são apenas conquistas e um direito, um processo conseguido de forma responsável graças a uma visão política e estratégica profunda de toda a démarche política e diplomática que Amílcar Cabral conseguiu fazer para firmar o Estado.
“Todo e qualquer Estado tem apenas duas funções: política e social. Política para fortalecer as suas instituições, fazê-las funcionar e permitiro normal funcionamento de tudo quanto é o espírito de um Estado. Que as leis e a administração pública funcionem e que cumpra o seu papel político de garantir a justiça e o bem-estar social, deque é de provedor. Um Estado que não vai permitir que as pessoas passem fome, nem que 49% das meninas com idade escolar fiquem fora do sistema, 40% da população idosa durma com fome, 10% das crianças com necessidades especiais não tenham professores à altura”, indicou e fez lembrar que, quando o país conseguiu edificar o Estado, era fundamental retomar a ideia, de garantir o progresso.
Tamilton Teixeira criticou o fato de a geração pós-independência, que herdou um Estado com respeito, dignidade e honra política e diplomática, esteja a deixá-lo agora sem prestígio.
“Não posso falar de avanços sem olhar para os números da Guiné-Bissau. O que dizem, por exemplo. Será que posso falar de avanços quando vejo que os governos, que são responsáveis pela implementação de políticas públicas, nunca chegam ao fim dos respetivos mandatos? É absurdo e caricato. Nós interrompemos todos os processos estruturantes, sem motivos. A edificação do Estado, por exemplo, depois da independência, foi interrompida com o golpe de Estado de 1980”, justificou.
Afirmou de seguida que deste acontecimento, vieram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional que chacotearam o aparelho público e criaram uma classe falsa de empresários, porque “a Guiné-Bissau não tem uma classe empresarial nata”, salientando que essas duas entidades inventaram e forjaram algumas à categoria de empresários com pretextos de que era necessário fazer avançar o setor.
“Tivemos em 1994, as primeiras eleições. As primeiras eleições, como costumo dizer, não pelos resultados da governação da época, porque os números indicam que eram péssimos, mas era preciso concluir o processo político. As primeiras eleições democráticas que fizemos tinham um significado enorme e não poderia ter sido abortado por um golpe de estado. Não estou a dizer que Nino Vieira estava a dirigir bem o país. O Estado que se estava a começar a construir, que fez o primeiro exercício democrático, tinha que sobreviver aos desafios para que o povo pudesse habituar-se e ganhar a confiança e a cultura de que só se pode alternar o poder pela via das urnas, do voto e oexercício da liberdade”, afirmou.
Por: Filomeno Sambú