BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS MINA INVESTIMENTO ECONÓMICO NA GUINÉ-BISSAU

[ENTREVISTA_outubro 2022] O presidente da Célula Nacional de Tratamento de Informações Financeiras (CENTIF) da Guiné-Bissau, Justino Sá, afirmou em entrevista à Rede de jornalistas sobre Mercado e Economia Ilícita da Guiné-Bissau (REJOMEI), que o branqueamento de capitais está a um nível médio elevado e mina o investimento económico no país. Segundo o presidente da CENTIF, essa tendência tem constrangido o desempenho económico nacional, porque o Estado não tem conseguido arrecadar receitas suficientes para resolver os problemas sociais, nomeadamente nos setores da saúde e da educação.

“As pessoas têm recorrido a esta forma para introduzir no mercado dinheiro obtido em atividades ilícitas. Os traficantes, por exemplo, investem numa empresa ou num consórcio para justificar que o dinheiro que investem é limpo, quando na verdade tem origem duvidosa”, disse. 

O presidente da CENTIF alertou que, quanto mais ações de branqueamento de capitais se desenvolvem num país, mais riscos de o Estado não conseguir cobrar receitas, porque “há mais facilidades de as pessoas subornarem os funcionários das Contribuições e Impostos e das Alfândegas, dando-lhes dinheiro ao invés de pagarem diretamente ao Estado”.

Instado a pronunciar-se sobre o perigo que o branqueamento de capitais pode representar para o país, Justino Sá apontou alguns perigos como a concorrência desleal, o bloqueio do funcionamento de Estado e a desarticulação dos serviços públicos.

“Quando alguém consegue dinheiro de forma ilícita, pode corromper e comprar qualquer coisa a seu favor”, afirmou. 

Rede dos Jornalistas sobre Mercado e Economia Ilícita (REJOMEI-GB):   O que é o Branqueamento de Capitais e o Financiamento do Terrorismo?

JUSTINO SÁ (JS): É um processo usado para dissimular a verdadeira origem de um fundo resultante de atividades ilícitas, com a finalidade de atribuí-las uma aparência final de legalidade. Branquear é transformar uma coisa suja em limpa. É bom precisar que ela nasceu nos Estados Unidos da América, numa empresa de Lavandaria que desenvolvia atividades de lavar roupas. A uma certa altura a empresa cresceu muito, mas o fluxo de capitais não era compatível com o trabalho desenvolvido. Foi a partir daí que as pessoas começaram a questionar se só lavar roupas é que estava a dar rendimentos à empresa.  Ali abriu-se uma investigação que veio a descobrir que, por trás de lavar roupas, a empresa fazia negócios de drogas cujos lucros eram colocados na empresa para dissimular.

REJOMEI-GB: Como é que se manifesta o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo na Guiné-Bissau?

JS: No relatório Nacional de Avaliação de riscos que apresentamos em 2020, em termos de financiamento de terrorismo, foi avaliado em médio e baixo, o que significa que não há financiamento deste fenómeno no nosso país. Mas, em termos de branqueamento de capitais a média é muito elevada no nosso país. Embora não se tenha registado nenhum caso de prática de terrorismos na Guiné-Bissau, não há ainda dados que sustentem esta minha afirmação. Lembro-me muito bem que num passado recente terroristas foram detidos no nosso país.

Pode haver células adormecidas no país que podem contribuir no financiamento do terrorismo. Se tomarmos em conta a vulnerabilidade do nosso país, a porosidade das nossas fronteiras e a ausência de Estado em todo território nacional, é evidente que esses elementos podem motivar essas organizações a utilizarem a Guiné-Bissau para financiar o terrorismo noutros países da sub-região.    

Há três elementos que concorrem para a manifestação do branqueamento de capitais na Guiné-Bissau, nomeadamente um trampolim de tráfico de drogas a nível da sub-região e há quem diga ainda que é um narco Estado, um país altamente corrupto onde as pessoas não pagam impostos. Se todos estes crimes subjacentes são visíveis, como é que o branqueamento não vai manifestar-se?

REJOMEI-GB: Quando é que um país é apontado como estando na linha vermelha do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo?   

JS: É considerado que um país está na linha vermelha desses dois fenómenos quando não coopera. A Guiné-Bissau está nessa linha vermelha, porque o Grupo de Ação Intergovernamental Contra o Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo na África Ocidental (GIABA) classificou o nosso país como não cooperante, por não criar as condições para a luta contra o branqueamento de capitais.  A Guiné-Bissau foi submetida à avaliação mútua em janeiro de 2021 e o relatório da CENTIF foi discutido em fevereiro e publicado em abril de 2022. Francamente, em todos os onze quesitos imediatos em que o nosso país foi avaliado não tivemos nada de positivo, de maneira que a nossa Guiné-Bissau está numa situação muito difícil.

REJOMEI-GB: O país perde economicamente com o branqueamento de capitais?

JS: Sim. Porque quando um país não consegue receber grandes empresas investidoras por causa do branqueamento de capitais ou de fuga ao fisco, em termos de performance económico o Estado cai, como estamos agora.  

REJOMEI-GB: Alguma vez a Guiné-Bissau julgou e condenou um branqueador?

JS: Apesar da existência da lei de luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, lei nº 03/2018 de 07 de agosto, que é uma diretiva da sub-região que foi adotada pela Guiné-Bissau, no nosso país nunca houve uma única condenação decorrente do crime de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, não obstante existirem indícios desses crimes no nosso país.

REJOME I-GB de. : O que é necessário fazer para mitigar o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo na Guiné-Bissau? 

JS: É necessário sensibilizar as pessoas. A sensibilização pode ajudar as pessoas a engajarem-se seriamente na luta contra o branqueamento.  É a única coisa que a Célula de Tratamento de Informações Financeiras pode fazer, porquanto não tem o poder de perseguir ninguém. Mas vamos continuar a sensibilizar a sociedade, mostrar às pessoas que o branqueamento é um mal que afeta toda a gente. As entidades financeiras, por exemplo, bancos, casas de câmbio e as não financeiras como é o caso das ONG’s e advogados, devem continuar a colaborar com a CENTIF, declarando operações suspeitas porque só assim é que podemos mitigar os riscos já identificados com as ações concretas. A CENTIF é tutelada pelo Ministério das Finanças e foi criada em abril de 2006. Tem uma composição híbrida, composta por um Magistrado ligado ao Ministério Público, um Inspetor da Polícia Judiciária, um Inspetor Aduaneiro e um Técnico do Banco Central dos Estados da África Ocidental, (BCEAO).

Por: Mamudo Dansó

vice-coordenador da REJOMEI

Email. rivadanso@gmail.com

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