ATIVISTA DENUNCIA GRAVIDADE DA SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SETOR DE CACHEU  

O ativista Fernando Djemé denunciou que a situação dos direitos humanos no setor de Cacheu que considera “grave”, requer uma solução imediata para minimizar os riscos.

Djemé revelou que as portas do tribunal de Cacheu estão encerradas por falta de um juiz, o que piora o problema crônico de acesso à justiça, porque há vários anos que o tribunal local tem funcionado apenas com um único juiz que também administra a justiça em vários tribunais que cobrem os setores de Safim, Bula, Canchungo, Caio, Calequisse. Por exemplo, é o tribunal de Canchungo que atende os casos que dão entrada nos tribunais de Caio e de Calequisse, uma vez por semana para cada setor.

RETIRADA DO ESCRIVÃO DE CACHEU RESULTOU NO ENCERRAMENTO DO TRIBUNAL LOCAL

O ativista informou que em 2020, o escrivão do tribunal de Canchungo teve problemas de saúde e as autoridades judiciais transferiram-no para Canchungo, facto que levou o tribunal de Cacheu a fechar as suas portas.

“Desde então a questão dos direitos humanos deixou de ser observada naquele setor”, frisou e destacou a dificuldade de acesso à justiça, a morosidade dos tribunais, o custo elevado dos transportes, as consequências sociais de crise mundial e da pandemia da Covid-19, como um dos maiores estrangulamentos.

“O preço dos transportes aumentou.  Um cidadão comum que tenha um caso no tribunal de Cacheu é obrigado a viajar para Canchungo e arcar com os custos dos transportes. Os processos na justiça são morosos, implicando várias deslocações e às vezes são remetidos para Bissorã, onde funcionava o tribunal provincial. Portanto, várias famílias acabavam por desistir por causa de muito dinheiro que despendem em processos judiciais”, indicou.

BARREIRA DE CUSTAS JUDICIAIS PROMOVEM A VIOLÊNCIA E A IMPUNIDADE EM CACHEU

O responsável da comunicação e visibilidade da rede regional de defensores dos direitos humanos da região de Cacheu revelou que, entre fevereiro e março deste ano, uma criança de seis anos foi violada sexualmente na cidade de Cacheu por um adulto de aproximadamente 40 anos de idade.

O caso, segundo o ativista, foi levado à polícia e depois transferido para o tribunal Canchungo, mas o processo não conheceu nenhum desfecho judicial, porque a família desistiu do caso por falta de meios financeiros para fazer face às custas judiciais.

“No mês de outubro passado, registaram-se dois casos muito graves em que um jovem de aproximadamente 20 anos de idade foi esfaqueado pelo seu colega no bairro de Ribada. A vítima foi suturada com 51 pontos. O agressor foi detido na esquadra policial de Cacheu. Alguns dias depois apareceu um homem fardado, familiar da vítima, a pedir aos polícias para soltar o agressor porque não tinha condições para prosseguir com o caso para tribunal, devido à falta de meios financeiros. Na semana passada, um idoso esfaqueou a sua neta e foi levado para polícia, mas continua impune. Por isso é impossível falar dos direitos humanos no setor de Cacheu, porque não existem mecanismos eficazes para desencorajar atos de violência, com a ausência dos tribunais”, enfatizou.

Sobre os casos de assassinatos a sangue frio, Fernando Djemé relatou um caso ocorrido há vários meses na rua “bairro militar”, de um jovem que terá sido espancado à noite e encontrado no dia seguinte sem vida.

“Temos registado também casos de pessoas que morrem afogadas no mar ou no rio em circunstâncias por esclarecer. Tudo porque não há justiça para pressionar as pessoas suspeitas. Djemé lembrou que recentemente, uma senhora grávida de oito meses desapareceu na travessia entre Cacheu e Tabanca de Burni, sem nenhuma explicação e no dia seguinte foi encontrada morta. Até ao momento, nenhuma investigação foi feita para apurar as circunstâncias da sua morte”, lamentou.

O ativista informou que, entre as tabancas nos arredores do setor de Cacheu, os assassinatos são frequentes, sobretudo quando se trata de roubo a mão armada, porém não especificou o momento em que esses fatos teriam ocorrido. Adiantou que outra situação que está a criar problemas na convivência entre as comunidades daquela zona nortenha do país tem a ver com os conflitos de posse de terra, que têm provocado muita insegurança na população e que têm colocado em risco os direitos humanos.

“Só quero citar dois problemas que tínhamos no setor de Cacheu. O primeiro aconteceu há dois anos na tabanca de Tchur-Bric quando um grupo de pessoas de uma tabanca que fica no Tchur-Brick de baixo que vive em Bissau começou a vender terrenos e violou o espaço da outra comunidade que ocupa a zona há mais de vinte anos, vivendo e conservando tudo que está à volta da floresta. Essa situação criou uma insegurança, porque os membros da comunidade que sofreram a invasão do grupo de Bissau decidiram que resistiriam lutando até a morte, mas nunca abandonariam um espaço que vinham explorando havia mais de vinte anos. Mas até ao momento não temos registo de nenhum sinal de mal-estar entre os dois grupos da mesma zona, irmãos na mesma região”, afirmou.

Fernando Djemé alertou que se medidas não forem tomadas, na tabanca de Mata, o conflito pela posse de terra poderá explodir e desembocar em perda de vidas.

“O caso está no tribunal de Bissorã, mas não houve nenhuma decisão até agora e a população passou a não acreditar na justiça.  A única solução é sentar-se à mesa para conversar, caso contrário, teremos perda de vidas humanas. Portanto os populares do setor de Cacheu vivem na insegurança total”, sublinhou.

Segundo o ativista, a questão de insegurança poderia ter sido ultrapassada, porque Cacheu dispõe de três estruturas de forças de defesa e segurança, nomeadamente a Polícia de Ordem Pública, a Guarda Nacional, a Brigada Costeira e a Marinha da Guerra Nacional, mas “infelizmente aquelas forças não dispõe de meios logísticos para fazer face aos agressores, apenas a Guarda Costeira tem apenas uma motorizada para controlar o espaço terrestre e o mar.

INSEGURANÇA COLOCA PESCADORES NACIONAIS EM RISCO DE VIDA NAS SUAS ATIVIDADES

Questionado sobre a relação entre os pescadores estrangeiros e nacionais naquela região, o ativista disse que os pescadores guineenses são alvo de ataques físicos pelos estrangeiros e correm risco de vida no mar.

“Os estrangeiros violam as nossas águas e pescam abusivamente os nossos recursos haliêuticos. Ninguém os controla, porque as estruturas que temos na zona estão inativas, não têm meios para assegurar as investidas dos pescadores estrangeiros no mar. Casos acontecem nos bairros de Cacheu, as forças policiais não conseguem chegar a tempo para evitar o pior e muitas vezes os malfeitores põem-se em fuga porque os policias deslocam-se a pé para deter os ladrões ou criminosos. Como isso é possível em pelo século XXI e numa zona que tem várias saídas por mar e terra?”, questionou.

Sobre o casamento precoce, Fernando Djemé disse que aquela situação raramente é registada naquela zona, devido às particularidades culturais dos grupos étnicos que habitam a zona, mas não descartou a hipótese que venha a ser um problema devido à globalização e à entrada de outros grupos étnicos e algumas pessoas que vieram dos países vizinhos, do Senegal e da Guiné Conacri, para fazer apanha da castanha de cajú.

“Há sinais de existência desse fenómeno, casamento precoce, mas ocorre escondido, por isso será difícil especificar um caso em concreto, porque também não existe proteção para os denunciantes”, salientou.

Disse que várias vezes terá recebido ameaças diretas por ter liderado várias reivindicações na cidade de Cacheu, através de “Movimento Setorial Cacheu em Primeiro Lugar” e do “Movimento Escola”, na sequência de vigílias de alunos no ano letivo 2020 a 2021.

“Depois destes dois eventos, começaram as perseguições, porque muitos julgaram que a vigília colocaria em causa a convivência entre comunidade estudantil e os professores. E nesse momento recebi alertas de pessoas próximas a mim que era preciso que me acautelasse. Os alvos eram os líderes, ativistas, mas só estávamos a desencorajar atos ilegais dos dirigentes “, sublinhou e disse estar determinado em continuar a trabalhar e denunciar todos os atos ilegais que ponham em causa a situação dos direitos humanos no setor de Cacheu.

ATIVISTA: “CENTRO DE SAÚDE DE CACHEU FUNCIONA APENAS COM DOIS ENFERMEIROS”

O ativista revelou que o Centro de Saúde de Cacheu, que se ocupa de uma área sanitária enorme com vários serviços, nomeadamente, clínica geral, maternidade, casas de mães, laboratório e farmácia, neste momento tem apenas dois enfermeiros, dos quais um encontra-se em Bissau a estudar.

“O centro tem ainda uma parteira, um analista de laboratório e um farmacêutico, ou seja, apenas quatro técnicos a trabalhar no centro, sem médico.  Nessas condições, é impossível falar dos direitos humanos”, enfatizou.

Lamentou que a população de Cacheu tenha que passar por tudo isso em quase todos os setores, nomeadamente educação e saúde.

Questionado ainda se existe um projeto de desenvolvimento comunitário que possa merecer apoio do governo, Fernando Djeme sublinhou que havia uma tentativa de criar um plano de desenvolvimento local em 2017, financiado pelo Banco Mundial, para facilitar a intervenção dos parceiros do desenvolvimento. Criou-se um conselho consultivo no setor e nas secções e comités do desenvolvimento local, mas depois de terminar o projeto, tudo ficou parado porque os documentos elaborados não foram aprovados.

Informou que neste momento estão a intervir no setor três projetos no domínio ambiental. Denunciou a invasão dos pescadores estrangeiros aos recursos marinhos do país.

“As forças colocadas no setor não têm meios próprios. Recorrem às pirogas ou vedetas de entidades privadas para fiscalizarem e apreender pirogas estrangeiras que pescam ilegalmente, mas o dinheiro das multas desaparece de forma misteriosa”, ironizou.

Djemé revelou que, em outubro, vários pescadores de diferentes nacionalidades estavam no porto de Cacheu a produzir grande quantidade de lixo e a poluir o mar, enquanto aguardavam que as suas pirogas fossem libertadas.

Exortou o governo a apoiar os agricultores da região, mecanizando as suas atividades e, consequentemente, acabar com a fome.

Por: Aguinaldo Ampa

Foto: A.A

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *