[ENTREVISTA_S51_2022] O líder do Partido Luz da Guiné-Bissau, Lesmes Mutna Freire Monteiro, disse que os Orçamentos Gerais de Estado apresentados pelos sucessivos governos não afetam um bolo maior aos setores da educação e da saúde, razão pela qual a situação desses dois setores está a deteriorar-se a cada dia que passa, acrescentando que, para além de não afetar o maior bolo do orçamento aos dois setores, é preciso despartidarizar a educação e repensar o próprio sistema.
Revelou na entrevista que o seu partido elegeu a educação e a saúde como uma agenda nacional, independentemente do governo ou dos partidos políticos que estejam no poder, mas o Partido Luz vai empenhar-se sempre no cumprimento do seu programa.
“Se a educação e a saúde não são prioridade, é toda uma nação que está em causa. Temos que nos juntar para podermos conseguir um resultado positivo. Só através desta conscientização ou formato de incutir nas pessoas que a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da educação é de todos, poderemos conseguir fazer algo para os dois setores, bem como aumentar o bolo para o setor educativo e rever o programa da educação. Acreditamos que podemos sim, enquanto nação, alavancar a nossa educação”, disse o político na entrevista exclusiva ao semanário O Democrata para falar das motivações para a criação do Partido Luz, do seu programa, dos mecanismos a implementar para merecer a confiança da juventude guineense, sendo um partido constituído essencialmente por jovens que quer ganhar a confiança do eleitorado guineense.
“Esta é a grande questão, porque o formato da política na Guiné-Bissau tem se centralizado em termos de meios financeiros. Muitas pessoas não discutem ideias ou projetos por detrás da criação de um partido, discutem mais as finanças dos jovens. De fato, nós não temos dinheiro, mas o que queremos é vender uma ideia para a Guiné-Bissau. Se conseguirmos mobilizar a juventude, como temos vindo a fazer até aqui, poderemos criar os mecanismos para que cada militante ou simpatizante possa ter uma camisola por meios próprios. Temos o logotipo do nosso partido e quem, de fato, está neste projeto com convicção, não para ter camisola ou caneta, pode, sim, pagar mil francos cfa ou dois mil francos para timbrar o logo do partido na sua camisola” contou, acrescentando que na verdade querem mudar o paradigma ou a maneira de fazer a política no país.
O Democrata (OD): O senhor é conhecido como um jovem músico, ativista e jurista, depois enveredou-se pela política no partido libertador. Manifestou o interesse de concorrer à liderança da JAAC, mas as coisas não deram certo. Decidiu desvincular-se para formar o seu próprio partido. Em poucas palavras, explica-nos as razões da desvinculação do PAIGC, que um dia sonhou dirigir.
Lesmes Mutna Freire Monteiro (LM): Tenho uma agenda nova. Tenho que me focar essencialmente nela. Não quero estar a falar do passado, particularmente de coisas que já falamos. Já tive a oportunidade de explicar as razões da minha desvinculação do partido e agora quero focar-me mais numa agenda essencialmente nova, para poder implementar algumas ideias que tenho em prol da Guiné-Bissau, portanto não quero falar do passado.
O D: Assumiu o desafio de criar o Partido Luz da Guiné-Bissau. O que lhe motivou a criar o partido e assumir uma vida política ativa num país em que as ideias ou projetos não são debatidos?
LM: Não é uma ideia exclusivamente minha. Foi uma ideia de um conjunto de jovens com os quais estivemos, ao longo de muitos anos, a refletir sobre qual poderia ter sido o melhor caminho para darmos a nossa contribuição. Tivemos várias reflexões ao longo deste período e chegamos a uma conclusão em que decidimos que iriamos avançar para a criação de um partido político. Sabemos que o contexto político nacional está um pouco saturado com a ideia de mais um partido político e começa a questionar o porquê de não termos integrado uma formação política já existente para provocar a mudança.
Se não entramos num partido para ficar e implementar as nossas ideias, talvez o ambiente não seja propício. Então, decidimos considerar que temos a liberdade enquanto cidadãos de criar uma agenda nova, essencialmente jovem, com princípios e valores que defendemos para trazer um novo ar fresco para a política. A nossa motivação é comum, que a realidade política até ao momento não é das melhores. Acreditamos que poderíamos ter tido um país diferente, então enquanto jovens acreditamos que é agora. Não podemos estar à espera de nada, nem do tempo, porque o tempo é algo que não temos neste momento.
Há quem defenda que ainda somos novos, sim é verdade. Poderíamos ter esperado mais tempo, mas a luta de libertação, o programa mínimo, foi implementado por jovens. Amílcar Cabral tinha 32 anos de idade, aquando da criação do PAIGC. Hoje já nos formamos com filhos e no emprego, não podemos sentarmo-nos à espera de um tempo que nunca vai chegar.
Essa ideia de dizer que ainda temos tempo é uma ideia bem segmentada na elite política nacional para fazer com que os jovens, que constituem a maioria da população, fiquem fora da esfera da tomada de decisões. Essa nossa ideia não é apenas para chegar à esfera de decisões, mas podemos influenciar através de debates de ideias e de projetos e podemos fazer com que os mais velhos se sintam pressionados em fazer alguma coisa para a Guiné-Bissau. A nossa motivação é contribuir para a Guiné-Bissau, essencialmente nos setores sociais: educação e saúde.
OD: O partido tem o foco centralizado na juventude. Que ideologia o partido defende?
LM: Nós temos uma ideologia focada mais para a esquerda, porque acreditamos que antes de construirmos a Guiné-Bissau, primeiramente temos que construir o homem guineense, aliás, fazemos parte deste grupo. Nesta construção do homem guineense, temos que focar na educação, por exemplo, se conseguirmos implementar um programa educativo voltado para a nossa realidade e começarmos na pequena infância, dos 3 aos 6 anos de idade. Decidimos porque acreditamos que podemos contribuir para a mudança de paradigma.
OD: Fala-nos de forma sintética do programa político do partido com o qual pretende conquistar o eleitorado guineense.
LM: O nosso foco é exatamente a educação, a saúde e a agricultura, mas colocando a educação no centro de toda a atenção. Quer dizer o capital humano. Os recursos humanos para nós são fundamentais, porque não podemos construir um país sem os recursos humanos. Nesta lógica de colocar no centro os recursos humanos, entram os dois setores sociais, a educação e a saúde. Ambas as áreas precisam uma da outra para lutarmos contra a fome e contra a pobreza.
Quer dizer que a educação, a saúde e a agricultura. Para termos grandes médicos e engenheiros, precisamos da educação. Para mantermos uma boa educação de qualidade é preciso apostar na agricultura para garantir a autossubsistência alimentar e ter saúde de qualidade, então este trio constitui os principais eixos do nosso programa político.
Na educação, vamos focarmo-nos na pequena infância, quer dizer na construção de um novo, modelo do homem guineense. Aquilo que Cabral tinha preconizado, era o homem novo, mas não conseguimos dinamizar a nossa educação e criar um programa educativo da pequena infância voltado para a nossa realidade.
OD: Que mecanismos o Partido Luz vai utilizar para alavancar os sistemas da educação e da saúde que praticamente estão em terra?
LM: A priorização ou não da educação e da saúde depende do Orçamento Geral de Estado. Quando temos um Orçamento Geral de Estado que não tem um bolo maior para a educação e a saúde, então a retórica é simplesmente uma falácia. Nós acreditamos que temos que despartidarizar a educação e a saúde e elegê-las como uma agenda nacional, independentemente do governo, dos partidos políticos e da sociedade, ou melhor, uma seleção nacional da Guiné-Bissau.
Quando é a educação e a saúde, é a nação que está em causa. Temos que nos juntar para podermos juntos conseguir um resultado positivo. Através desta conscientização ou formato de incutir nas pessoas que a responsabilidade é de todos nós, pelo sucesso ou insucesso da educação, bem como aumentar o bolo para o setor educativo e rever o programa da educação é que pode contribuir. Acreditamos que podemos enquanto nação, alavancar a nossa educação.
Temos ainda a questão da institucionalização da língua crioula como a língua do ensino. Defendemos essa ideologia, tomando em conta a nossa realidade étnica e religiosa muito complexa. Então, acreditamos que a língua crioula é um dos vetores mais importantes da nossa conexão enquanto nação. Temos que priorizar essa língua, porque há pessoas que têm mais domínio da língua tradicional, que acabam por enfrentar dificuldades deste o campo para o crioulo e para o português.
Não vamos relegar o português para o segundo plano, mas vamos seguir o exemplo de Cabo Verde, institucionalizar também a língua crioula como a língua do ensino, quer dizer o crioulo e o português como línguas do ensino. Não vai ser denominada a língua crioula, mas sim a língua guineense para que possamos ter um elemento de pertença. Por exemplo, o fulano o fala guineense.
Quando falamos da língua guineense, estamos a falar de um Estado, de uma conexão, porque as pessoas têm mais conexão com a etnia e religião do que ser guineense.
OD: A introdução do crioulo no ensino não dificultaria a aprendizagem do português, tendo em conta a fragilidade do sistema nacional de educação?
LM: Acho que não, porque vai ser em paralelo, o ensino do crioulo e do português. Nós defendemos ainda que a partir da 11ª classe, seja institucionalizado como língua opcional o Mandarim da China Popular, que é a língua do futuro. Se quisermos estar à frente do mundo, temos que poder falar as línguas que o mundo fala.
Hoje é o inglês, mas amanhã basicamente, segundo os estudos, será o Mandarim. Nós podemos fazer isso, aliás, isso não vai fazer com que deixemos de falar o português. Por exemplo, a África do Sul tem mais de cinco línguas de ensino, então nós também podemos fazer isso. Quanto mais línguas, mais opções temos e mais oportunidades os filhos da Guiné-Bissau terão no mercado de trabalho.
OD: Os setores da defesa e segurança têm constituído uma pedra no sapato do poder político. Que estratégia pensa usar no PL para esses setores, sobretudo no que concerne à reestruturação ou à reforma que se perspetiva há muito tempo?
LM: Para além da reforma, estes setores constituem um peso enorme para a economia do país. São setores que poderiam ter produzido ou estar a produzir para o Estado, mas não estão a fazê-lo. O que nós queremos não é apenas afetar meios e recursos para estes setores, mas também fazer com que os efetivos da defesa e segurança possam servir o Estado para além de serem militares ou polícias.
Um oficial militar formado pode dar aulas ou trabalhar como médico, pode também trabalhar na agricultura ou em qualquer área. O pessoal das forças armadas pode contribuir na plantação de árvores para podermos ter cidades mais verdes da Costa Ocidental da África. Há vários programas que nós podemos implementar, aliás, podemos criar até organizações não governamentais, onde os efetivos das forças de segurança podem trabalhar e criar riqueza, porque não basta apenas consumir.
O que nós fazemos é apenas gastos e mais gastos com uma estrutura bem grande e robusta que não reflete a nossa realidade e que produz nada! Além de fazer com que estes setores produzam alguma coisa para o Estado, nós achamos também que a densidade é muito enorme para a realidade do nosso país. Podemos ter pessoas na reserva, não é que não precisemos de militares, mas as pessoas podem estar na reserva e receber algum subsídio, enquanto um ativo pode estar na reserva e a realizar outros trabalhos ao mesmo tempo.
OD: O Partido Luz vai concorrer em todos os círculos eleitorais?
LM: Sim, vamos concorrer às eleições em todos os círculos eleitorais.
OD: O partido está munido da capacidade financeira para apresentar-se em todos os círculos eleitorais da Guiné-Bissau?
LM: Esta é a grande questão, porque o formato da política na Guiné-Bissau tem-se centralizado, em termos de meios financeiros. Muitas pessoas não discutem ideias ou projetos por detrás da criação dos partidos, discutem mais as finanças dos jovens. Não temos dinheiro, mas o que queremos é vender uma ideia para a Guiné-Bissau.
Se conseguirmos mobilizar a juventude, como temos vindo a fazer até aqui, poderemos criar mecanismos para que cada militante ou simpatizante possa ter uma camisola com os seus meios. Temos o logotipo do nosso partido e quem, de facto, está neste projeto com convicção e não para ter camisola ou caneta, pode pagar mil francos cfa ou dois mil fcfa para timbrar o logo do partido na sua camisola.
Quero dar um exemplo, um jovem ligou-me há dias a pqedir a maquete da camisola do partido. Ele disse-me que era do partido e que pagaria a produção da sua camisola. O meu irmão mais velho, o Libório, que vive na Irlanda, encomendou 500 camisolas, 250 chapéus e 250 lenços. Estes gestos, que podemos pensar que são pequenos, fazem diferença. O Presidente Koumba Yalá fez campanha aqui sem meios, nem carros, aliás, andou a pé com chinelos, então queremos fazer também igual.
Queremos mudar o paradigma da verdade. Se surgirmos para sermos iguais aos outros partidos, então vamos estar sob a influência de pessoas ligadas ao lobby e vamos cair na tentação de sermos financiados por pessoas que têm atividades duvidosas. Não criamos o partido para comprar consciências das pessoas, mas sim para vendermos uma ideia. Se as pessoas conseguirem apropriar-se desta ideia, acreditamos que cada um vai poder fazer algo diferente.
OD: Acha que é possível fazer política apenas vendendo o projeto ou a ideia aos eleitores que costumam receber materiais e dinheiro dos partidos no período da campanha eleitoral…
LM: Precisamos do dinheiro para organizar a nossa campanha, mas vamos garantir aqui que não vamos fazer a campanha nos mesmos moldes que os outros partidos. Queremos dinheiro para nos deslocar às regiões, mas precisamos do básico. Através do esforço conjunto e de pessoas influentes que acreditam na Guiné-Bissau e que ainda têm alguma esperança e que provavelmente poderão reverem-se no nosso programa. Com o mínimo podemos fazer muita diferença.
A camada juvenil é que constitui o motor de todos os partidos políticos, portanto basta os jovens compreenderem que a força está na juventude, não precisaremos correr atrás das pessoas. Passarão doravante a trabalhar numa agenda essencialmente deles e vamos reverter essa situação. É como se a pessoa tem água e está a pedir para quem não a tem. Temos o poder e não precisamos de pedir a oportunidade. Precisamos criar a oportunidade para podermos entrar no centro das decisões.
Vamos contar com aquilo que temos. Vamos passar a nossa ideia, conversar com as pessoas num quadro diverso, independentemente da ideologia política, mas no final queremos ter voz e representatividade na Assembleia Nacional Popular.
OD: Nas eleições legislativas são admitidas coligações partidárias. O PL Vai sozinho às eleições ou vai coligar-se com outro partido?
LM: É possível. Tudo vai depender da dinâmica e também da ideologia. Pode ser antes ou depois das eleições, mas não posso antecipar nada por agora, porque há decisões que serão tomadas pelos órgãos do partido e que não depende essencialmente do Lesmes.
O que eu quero afiançar aqui é que estamos abertos, sobretudo para conjugar esforços com os partidos que têm uma linha, em termos ideológicos, igual à nossa. Mesmo depois das eleições, se conseguirmos ou não representação na Assembleia Nacional Popular, qualquer coligação que vamos fazer tem que se basear no projeto que temos. Vamos levar a nossa pauta, as nossas prioridades, a educação.
Se o governo priorizar a educação, a saúde e a agricultura, nós poderemos entrar neste governo. Se tivermos um governo que não priorize a educação e saúde, não podemos coligar, porque vai contra aquilo em que nós acreditamos ser melhor para a Guiné-Bissau. Estamos abertos para todos os partidos, independentemente da ideologia, para criarmos um canal de diálogo e no final podermos chegar à conclusão, se há ou não a necessidade de colaboração.
OD: O Partido Luz aceita integrar na sua lista de deputados pessoas analfabetas?
LM: Sim, porque nós acreditamos que a representação na Assembleia Nacional Popular tem que ser em proporção da sociedade que nós temos. Temos a maioria da população analfabeta, portanto se tivermos no nosso partido uma pessoa analfabeta que tenha influência, um sentido e capacidade de liderança, e que tenha a humildade para aprender é melhor ajudarmos essa pessoa e contribuir para que apreenda e arranjarmos depois os assessores, caso seja necessário.
Não criamos um partido na perspetiva de elitização, porque a este povo foi negado o direito à educação. Não estamos aqui para sustentar a ideia ou o debate dos que foram à escola e dos que não foram, dos de campo ou da cidade. Este partido vai ser um partido de todos os guineenses, através de critérios que definimos para ser candidato a deputado, se um analfabeto preencher os requisitos e for aceite na sua comunidade como candidato a deputado, nós aceitaremos sem problemas.
Se um Mestrando ou doutorando conseguir ter este privilégio de ser aceite na sua comunidade como candidato a deputado, vamos apoiá-lo. O que queremos é criar as condições para que cada guineense tenha a oportunidade de participar ativamente na política e criarmos as condições para que possamos ajudar as pessoas a aprender, para poderem representar as suas comunidades.
OD: O país vai às eleições, mas a estrutura gestora do processo está caduca e sem um dos elementos fundamentais, o presidente da CNE. Os atuais elementos do secretariado executivo podem ou não realizar as eleições legislativas antecipadas?
LM: Eu vou falar da minha posição, mas que também é corroborada por vários colegas. Nós acreditamos que neste momento há uma impossibilidade objetiva de termos uma eleição ou uma escolha de novos membros da Comissão Nacional de Eleições, por causa da dissolução da Assembleia Nacional Popular. Não se pode ressuscitar o que está morto, quando se fala da dissolução da Assembleia Nacional é porque está morta. Não estamos a falar do edifício ou do órgão. Estamos a falar da plenária da Assembleia Nacional Popular, que objetivamente, não pode reunir-se para praticar atos, porque há um decreto presidencial que a dissolveu. A bomba atómica do Presidente quando é lançada, dissolve a Assembleia. A ideia de ressuscitá-la não tem nenhum nexo. Aliás, se é possível convocar a sessão plenária, que o façam e escolham novos membros da CNE.
A ideia de ressuscitar a Assembleia Nacional Popular não tem nenhum nexo, aliás, se é possível convocar a sessão plenária, então não temos problemas, é só convocar a sessão e escolher os novos membros da CNE. Mas todos eles têm consciência que é impossível convocar a Assembleia. Se é impossível convocar a plenária, há uma lei da CNE cujo artigo 03, ponto 6 fala da permanência dos membros da CNE até a tomada da posse de novos membros. Quer dizer, os membros do Secretariado Executivo da CNE só cessam as funções depois da tomada de posse dos novos membros.
OD: Quer dizer que os atuais membros da CNE podem organizar o processo eleitoral?
LM: Não é que podem. Devem organizar o processo eleitoral é um imperativo legal, não há outra fórmula. Não podemos substituir a lei por vontade de um ou outro partido, porque se fosse assim seria fácil, enquanto não conseguimos, por exemplo, um consenso, não vamos praticar nenhum ato. Estamos no direito público e no direito público não podemos estar a improvisar. Não estamos numa lógica do acordo de Conacri! Há um imperativo legal, os membros cessam a função depois da tomada de posse de novos elementos.
Se não há a possibilidade de novos membros serem eleitos para poderem tomar a posse, então os atuais devem continuar a praticar os atos essenciais. Na minha perspetiva, a realização das eleições também se enquadra nos atos essenciais, porque sem a eleição não podemos ter uma nova plenária e sem uma nova plenária não podemos ter novos membros da CNE. Essa ideia de procurar consensos ou saídas tem exatamente a ver com a confiança ou não, mas não podemos discutir a confiança.
OD: Outro assunto em debate é a vacatura de cargo do presidente da CNE.
LM: Em termos gerais não há vacatura para nenhum cargo público, porque a lei sempre prevê a substituição. Aliás, o secretário executivo está a desempenhar a função de presidente da CNE há muito tempo e o órgão caducou há muito mais tempo, antes da dissolução do Parlamento. O que as pessoas estão a discutir neste momento é a questão sentimental ou subjetiva. Não confio nesta direção ou noutras, eu também posso não confiar no governo, aliás, não confio neste governo, mas o que é que posso fazer? Nada, eu tenho que esperar a eleição para poder votar e ter um governo que possa merecer a minha confiança.
OD: A audição dos partidos com assento no Parlamento já dissolvido desde maio deste ano está a ser muito criticada e existem vozes que afirmam que esta audição deve ser alargada para todos os partidos legalmente constituídos no país. Concorda?
LM: Há questões estritamente internas da Assembleia Nacional Popular, há uma Comissão Permanente que continua depois da queda do Parlamento que tem a tarefa de praticar os atos essenciais, porque o Parlamento não pode fechar. Como eu disse, o órgão não foi eliminado, é a plenária da Assembleia que foi dissolvida e os deputados mantêm-se em função, apenas não efetiva.
Os assuntos ligados à realização das eleições não podem ser restringidos aos partidos com representação na Assembleia, porque estamos a caminho de uma nova eleição porque a legislatura anterior foi interrompida. Já não temos aquela legislatura, apenas uma Comissão Permanente que vai funcionar interinamente. Então qualquer debate à volta deste assunto das eleições tem que incluir todos os partidos legalmente constituídos. Não podemos criar uma lógica para podemos entrar num campo em que provavelmente poderemos ter uma maioria. Estamos a ser injustos, acho que o Presidente da República está a ser encaminhado para um caminho de erro, na minha perspetiva.
Acho que ele tem que ser o garante da Constituição, do respeito pela legalidade e defender a igualdade de oportunidades, não estar a priorizar alguns partidos em detrimento de outros. Então, todos os partidos e atores políticos devem ser incluídos nesta fase da procura de consensos nos assuntos políticos e nos assuntos da CNE, para podermos ter uma eleição mais pacífica possível.
OD: Foi crítico a várias ações governativas no país enquanto ativista, o partido que lidera vai continuar nesta linha e colocar no centro das atenções a situação política e dos direitos humanos que, nos últimos tempos, deteriorou-se?
LM: Vamos continuar nesta linha, porque entendemos que só assim é que podemos construir um país próspero quando temos a capacidade de criar a segurança para todo o filho da Guiné-Bissau, e sem exceção. Quem defende a violação dos direitos humanos ou a violência, amanhã estará numa posição em que não terá voz para dizer o contrário. Nós somos contra qualquer espécie de violência, tanto física como verbal, defendemos a liberdade e o Estado de direito democrático e achamos que os detentores do poder devem assumir as suas responsabilidades para poder cessar de uma vez por todas as perseguições, as violações dos direitos humanos e da liberdade de imprensa.
Hoje estamos a fazer isto e amanhã seremos responsabilizados por isso. Estamos a praticar ou dar benção para que estes atos aconteçam, amanhã poderemos estar na mesma situação. É por isso que num Estado de direito democrático, o fundamento para a atuação de qualquer órgão do poder ou de qualquer cidadão tem que se basear na lei. Nós defendemos a legalidade, por isso não vamos apoiar nem a violação de direitos humanos individualmente considerados, nem atentados, por exemplo, aos órgãos de soberania. Mantemos essa posição e seremos críticos a qualquer ato de violência contra qualquer guineense, independentemente da sua posição, da sua origem, da etnia ou da opinião que emitir.
OD: Que análise faz da governação deste executivo liderado por Nuno Gomes Nabiam?
LM: É uma governação péssima, para sermos sinceros, baseando na nossa linha de atuação que é a priorização de setores sociais que é a educação e a saúde. Nós acreditamos que este governo não tem solução para alavancar o país numa perspetiva de longo prazo, embora haja um sinal que podemos considerar. Há uma normalização aparentemente da questão da estabilidade do país, também há alguns sinais de investimento que devemos levar em consideração e dar-lhe os parabéns, mas na nossa lógica o melhor ou o mais importante está por fazer que é a priorização da educação.
Não vale a pena temos a estrutura ou as infras-estruturas, se não temos o homem guineense capaz de amanhã poder manter estas infra-estruturas, então o nosso foco é o setor social, combater o analfabetismo, criar oportunidades de emprego juvenil e criar as condições para que a Guiné-Bissau seja um país, onde os guineenses vão sentir-se orgulhosos de poder viver, não ter a maioria dos guineenses com a ambição de emigrar, porque não têm oportunidades no país.
OD: A África Ocidental está abalada pelo fenomeno do terrorismo que agora é sentido nas zonas muito mais próximas do nosso país. Que contribuição o Partido Luz pode dar, se for solicitado, para combater o terrorismo e estancar a emigração clandestina que envolve maioritariamente a juventude?
LM: A solução para África tem que sair dos africanos, independentemente do tipo de apoio que podemos conseguir a nível internacional em termos de colaboração com outros Estados. Nós enquanto países africanos temos que conjugar os esforços através fa colaboração a nível das forças policiais, da informação e de segurança para podermos ter uma região segura.
Isto passa também pela educação, porque se tivermos uma boa educação ou uma sociedade instruída, teremos a tendência de combater melhor os fenomenos do terrorismo e outros atos, porque várias vezes as pessoas ligadas a estes fenomenos têm recursos e conseguem infiltrar-se em organizações e até nas estruturas do Estado. Se não tivermos os mecanismos de controlo, por exemplo, no caso da Guiné-Bissau, que não consegue nem controlar a entrada e saída dos estrangeiros no território nacional.
As pessoas entram e saem quando querem. Entram e às vezes não sabemos quem entrou, não há mecanismo de controlo das nossas fronteiras, então continuamos a ser um país muito frágil. Para nós, a solução tem que partir dos africanos e temos que ter consciência do tipo de país que queremos construir e como é que queremos nos posicionar ao nível mundial. Várias vezes, estas ações do terrorismo são criadas por potências mundiais nos países que têm recursos para criar a instabilidade e tirar proveitos.
Os países mais ricos da África são os que tiveram mais problemas destes fenómenos, caso de Moçambique, da Nigéria, do Burundi e outros. Muitas vezes os países ou agências que aparecem como anjos ou salvadores para nos ajudar, no fundo têm interesses, porque são financiados por multinacionais que querem explorar os nossos recursos e aproveitar da nossa fragilidade. A solução para combater o terrorismo e ter a segurança na África tem que ser uma solução africana.
Relativamente à emigração clandestina, é a mesma coisa. Porque se conseguirmos criar programas de educação, empregos ou dar um mínimo às nossas populações para poderem viver e ter a esperança que precisam, então a emigração continuará a ser uma obrigação para a juventude. Se conseguirmos criar as condições para que a juventude tenha a oportunidade de estudar cá, ter emprego e empreender, acredito que poderemos reduzir o fenómeno da emigração clandestina.
OD: A falta de liberdade na gestão da moeda FCFA por oito países da União Económica Monetária Oeste Africana, leva os ativistas e, inclusive, os políticos desses países a defenderem que os seus países devem sair da moeda FCFA, que nas suas opiniões é a forma mais suave da colonização e da exploração pela França. Se o Partido Luz chegar ao poder, a Guiné-Bissau vai sair na moeda Francos CFA?
LM: O partido não tem uma posição a volta deste assunto, mas eu particularmente sou da opinião que o Franco CFA é uma espécie de colonização. É uma vergonha ter uma moeda francesa nos países independentes. Eu acredito que podemos não pensar numa moeda nacional, mas numa moeda africana.
Em termos gerais, há uma iniciativa neste contexto, mas podemos ter a nível da sub-região uma moeda, mas que seja uma moeda essencialmente de África e não uma moeda que vai ter o cunho da França. Eu defendo na íntegra a posição dos ativistas contra o Franco CFA.
Por: Assana Sambú