Opinião: ESQUECER AMÍLCAR CABRAL?!

Nos passados dias 13 e 14 de Janeiro, a Assembleia da República Portuguesa acolheu o colóquio intitulado “Amílcae Cabral e a História do Futuro”, organizado por Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, através do projecto CROME (Memórias cruzadas, políticas do silêncio), do Instituto de História Contemporânea – NOVA FCSH e de Cultra, através da rede Transform e da iniciativa “Abril é Agora”. O auditório António de Almeida Santos teve dois dias de intensos debates em torno dos legados do “Homem Africano” e da luta que liderou pelas independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, animados por investigadores, estudantes e público de várias nacionalidades e diversos interesses com as temáticas abordadas. 

De regresso ao intervalo para o almoço do segundo dia do colóquio, uma senhora que se identificou como jornalistaaproximou-se de um grupo de quatro pessoas (uma portuguesa e três guineenses – e eu era parte deles) eperguntou qual era a nossa opinião sobre a constatação que fora feita num desses animados painéis do colóquio e que “o Amílcar Cabral está esquecido na Guiné-Bissau”. Não esperei que me fosse dada a palavra e lá fui tentado a tecer uma dissertação que começava com a frase “Não é bem assim…” e, confesso, num tom algo nacionalista – algo de que aprendi a desconfiar-me porque contém nos dias que correm, quase que sempre, lastros de chauvinismo. Mas não deu para construir a minha tese “em defesa do Cabralismo guineense”, porque estava na hora de entrarmos para mais uma mesa de debate no colóquio, que era o que mais importava.

Hoje, volto a este discreto episódio nos bastidores do colóquio porque se assinala 20 de Janeiro, dia em que Inocêncio Kane realizou um desejo criminoso do colonialismo português e de todas as forças contra as independências dos povos africanos sob o jugo colonial-imperialista europeu. A data desde sempre foi simbólica, mas o simbolismo deste ano é especial, porque são 50 anos sem o Comandante, meio século, digamos. Porém, num momento em que se multiplicam colóquios e conferências por variadíssimas geografias, de Dakar, Ziguinchor à Roma, de Lisboa a Praia, até Ceará, em Bissau, capital do Estado que a luta exemplarmente liderada por Amílcar Cabral fundou, os eventos a assinalar a data são sobretudo assegurados por instituições privadas de ensino superior, fora da tímida semana académica habitualmente organizada pela abandonada universidade que vergonhosamente leva o nome de Amílcar Cabral. 

Ao nível das instituições do Estado, está tudo em silêncio, como se se tratasse de uma questão de “faz de conta”. Mas não há nenhum acaso neste facto, pois tudo isto acontece na na vigência de um regime que baptiza ruas com nomes estranhos à consciência colectiva guineense, que muda a data de celebração da independência e se faz de indiferente para com o legado da luta de libertação do país que desgraçadamente tutela. Não nos alonguemos em considerações, há um projecto político que tenta a todo o custo fazer esquecer Amílcar Cabral e o que representa para a Guiné-Bissau. No entanto, se desde sempre houve quem o tentasse com alguma timidez, Umaro Sissoco Embaló, o líder do regime a governar o país, demonstrou-se sempre disponível a levar a questão mais longe no seu projecto autoritário e populista. Por isso comemora a independência no dia das forças armadas e substitui a identidade de uma avenida com o nome de um companheiro de luta de Amílcar Cabral pelo nome do seu amigo e um dos seus padrinhos na política sem qualquer ligação histórica com a Guiné-Bissau. 

É uma tentativa que nunca terá sucesso, felizmente. Porque Amílcar Cabral, antes de ter sido assassinado, venceu todas as possibilidades de esquecimento do seu percurso humanista e comprometido com a libertação da humanidade de todas as formas de sujeição. Se o Único Chefe do regime a governar a Guiné-Bissau procurasse conhecer um pouco do significado do Cabral, mesmo que por um terço da sua trajectória política revolucionaria, não perderia tempo a tentar apagar a sua inigualável história. Por isso, mesmo que o Estado institucional não queira falar do Cabral, hoje, ele e o seu legado continuarão vivos junto do povo que, felizmente, ainda conta com aqueles e aquelas que compreendem a dimensão do Amílcar, quecontinuará a viver na literatura, na música, nas artes plásticas, nos nomes de cara Amílcar que continuam a ser “baptizados” na nossa “nação africana forjada na luta” e a sua veia revolucionária encontrará, tarde ou cedo, homens e mulheres guineenses – sem distinções de etnia ou religião, como alguém está interessado em nos ver separados – disponíveis a sacrificar-se pela batalha final, a do progresso da Guiné-Bissau.

Saudações e Glória ao Kumandanti! 

Desgraça aos traidores da nossa História!

Por: Sumaila Jaló – professor e activista

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