
Num comunicado de imprensa datado do dia 30 de janeiro 2023, o Fundo Monetário Internacional anunciou a aprovação de um programa de financiamento de três anos para a Guiné-Bissau num valor de 38,4 milhões de dólares americanos. Do lado de Bissau a informação do dito programa foi divulgada pela RDP Africa na Terça feira dia 31/1/2023 com a rádio Portuguesa a revelar que o programa tinha sido suspenso há quatro anos.
Segundo o comunicado do Conselho Executivo do FMI este programa de financiamento tem como objetivos assegurar a sustentabilidade da dívida do país, apoiar a recuperação económica, melhorar a governança, diminuir o risco de corrupção e por fim criar um espaço fiscal para sustentar o crescimento inclusivo. Um programa ambicioso que merece celebração, não é?
Mas para os observadores atentos, este programa suscita questionamento quanto aos seus objetivos reais. Logo de primeira abordagem, como um tal programa pretende melhorar a boa governança num país sem Assembleia Nacional, órgão central numa democracia liberal, para o controlo da ação governativa? Segundo a mesma fonte, o FMI vai de imediato, desembolsar 3,2 milhões de dólares, qual órgão legitimo de governação irá monitorar este montante? Um programa suspenso há quatro anos, porquê foi retomado agora? Será que as condições que estiveram na origem da sua suspensão, já mudaram? De qual crescimento inclusivo se fala? Quando se sabe que o crescimento económico da Guiné-Bissau não se reflete na vida do dia a dia do cidadão Zé ninguém de Bamdim? Se de antemão se sabe que as respostas às questões ora colocadas são negativas, então qual é o verdadeiro objetivo do programa aprovado em Washington no passado dia 30 de janeiro? A resposta a esta ultima pergunta é que o único e verdadeiro objetivo desta nova dívida é sustentar os serviços da divida do país e nada mais. Daí que este programa do FMI não deveria constituir um motivo de alegria, mas de tristeza. Nas linhas que seguem vamos analisar porquê o programa retomado do FMI não merece nenhum louvor para nós.
Em 12 de Dezembro de 2022, o Presidente do Camarões foi aos Estados Unidos da América, na ocasião da Cimeira Africa/América de 2022 e deu uma conferencia, a convite do Clube de Empreendedores Americanos em Washington, sobre as causas do subdesenvolvimento dos países Africanos. Na ocasião, o Presidente Biya, enumerou entre outras causas, os créditos ocidentais com juros proibitivos. O chefe de Estado Camaronês disse que: “Os créditos ocidentais são feitos de tal modo que para pagar a primeira divida vai precisar de uma outra divida e no final de contas, o país se encontra classificado dentro dos PPME (Países Pobres Muito Endividados)”
Esta parte da conferencia do Presidente Biya sustenta o meu argumento de que o programa do FMI aprovado para a Guiné-Bissau tem como objetivo principal, permitir a Guiné-Bissau a poder sustentar o pagamento da sua dívida durante os três anos da duração do programa, o resto é a manteiga que para adormecer o povo. Continuamos sobre a revelação do Biya sobre as causas do subdesenvolvimento. Ele disse mais que: “Os ocidentais acordam créditos aos países africanos com condições restritivas a soberania dos Estados, créditos com quadros jurídicos vinculativos que desestabilizam as instituições republicanas.” Ainda disse: “O caso das multinacionais e das instituições financeiras, como o FMI, é pior, porque estes últimos obrigam os dirigentes Africanos a assinar os contratos a penhora, isto é contrair divida com garantia de recursos naturais do país”.
A conferencia do presidente Paul Biya elucidou-nos sobre o problema de créditos das instituições financeiras Internacionais, mas interpela-nos a explicar a questão da dívida para que o povo, em nome do qual contraímos essas dividas, saiba do que se trata, quando se regozija da retoma de um programa do FMI?
Uma divida deve permitir a um país a transformação estrutural da sua economia. Aqui precisamos explicar o que significa transformar estruturalmente a economia. Isto quer dizer, no nosso caso especifico, esforçarmo-nos de tal modo que os três setores da economia do nosso país: o primário, o secundário e o terciário contribuam em cima de 50% no PIB da Guiné-Bissau. Como se sabe mais de 70% da população Guineenses atua no setor primário da nossa economia, o setor secundário, que é a industria, é quase inexistente, e na verdade é este setor que permite um país exportar os produtos acabados com mais valia, criar empregos, alcançar a sua soberania financeira e abandonar o antigo modelo de exportar as matérias primas e importar os produtos acabados. O modelo económico para o desenvolvimento deveria optar para que os dois primeiros setores ocupem um lugar chave no nosso PIB. É do conhecimento comum que a presença dos guineenses no setor terciário, que é constituído pelas telecomunicações, bancos e seguros, é insignificante. Acontece que a contribuição deste setor no PIB da Guiné-Bissau ultrapassa os 50%, é razão pela qual quando se fala do crescimento da economia da Guiné-Bissau, o cidadão Zé de Bamdim não o sente.
Passamos agora a falar da dívida pública, algo que o povo precisa entender muito bem.
Quando se fala de dívida publica, estamos a referirmo-nos a três coisas diferentes: o empréstimo como uma estratégia; como sustentabilidade da economia e como politica de endividamento.
Como estratégia – refere-se ao porquê do empréstimo? A estratégia deve permitir ao país adquirir a sua soberania orçamental e a dívida deve ser o último recurso para financiar o défice do orçamento.
A sustentabilidade se aprecia em três vertentes: A dívida publica propriamente dita; o serviço da dívida e a necessidade de financiamento do país. A divida propriamente dita é o montante total do empréstimo que o país deve ao exterior; o serviço da divida é constituído pelo juro da divida que o país deve pagar anualmente; e a necessidade de financiamento se refere ao investimento que o país deve fazer para a criação de riqueza que aumentará o crescimento endógena da economia nacional.
Política de endividamento – as dividas são de duas naturezas: dívidas concecionais e não concecionais. Uma divida concecional é aquela que a sua moratória é de longa duração e paga-se com um juro muito reduzido. Enquanto uma divida não concecional paga-se de imediato com um juro exorbitante. Este tipo de divida é obtida com os mercados e instituições financeiras.
O programa que o FMI acabou de retomar com a Guiné-Bissau é de natureza não concecional, portanto os seus juros são muito elevados, o que não é vantajoso e mantem a Guiné-Bissau sob as águas.
Não podemos concluir a nossa reflexão de esclarecimento sobre a questão da dívida sem levantar o problema de destino da dívida. A maioria dos países africanos, fazem créditos nas condições impostas pelas instituições financeiras. São estas últimas que indicam onde o dinheiro deve ser investido e na maioria dos casos, os empréstimos são colocados na construção de infraestruturas que não constituem prioridade do momento.
Se a Guiné-Bissau quer adotar a contratação de dívidas publicas como estratégia, o destino deste dinheiro deveria ser para os setores da economia que vão contribuir para o crescimento económico endógena, isto é, investir esse dinheiro nos setores primário e secundário. Só adotando esta estratégia, a Guiné-Bissau ganhará a sua soberania orçamental e prosseguirá na senda do desenvolvimento almejado por todos.
Recomendo os que estão interessados a aprofundar os seus conhecimentos sobre o problema da dívida e de ajuda para o desenvolvimento a ler a obra da Dr.ª Dambisa Moyo intitulada “the Dead Aid”.
Por: Abdou Jarju
Docente