Os jornalistas ouvidos relativamente ao tema sobre a “liberalização de informação sob ameaças à liberdade de imprensa e de expressão na Guiné-Bissau” divergem quanto a dois aspetos. Sumba Nansil, responsável do departamento de formação e capacitação da Rádio Capital FM, afirmou que não é possível trabalhar na liberalização da informação nas rádios sob ameaças à liberdade de imprensa ou de expressão.
Por seu turno, o diretor-geral da Rádio África FM, Amadu Uri Djaló, referiu que não se pode confundir a liberdade de imprensa com pessoas encapuzadas ou disfarçadas de jornalistas para atacar políticos.
A redação do Jornal O Democrata ouviu os responsáveis destas duas estações emissoras nacionais, designadamente o responsável de formação e capacitação da Rádio Capital FM, jornalista Sumba Nansil, e o diretor-geral da Rádio África FM, o jornalista Amadu Uri Djaló, bem como um jornalista sénior e de reconhecida experiência a nível nacional, Mussa Baldé, da Agência Lusa e da secção portuguesa da Rádio França Internacional que, por sua vez, criticou que a rádio tem falhado muito na Guiné-Bissau no que diz respeito à consciencialização de uma cidadania nacional, sublinhando que “há liberdade de imprensa até a mais”.
O dia mundial da rádio é celebrado a 13 de fevereiro, uma data instituída na conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2011 e aprovado no ano seguinte por unanimidade na Assembleia Geral das Nações Unidas. O objetivo do Dia Mundial da Rádio é conscientizar o público da importância da rádio. Na Guiné-Bissau e à semelhança de outros países, a rádio é um meio de baixo custo e popular, que pode alcançar as áreas mais remotas e as pessoas mais marginalizadas.
SUMBA: “NÃO É POSSÍVEL TRABALHAR NA LIBERALIZAÇÃO DE INFORMAÇÃO SOB AMEAÇAS À LIBERDADE DE IMPRENSA”
O Coordenador do Departamento de Formação e Capacitação da Rádio Capital FM, Sumba Nansil, afirmou que não se pode falar da liberdade de imprensa num país onde a atuação da comunicação social está a ser posta em causa de “forma gratuita“, sem justificação, enfatizando que “é triste falar na Guiné-Bissau da imprensa e da liberdade de expressão”.
Explicou que a rádio é um dos meios de comunicação social mais apreciados, mas “nos últimos tempos tem havido ameaças, violência e controlo no país e quando assim é, o consumidor do produto da rádio, o ouvinte, deixa de ter o privilégio de continuar a gozar do que mais gosta”.
De acordo com o jornalista da Rádio Capital FM, quando um consumidor ou utente da rádio, com hábito e tradição de disfrutar do produto e para quem o resultado que justifica a existência da emissão de uma rádio é limitado, é impossível qualificar de positiva essa data na Guiné-Bissau. Ou seja, podemos falar de tudo, menos desfrutar da rádio. Adiantou, neste particular, que não é possível trabalhar na liberalização de informação na rádio sob ameaças à liberdade de imprensa ou de expressão.
“O que justifica que algumas rádios estejam a emitir e outras não? Não há nada que justifique tudo isso. Os órgãos não têm tratamento igual, não! A justiça não funciona, o que funciona, sim, é a ditadura que manda um grupo de profissionais para o desemprego e deixa outros a trabalhar, no mesmo ambiente de atuação. Portanto essa história de celebrar o dia mundial da rádio não tem piada nenhuma na Guiné-Bissau”, criticou.
Assegurou que a rádio capital tinha conquistado o seu espaço e produzia programas de debates e de interação sobre assuntos políticos, sociais e económicos nos anos anteriores com maior nota, quer a nível nacional, quer internacional.
O jornalista da CFM disse não existirem outros mecanismos para fazer face às ameaças, à liberdade de imprensa e de expressão na Guiné-Bissau, a menos que as leis que existam regulem e balizem o funcionamento dos órgãos de comunicação social.
“Se isso não funcionar e continuarmos a trabalhar no regime de ditadura e de ordens que não nos ajudam, não faremos nada. Acreditamos que as coisas poderão mudar no futuro, porque nada é eterno na vida e no mundo. Se essa é a grande verdade, que nos dêem a liberdade e que as pessoas cumpram os princípios e as regras, permitindo que os profissionais trabalhem para formar e informar a sociedade para uma convivência sã”, notou.
Nansil disse que o papel da rádio na consciencialização da população e promoção de uma cidadania poderia ter sido positivo, mas esse papel tem sido atropelado, quando algumas estações emissoras foram impedidas de desempenhar esse papel “, assinalou.
“Podíamos ter tido uma análise positiva e participativa da sociedade e uma apreciação boa nesse sentido, mas quando nos deparamos com um obstáculo enorme que faz tudo menos cumprir as regras e as normas, é impossível falar deste papel da rádio”, afirmou.
“NÃO SE PODE CONFUNDIR LIBERDADE DE IMPRENSA COM PESSOAS ENCAPUZADAS DE JORNALISTAS” – DG ÁFRICA FM
O Diretor-Geral da Rádio África FM, Amadu Uri Djaló, alertou que não se pode confundir a liberdade de imprensa com pessoas encapuzadas de jornalistas para atacar políticos, por isso haverá sempre a reação dos políticos. Acrescentou que jornalismo é fazer informação, não atacar as pessoas como acontece nas rádios do país, sobretudo nos programas matinais que visam um grupo de políticos e empresários.
Djaló disse que a rádio pode desempenhar um papel vasto no clima que se vive neste momento na Guiné-Bissau. Sublinhou que poucas rádios estão a desempenhar o verdadeiro papel reconciliador de uma estação emissora, porque “nas suas grelhas de programação é possível criar programas que podem ajudar na reconciliação, ajudar os agricultores a terem maior produtividade nos campos de lavoura, da pecuária e na estabilização do país”.
O jornalista informou que, nos últimos tempos, questões políticas têm dominado as agendas das rádios e dos próprios jornalistas, operadores das rádios e técnicos, a maioria deles estão mais voltados aos programas políticos. Criticou que nas grelhas de programação de diferentes órgãos, sobretudo as rádios com dimensão nacional, poucos têm em conta os programas sociais capazes de ajudar os setores sociais, nomeadamente a educação, a saúde e a segurança alimentar.
O diretor-geral da Rádio África FM afirmou que não é possível trabalhar na liberalização da informação na rádio, sob ameaças à liberdade de imprensa ou de expressão, contudo advertiu que “a liberalização de informação não pode ser confundida com questões políticas”.
“A maior parte das informações que passam nas rádios da Guiné-Bissau é de índole política. Nunca um jornalista foi perseguido na Guiné-Bissau, por ter feito uma reportagem sobre agricultura ou turismo. As rádios são livres em criar programas de debates e interação sobre assuntos políticos, sociais e económicos”, disse.
“Não me lembro de um jornalista que tenha sido perseguido pelo facto de emitir a sua opinião nos programas apresentados nessas rádios” notou, avançando que os problemas surgem para as pessoas que criam programas para atacar e perseguir pessoas, porque “têm microfones, nos programas matinais”.
Sobre os mecanismos que devem ser usados para fazer face às ameaças à liberdade de imprensa e de expressão na Guiné-Bissau, explicou que os jornalistas devem ser verdadeiros nas suas atividades, enquanto profissionais, não fazer papel de políticos.
“A rádio pode desempenhar um papel muito importante na consciencialização dos cidadãos em vários aspectos. A título de exemplo, quando a pandemia da Covid-19 foi declarada na Guiné-Bissau, as pessoas foram confinadas e os jornalistas, médicos e militares estiveram na linha de frente para ajudar na consciencialização das pessoas sobre como evitar a contaminação pelo vírus. Isso é um exemplo do papel importantíssimo que a rádio pode desempenhar na consciencialização dos cidadãos, prevenção do paludismo, uma doença endêmica no nosso país”, contou.
Recordou que o país está a caminho das eleições legislativas, “carnaval de compra de consciências dos cidadãos”, afirmando que as rádios podem desempenhar um papel extremamente importante na educação e consciencialização dos eleitores para votarem em consciência sem serem comprados com folhas de chapas de zinco, megafones ou outros materiais. Portanto a rádio tem um papel transversal na construção de uma sociedade.
“RÁDIO TEM FALHADO NA CONSCIENCIALIZAÇÃO DE UMA CIDADANIA E HÁ MUITA LIBERDADE DE IMPRENSA” – MUSSA BALDÉ
O Jornalista da Agência Lusa e RFI, Mussa Baldé criticou que, na consciencialização e criação de uma cidadania nacional, a rádio tem falhado muito na Guiné-Bissau. Adiantou que a rádio é um instrumento importante que no passado ajudou muito a criar um ideário nacional no processo da luta armada pela independência.
Mussa Baldé disse que nos outros países, a rádio tem jogado um papel fundamental e na Guiné-Bissau do passado, também desempenhou um papel fulcral no processo da construção da consciência cívica nacional, referindo-se assim ao papel que a rádio teve na luta de libertação nacional sobre a importância da unidade nacional e a emancipação do povo guineense à volta da questão da independência.
“No passado, a rádio foi determinante, mas hoje vê-se que o país tem utilizado pouco o potencial da rádio no processo da construção do ideário nacional“, precisou.
Baldé assegurou que na Guiné-Bissau, as rádios dão muita atenção aos aspetos da informação política que não deixa de ser importante porque a nossa vida é orientada e determinada para ela, mas não é o centro da vida do ser humano, há muitas coisas que a rádio poderia desenvolver para ajudar na criação de uma consciência nacional dos guineenses, tocando as questões ligadas ao ambiente e à cidadania.
“A sociedade guineense tem muitos defeitos, mas o extremismo religioso ainda não é um assunto que se possa dizer que exista de forma acentuada na nossa sociedade. Há alguns pequenos laivos de extremismo de pessoas, mas não são atos patrocinados pelas igrejas. Penso que poderíamos estar a utilizar a rádio para ajudar a criar uma consciência cívica melhor, fazendo um trabalho para mostrar a algumas comunidades no interior do país como podem votar, qual a importância dos seus votos para as suas comunidades no sentido de poder ter melhores escolas, estradas, centros de saúde, água e meios de produção, portanto é hora de os profissionais da rádio mudarem o paradigma e a forma de trabalhar”, aconselhou.
O jornalista afirmou que na Guiné-Bissau, há liberdade de imprensa até a mais e o que tem havido, de vez enquando, são laivos de alguma tentativa de amordaçar alguns órgãos de comunicação social, porque “no país nenhum jornalista é impedido de falar sobre qualquer tema como tráfico de drogas, golpes de estado, assassinatos e o que é complicado é ter acesso às fontes do estado, por causa da sociedade ou Estado muito centralizado e fechado”.
“Esta questão da liberdade de imprensa versus impedimentos, acho que existe muita extrapolação, ou seja, exageramos nas análises que fazemos. Conheço muitos países da África e a liberdade que vejo na Guiné-Bissau não existe em vários países africanos. Agora, o que existe também é reverso da medalha e o comportamento dos próprios profissionais. Sou muito crítico em relação aquilo que tem sido o desempenho dos jornalistas na Guiné-Bissau, sobretudo os mais novos na profissão e hoje quero louvar o espírito dos mais novos, tentando melhorar a qualidade do serviço. O que tem faltado é a cultura geral que, como se tem verificado, é muito baixa e o respeito permanente pelo princípio do contraditório”, sublinhou.
Questionado se as rádios são livres em produzir programas de debates políticos, sociais e económicos, o jornalista disse que as rádios são livres, porque “ninguém é impedido de produzir programas”.
Para Mussa Baldé, fazer rádio é um exercício regulado na lei e quando o jornalista vai para além daquilo que é permitido na lei, incorre no crime de abuso da liberdade de imprensa, para de seguida dizer que quando um programa de uma rádio não respeita a deontologia profissional pode ter problemas, tanto na Guiné-Bissau como nos outros países.
Nesse sentido, Mussa Baldé advertiu o poder político que não fica bem estar a ordenar o “encerramento compulsivo das rádios, impor medidas coercivas com a finalidade única de fechar os órgãos da comunicação social”.
Em alusão ao despacho que obriga um órgão a pagar uma soma astronómica para ter um alvará de emissão, Baldé disse que “é contraproducente num país que quer a liberdade de imprensa e fica mal para o próprio estado, porque a Guiné-Bissau não é uma ilha nem um país isolado do mundo”.
Por: Aguinaldo Ampa